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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 A FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

A formação docente no Brasil, não é uma preocupação recente. A Escola Normal, criada no século XIX, constituiu-se no único espaço institucionalizado de formação de professores, por mais de cem anos, e desde o início, já provocava discussões sobre a formação inicial de professores (SILVESTRE, 2016).

Conforme Tanuri (2000), Romanowski (2007) e Saviani (2009), a formação das primeiras Escolas Normais, priorizava um currículo centrado nos conteúdos da escola primária e formação pedagógica na disciplina de Métodos de Ensino; o curso durava dois anos e era ministrado por um ou dois professores para todas as disciplinas. No final do Império, a maioria das províncias tinha mais de uma Escola Normal, porém, nessa época, a formação do professor não é era imprescindível para exercer o magistério, o que resultou na baixa procura pelos cursos e, consequentemente, no seu fracasso. Outra forma de preparar professores era a indicação de professores adjuntos, que acompanhavam um professor mais experiente e reproduziam a sua prática. Na seleção de professores, normalmente, considerava-se o prestígio social que tinham na comunidade. Posteriormente, por intervenção de Rui Barbosa, vários projetos foram idealizados para valorizar as Escolas Normais, pois ele acreditava que o professor deveria ter uma formação adequada.

Na década de 1920, foram realizadas várias reformas de ensino, que resignificaram a prática docente, incluindo a ampliação do curso para quatro anos e um novo plano de estudos com um currículo organizado em dois blocos, um de caráter propedêutico e o outro profissionalizante. Ao professor, foi atribuído o papel

7 Neste trabalho, serão considerados sinônimos os termos: professor, docente, educador e profissional de Letras, porém, o termo Educador Linguístico se refere especificamente ao docente que trabalha com o ensino de Língua Materna e Língua Estrangeira.

de formar as crianças e os jovens para a vida urbana, trabalhar nas indústrias e contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural. Esse modelo perdurou até os anos de 1970 (ROMANOWSKI, 2007; TANURI, 2000).

Com a implantação da Lei 5.692/71, o magistério se tornou uma habilitação profissional de segundo grau, incluindo várias disciplinas. A metodologia de formação era baseada no enfoque tecnicista, a ênfase era na racionalização do trabalho. A mesma lei limitou o campo de atuação profissional da “habilitação do magistério” para atuar somente no ensino de 1º grau. Para atuar nos cursos de magistério, o professor deveria possuir formação em nível superior, com licenciaturas ou pedagogia. No início dos anos de 1990, o curso de Pedagogia assumiu a docência como eixo articulador do processo de formação de professores, preparava para atuar na educação infantil, nos anos inicias do ensino fundamental e para a docência das disciplinas pedagógicas dos Cursos Normais de nível médio. Também habilitava gestores educacionais, supervisores, orientadores e administradores escolares, enquanto que as outras licenciaturas formavam professores de disciplinas específicas para atuar nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio (TANURI, 2000; ROMANOWSKI, 2007).

Os primeiros cursos de licenciatura em Letras, conforme Fiorin (2006), surgiram, no Brasil, com a criação das Faculdades de Filosofia, somente nos anos 30 do século XX. Com a independência do país, proclamada em 1822, a sede do poder metropolitano passou para o Brasil e surgiu o estado nacional, criando-se a necessidade da fundação do ensino superior, destinado, de um lado, a formar burocratas para o Estado e, de outro, especialistas na produção de bens simbólicos para o consumo das classes dominantes. Várias foram as iniciativas nesse sentido. Uma delas foi a criação da Universidade de São Paulo em 1934, que incluía a Faculdade de Filosofia constituída de três seções: a de Filosofia, a de Ciências e a de Letras, dividida em Letras Clássicas e Português, e Línguas Estrangeiras.

Nesse período, segundo Fiorin (2006), nos dois cursos de Letras, o ensino de língua tinha como objetivo levar os alunos a ler os textos originais. Mesmo os cursos de história da língua tinham a finalidade de preparar o aluno para a leitura de textos produzidos em outros estágios da língua. Assim, o ensino era voltado para a literatura e adotava uma abordagem predominantemente histórica no estudo da língua.

Valnir Chagas, alterou radicalmente a organização dos cursos de Letras no Brasil, aprovando a primeira proposta de currículo mínimo para os Cursos de Letras, prevendo, também, a licenciatura dupla: Português e uma Língua Estrangeira.

Conforme aponta Paiva (2005), até então, os currículos eram densos e abarcavam conjuntos de línguas neolatinas, incluíam a aprendizagem de cinco línguas e suas respectivas literaturas. O novo currículo previa apenas uma língua estrangeira e na modalidade de licenciatura dupla, pois o formato de licenciatura única só era permitido para a Língua Portuguesa. A formação pedagógica nesses cursos só foi regulamentada com a resolução nº 9, de outubro de 1969, quando se instituiu a obrigatoriedade do estágio supervisionado e determinou-se que as matérias pedagógicas, englobando Psicologia da Educação, Didática e Estrutura e Funcionamento de Ensino do 2º grau, deveriam perfazer pelo menos 1/8 da carga horária.

Nesse novo formato de currículo, a língua estrangeira perdeu espaço, passou a ser vista como uma disciplina menor, e assim foi tratada por vários cursos de Letras no país. Ainda de acordo com a autora, esse currículo mínimo, que tratava as línguas estrangeiras com tanto preconceito, vigorou por 34 anos e, até hoje, influencia os projetos pedagógicos.

Segundo Paiva (2005), a qualidade das licenciaturas tem sido uma das preocupações do Ministério de Educação e Cultura (MEC) nos últimos anos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, extinguiu a obrigatoriedade de currículos mínimos, substituindo-os pelas diretrizes curriculares, com princípios, objetivos e metas.

Quanto aos princípios, a intenção era assegurar que as instituições superiores tivessem ampla liberdade para compor a carga horária do currículo, especificar as unidades de estudos para a sua integralização e incentivar uma sólida formação geral que preparasse os licenciados para os futuros desafios profissionais. Outros aspectos tratados se referem ao desenvolvimento da autonomia do profissional e intelectual, a articulação entre a teoria e a prática por meio de pesquisas, estágios e participação em atividades de extensão, assim como um processo avaliativo periódico e variado que fosse capaz de informar docentes e discentes a respeito das atividades didáticas. Os objetivos e as metas da LDB buscam a efetivação dos princípios citados.

curso de Letras, que, além de reiterar as proposições anteriores, afirmam que os cursos de graduação em Letras deverão ter estruturas flexíveis e propiciar o exercício da autonomia universitária, ficando a cargo da Instituição de Ensino Superior definições como perfil profissional, carga horária, atividades curriculares básicas, complementares e de estágio.

A flexibilização do currículo objetiva responder às intensas transformações que têm ocorrido na sociedade contemporânea, no mercado de trabalho e nas condições de exercício profissional. A universidade é entendida não apenas como produtora e detentora do conhecimento e do saber, mas também como instância voltada para atender às necessidades educativas e tecnológicas, capaz de intervir e transformar a sociedade em termos éticos.

Desse ponto de visa, o currículo, que, antes, era estruturado em torno das disciplinas, passou a ser entendido como “todo e qualquer conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso” (BRASIL 2001, p. 29) e requer que o professor, além de ser responsável pelos conteúdos, seja também um orientador, influindo na qualidade da formação do aluno.

Quanto ao perfil do profissional de Letras, espera-se que seja “interculturalmente competente, capaz de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito, e consciente de sua inserção na sociedade e das relações com o outro” (ibid., p. 30). Além disso, as diretrizes propostas pelo Parecer CNE/CES 492/2001 ressaltam que o profissional deve ter o “domínio do uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais, além de ter consciência das variedades linguísticas e culturais” (p. 30), bem como ser capaz de “refletir teoricamente sobre a linguagem, de fazer uso de novas tecnologias e de compreender sua formação profissional como processo contínuo, autônomo e permanente” (p. 30), articulando, nesse processo, a pesquisa e a extensão.

Por fim, a mais recente legislação a respeito da formação de professores no Brasil é a Resolução nº2 de julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e formação continuada para consolidar o projeto de educação nacional brasileira. Determina que os cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento deverão se adaptar a essa Resolução no prazo de dois anos, ou seja, até julho de 2017.

formação inicial e continuada indicam que o professor deve ter uma sólida formação teórica e interdisciplinar, unir teoria e prática, trabalhar de forma coletiva e interdisciplinar. Ainda é apontada a articulação entre graduação e pós-graduação e entre pesquisa e extensão como princípios pedagógicos essenciais ao exercício e aprimoramento do profissional do magistério e da prática educativa.

A esse respeito, Gomes-Santos (2012) aponta que a articulação entre essas instâncias da formação é tema recorrente de discussões sobre os currículos das licenciaturas e das políticas públicas de incremento da educação, pois se observa um desequilíbrio na relação teoria-prática, priorizando-se os aspectos mais teóricos de fundamentos e contextualização do ensino, sem a devida discussão de como colocá-los em funcionamento no cotidiano profissional.

O autor (ibid., p. 155) traz que uma das formas de superar essa dicotomia seria investir no “princípio da flexibilização curricular, que tenta operar na diluição das fronteiras no processo de apropriação interdisciplinar de saberes científicos e do habitus da profissão”, o que seria garantido pela participação em variadas atividades acadêmicas, como oficinas interdisciplinares sobre temas educacionais e profissionais, assim como atividades de pesquisa e extensão, entre outros. Para ele, a flexibilização das fronteiras incide tanto na ordem do uso da linguagem e da reflexão sobre esse uso, pelo acadêmico, quanto na prática docente, pelo estagiário e, complementarmente, nas práticas de pesquisa e extensão.

Nesse sentido, a Resolução Nº 2/2015 propõe que o currículo dos cursos licenciatura seja flexível e amplo, visem à superação de processos formativos tradicionais e propõe uma formação técnica compreendida como prática social que prepare um profissional consciente do seu papel na sociedade. Nessa perspectiva, o currículo é definido como:

o conjunto de valores propício à produção e à socialização de significados no espaço social, que deve contribuir para a construção da identidade sociocultural do educando, dos direitos e deveres do cidadão, do respeito ao bem comum e à democracia, às práticas educativas formais e não formais e à orientação para o trabalho. (BRASIL, 2015, p. 2).

Essa resolução também trata da importância do profissional do magistério e de sua valorização profissional, que seria assegurada pela garantia da formação inicial e continuada, de um plano de carreira e de salário e condições dignas de trabalho.

Considerando-se as proposições legais que norteiam os cursos de licenciatura, pode-se afirmar que se tem o amparo necessário para formar profissionais competentes e aptos a responder às expectativas de uma sociedade em constantes mudanças e que abriga uma grande diversidade social e cultural. Entretanto, na prática, ainda se está muito longe disso, pois a realidade mostra que a maioria dos cursos de formação inicial ainda funciona com currículos estruturados em disciplinas desarticuladas. Assim, a interdisciplinaridade nas universidades ainda é incipiente, a relação entre teoria e prática não permeia o processo formativo com um todo e o diálogo com a escola, como lugar de formação, precisa ser fortalecido e potencializado.

A respeito disso, Peleias, Mendonça e Fazenda (2011) ressaltam que não se pode aceitar o ensino seccionado, no qual disciplinas e professores não se conhecem e não estejam engajados em um projeto comum. Essa questão leva a refletir a respeito do papel do docente formador, da prática do ensino superior e sobre a construção de um Projeto Político Pedagógico que concretize os objetivos da universidade como instituição que produz conhecimento científico e prepara profissionais competentes a serviço da expansão do conhecimento e do desenvolvimento social.

Outra questão é a indissociabilidade entre a pesquisa e a extensão, que, normalmente, se realiza de forma individualizada, de acordo com a área específica de conhecimento de cada professor, nem sempre relacionada à formação para o exercício da docência na educação básica, situação vivenciada pela pesquisadora nos mais de quinze anos de experiência no ensino superior.

Quanto aos professores do ensino básico, o estímulo e as condições para investirem na formação continuada são precários, muitos não têm apoio das escolas, porque não têm quem os substituía na sala de aula, ficando restritos à formação obrigatória determinada pelas instâncias superiores de cada estado.

De forma geral, os documentos oficiais, mais especificamente, o Parecer CNE/CES 492/2001, que propõe as Diretrizes Curriculares de vários cursos, inclusive o de licenciatura em Letras, tratam o educador como o “profissional de Letras”, sem apontar uma especificação funcional dentro de um campo de atribuições específicas ou, profissionalmente falando, uma terminalidade, que o diferencie dos outros educadores, que atuam, por exemplo, na Matemática, Filosofia ou Geografia, desconsiderando que cada área impõe preparo profissional e

competência diferenciados à sua intervenção educativa. Essa situação já foi apontada por Steinhilber (1996), que discutiu a emancipação do profissional de educação física. O autor defende que ser professor não é uma profissão stricto senso, mas uma especificação funcional dentro de um campo de atribuições.

Assim, até hoje, as propostas de formação profissional em Letras, indicadas pela legislação, não delimitaram terminalidades nem sequer mencionam a necessidade de constituir as atribuições específicas do profissional de Letras, o que contribui para lançar ao mercado um profissional amorfo, que carece de um perfil definido de profissional, que lhe proporcione segurança para desenvolver o seu trabalho.