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Algumas considerações do enredo

A resistência em aceitar a mulher em cargos de direção re- laciona-se a dois aspectos fundamentais: a tradição cultural, que privilegia o espaço para a mulher na esfera do doméstico, do pri- vado, e não do público; e uma representação da mulher despro- vida de atributos, como combatividade, autoridade, dinamismo, objetividade e audácia, ressaltados como fundamentais ao exercí- cio do poder e sedimentados a partir do modelo racional burocrá- tico de gestão organizacional. São as dificuldades e preconceitos que acabam por inibir a capacidade competitiva das mulheres, por exigirem delas um esforço sobrenatural, não apenas com relação ao seu desempenho, mas também para a conquista da confian- ça de todos. Estas são considerações que permeiam as atividades femininas e para as quais temos que considerar seu profundo en- raizamento nas articulações entre as dimensões do público e do privado.

Apesar dos percalços, as mulheres foram adentrando as esfe- ras da política e, aos poucos, elas juntaram capacidade e a vontade de quebrar preconceitos e conquistaram um espaço que, até en- tão, era exclusivo dos homens, apesar de algumas barreiras ainda persistirem dentro dos partidos, pois se leva tempo para mudar as mentalidades numa sociedade patriarcal, onde o espaço reserva- do às mulheres é o lar.

Na história da luta das mulheres pela equidade de gêne- ro, Amabilia afirmou que o caminho em busca da emancipação da mulher passa pela conquista e garantia de seus direitos civis, políticos e sociais, no âmbito da família, da sociedade e na esfera pública e, no plano cultural e ideológico, pelo combate aos pre- conceitos e discriminações a que são submetidas.

Ao demonstrar sua posição sobre os problemas e preconceitos de gênero pelos quais as mulheres passavam na estrutura familiar, no dia a dia e, principalmente, dentro dos partidos, ela percebeu que era preciso uma transformação no seu fazer político, pois as possibilidades como agente político abria, mesmo que de forma incipiente, um horizonte para as mulheres que viviam em situa- ção de opressão e em situação de violência. Daí, a consciência de sua subordinação e, com ela, o desejo de mudar, de transformar suas vidas e as relações sociais e afetivas nas quais estavam inseri- das. Esse é o movimento de autoconhecimento para a compreen- são de uma formação voltada para a consciência de gênero, o qual as mulheres começam a perceber no seu cotidiano.

Neste sentido que fazemos uma avaliação mais detalhada da importância da atuação de Amabilia para as conquistas feministas, visto que ao decorrer de sua trajetória política, nos seus mandatos eletivos, tinha como princípio a causa feminina e isso podem ser verificados a partir das questões feministas que ela trazia para a sua vida política, seja nos projetos, nas leis e nas muitas palestras

e discursos que ela fazia. Suas ações expressavam, portanto, uma consciência de gênero.

Ao longo do seu mandato como deputada, identificamos os níveis de consciência de gênero de Amabilia e, ao mesmo tempo, detectamos os graus de penetração das bandeiras que ela levanta- va do movimento feminista, a partir da análise de seus posiciona- mentos sobre as questões básicas para a compreensão da condição feminina.

Assim, a presença das mulheres no poder político contribui para democratizar, questionar as hierarquias, as formas de poder mantidas pelo homem. Em certa medida, introduz uma nova for- ma de olhar, de identificar os processos comunicacionais, através dos quais se desenham produtos comunicativos discriminatórios e excludentes. Lentamente, de eleição em eleição, as mulheres vão estruturando uma nova cultura e ocupando espaços na política. Não há dúvida que as eleições sofrem transmutações significativas na nova sociabilidade e a trajetória de Amabilia nesse cenário po- lítico nos mostrou isso.

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