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4 ANÁLISE, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

4.1 RELAÇÃO ENTRE FATORES DE ATRIBUIÇÃO, MEDIAÇÃO E

4.1.2 Nível instrumental: recursos para a intervenção no processo

realizar a sua atividade docente, nas escolas de I.L. e I.F. são usados os livros didáticos disponibilizados pelo governo para todos os alunos. Na escola de I.D., que não recebeu livros, os professores preparam as aulas, e a escola fornece cópias do material para ser usado em aula.

No ensino médio, os alunos têm a disciplina de Seminário de Integração, com o objetivo de que saiam da escola aptos a realizar pesquisas. Para isso, os professores devem prepará-los para usar a internet (e programas úteis como power point) e pesquisar temas que deveriam ser de interesse de todas as disciplinas, pois a proposta é trabalhar de forma interdisciplinar.

Mesmo que haja a determinação e os professores se mostrem preparados para pôr em prática o programa definido pela escola e pelo governo, o processo emperra nos recursos. Os recursos tecnológicos como meio e condição para pôr em prática as ações pedagógicas configuram-se de maneira muito diferente nos dois

contextos de trabalho, uma vez que, enquanto no ensino a distância as professoras encontram condições necessárias e adequadas, no presencial a realidade é desalentadora, pois, mesmo que a escola tenha recursos, eles são insuficientes diante da demanda e do número de alunos ou não funcionam.

l.L.: o ensino a distância por essência utiliza as TICs- em todos os

momentos... já no ensino presencial ... repito... NAS ESCOLAS ONDE TRABALHO isso não é possível pois existem vários fatores que dificultam usar as novas tecnologias... como exemplo... cito a pouca carga horária semanal... apenas um período... o grande número de alunos por turma... a dificuldade e a perda de tempo das aulas para o deslocamento da turma até o laboratório de informática...

I.L.: outro problema são os colegas que resistem a usar todo o tipo de

tecnologia... alguns não tem nem e-mail... não sabem nem ligar o

computador... só usam o livro ou o xerox...

I.D.: no Estado me sinto bem frustrada... o uso da tecnologia é bem

difícil... o máximo que eu consigo é usar música... a internet é horrível... tem vinte computadores mas só funcionam cinco... temos um

período por semana... se quero passar um filme tenho que pedir as aulas dos colegas... no ensino a distância quase não temos problemas... pelas características do curso...

O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) também é um dos fatores contextuais que afetam o desempenho do trabalho do educador. Segundo Coracini (2003), as novas tecnologias invadem a rotina do professor e atravessam os livros didáticos mais recentes de modo que ele não se sente preparado para trabalhar com elas.

Mesmo que ]I.L. ressalte estar falando somente da realidade da sua escola, sugerindo que possa haver outras com melhores condições, há, também, a resistência dos colegas em adaptar-se a essa nova realidade. Somando-se à falta de estrutura da escola, evidente no discurso das educadoras, elas acrescentam que a pouca carga horária destinada ao ensino de línguas estrangeiras na grade curricular só aumenta as dificuldades para pôr em prática o uso dos recursos tecnológicos, levando o educador linguístico a restringir-se ao livro didático, quadro e giz ou material fotocopiado. Essas condições demandam um grande esforço por parte delas para manter a atenção de jovens e adolescentes cada vez mais familiarizados com novas tecnologias, independente da classe social.

É compreensível que o uso das TICs nos dois níveis e sistemas de ensino sejam diferentes, mas não se pode ignorar a relação estreita que há entre eles, pois um prepara para atuar no outro.

Ainda tratando dos recursos, I.F. relata que, quando começou a carreira no ensino médio, já estava atuando no ensino a distância, e usou, como critério para escolher a sua escola, os vários recursos tecnológicos que ela oferecia, porém, viu frustrarem-se as suas expectativas quando começou a trabalhar. Ela percebe que o ensino a distância é diferente porque os recursos, nesse caso, são condição para que se efetivem as práticas de ensino.

I.F.: quando eu escolhi a escola... levei em consideração a infraestrutura... vi que era uma escola diferenciada... salas climatizadas... laboratório informática... lousa digital... só que não podemos usar... não tem técnico

para arrumar... o laboratório também não... pois o programa Linux não é compatível... não tem acessibilidade... num primeiro momento me

pareceu um lugar muito interessante... mas vejo que nada funciona... uso

efetivamente... um rádio ou CD... assistimos filme na lousa... na EAD, os

recurso são ótimos... tudo funciona... diferença está em que na EAD o

aluno precisa ter os recursos para participar e na escola é ela quem tem que oferecer... não depende de mim...

Conforme os relatos, o uso das novas tecnologias, para as informantes, não é problema, pois a experiência na EAD garante a formação que elas necessitam. Contudo, essa não é a realidade de muitos professores, conforme Esteve (1999), os quais resistem ou não acompanham a rápida evolução tecnológica. As professoras demonstram que há uma grande discrepância entre os dois sistemas de ensino em que atuam no diz respeito ao uso de novas tecnologias. Suas manifestações estão em nível de constatação, não demonstram atitude reflexiva em relação às consequências que essa carência traz para o ensino de língua estrangeira no contexto presencial e que as obriga a usar recursos ultrapassados e desinteressantes para os alunos. Além disso, ainda não demonstram perceber que a situação do ensino médio está relacionada com o ensino a distância à medida que elas estão formando professores habilitados a trabalhar com os mais variados recursos tecnológicos, mas que, na escola, provavelmente, não vão conseguir colocar em prática essas habilidades.

Percebe-se que são fortes os indícios de descontentamento e frustração quanto aos recursos disponíveis no ensino presencial, pois existe a demanda, a disposição do professor, mas eles não funcionam. No caso desta pesquisa, a

impossibilidade de usar os recursos tecnológicos interfere diretamente no desempenho adequado do ensino de línguas, que é sua função docente, pois as professoras não conseguem implementar as mudanças metodológicas e pedagógicas exigidas pela sociedade e pelas autoridades educativas.

Para Esteve (1995), esse contexto de pressão que as mudanças sociais exercem sobre o sistema de ensino e, consequentemente, sobre o professor, e às quais ele não consegue responder adequadamente, resultam no mal-estar docente, ou seja, consequências negativa e permanentes que abalam o professor.

É de se esperar sentimentos de desconcerto e frustração, visível na expressão “me sinto frustrada”, que I.D. usou para definir o que sente em relação à impossibilidade de realizar o seu trabalho pela ineficiência dos recursos de que dispõe. Isso é mais significativo quando se considera que é o professor que está na linha de frente, portanto, é para ele que são direcionadas as críticas e a responsabilidade pelas falhas que acontecem.

Outro aspecto importante a ser considerado é que as mudanças nesse sentido não se realizam em curto prazo, portanto, o professor terá que conviver com a situação por muito tempo. Nessa perspectiva, Carlotto (2002) ressalta que, na atividade docente, estão presentes diversos estressores psicossociais, relacionados à natureza de suas funções ou ao contexto institucional e social onde são exercidas. Esses estressores, se persistentes, podem levar à Síndrome de Burnout, que a autora, amparada por Harrison (1999), define como um tipo de estresse persistente, resultado da constante pressão emocional associada com intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo. A partir disso, pode-se inferir que os educadores linguísticos também são sérios candidatos a desenvolver sentimentos negativos em relação a eles mesmos e ao seu trabalho.

Diante dessa situação, há diferentes reações: muitos professores são atingidos emocionalmente e desenvolvem patologias psicológicas e sociais, porém continuam trabalhando; outros reagem positivamente, desenvolvendo o que Picado (2009) denomina de bem-estar docente, ou seja, a motivação e a realização do professor, baseada no desenvolvimento de um conjunto de competências de resiliência e estratégias desenvolvidas para responder às exigências e dificuldades profissionais, superando-as e melhorando o seu desempenho. Há, ainda, os que tomam atitudes extremas, como foi o caso de uma das participantes da pesquisa, que decidiu abandonar a carreira de professora e partir para outra profissão. Ela

relata que, na entrevista do novo emprego, a psicóloga perguntou o motivo da troca de profissão:

I.F.: eu respondi é pela valorização profissional... sobrecarga de

trabalho e a função do professor estar tão complexa... não é só chegar

dar aula e sair... até porque isso não está correto... tem que ter interação... eu sei que tem que trabalhar através de projeto... buscar conteúdos vinculados à realidade... coisas que vão ser necessárias para a vida... para o trabalho... mas não é isso que acontece... por tudo o que está aí...

O discurso da educadora dá indícios de que ela concebe o ensino de línguas estrangeiras como contextualizado, útil para a vida e para o trabalho e que o processo de ensinar e aprender deve ser interativo, consonante com as concepções atuais de ensino de línguas. Ela também revela ter muito claros os motivos que a levaram a desistir de ser educadora linguística, que, em síntese, são o reflexo de uma profissão carente de normatização, salário digno e reconhecimento social.

I.F.: Eu não aceito essa situação... a coordenadora da escola me perguntou se eu ia mesmo sair... eu disse que sim... ela falou que os bons duram pouco.... aí... eu disse eu não sou boa...não estou boa... porque

não estou como gostaria... eu não me sinto feliz... realizada na minha profissão... sinto que não faço o melhor de mim porque estou desmotivada... podada muitas vezes... Tudo isso me motivou a sair...e tem a carga horária também... nessa outra área... com o ensino médio se

trabalha menos e ganha o triplo...

I.F.: hoje... o magistério é uma etapa da minha vida que eu estou

torcendo que acabe logo... não pretendo mais ser professora no Estado... Eu gosto da área de espanhol... pretendo continuar estudando....

quero fazer mestrado em linguística... eu gosto de estudar e aprender... quem sabe um dia.. fazer concurso para uma universidade.... o que eu não

quero é ficar no magistério estadual...

Para I.L., a situação no magistério estadual se tornou insustentável, pois se sente “podada” e “desmotivada”, infeliz com a profissão que escolheu. Pelos motivos que citou, pode-se inferir que o mal-estar docente a levou ao extremo de desistir da carreira de educadora linguística em Letras, mesmo identificando-se com o magistério. Esse tipo de atitude pode ser esperado, pois, conforme declara Esteve (2009), alguns professores demonstram desejo manifesto de abandonar a docência, realizado ou não, e uma gama de emoções negativas como estresse, ansiedade, burnout, depressão e outras emoções que traduzem esse mal-estar.

A informante declara que ainda quer ser professora, que pretende continuar estudando e aponta para a universidade como uma possibilidade futura, como se lá

não houvesse problemas. A partir do que ela não revela, e que Truzi (1991) trata como evidência negativa, pode-se inferir que, no imaginário dela, o professor universitário é alguém que tem mais autonomia, melhores condições de trabalho e melhor remuneração. Embora faça parte do sistema educativo, também pode dar indícios de que ela acredita que haja uma hierarquia entre os profissionais da academia e os do mercado, conforme apontado por Kader (2014), revelando a fragmentação profissional entre uma classe que deveria ser única.

4.1.3 Nível finalístico: monitoramento e controle da atividade linguodidática

Aqui, serão tratados os fatores de controle, responsáveis por monitorar a atividade linguodidática em termos de resultados esperados e obtidos com vistas à manutenção, ao ajuste ou a mudanças das estratégias de intervenção, caso seja necessário, e a percepção das professoras a respeito de como percebem os resultados do seu trabalho na promoção da competência comunicativa em língua estrangeira a atividade-fim para a qual foram licenciadas. Para tanto, considera-se que, no ensino médio, o objetivo é a competência comunicativa e no ensino a distância, além da competência comunicativa, elas devem preparar os graduandos para ensinar a língua estrangeira.

Duas das informantes, I.L. e I.D., referiram-se aos resultados do seu trabalho na EAD com insegurança: elas têm dúvidas se os graduandos saem realmente proficientes e aptos para ensinar a língua estrangeira. Também ressaltam a postura do aluno e a sua responsabilidade no processo educativo como aspecto fundamental de sucesso na aprendizagem.

I.L.: tenho dúvidas... principalmente em relação à oralidade...

I.D.: às vezes fico na dúvida... mas também depende muito do aluno... agora estou trabalhando com uma tutora que foi minha aluna... ela é ÓTIMA...

I.F.: o nosso curso está bem estruturado e muitos alunos já foram

aprovados em concurso... para mim é igual ao presencial.... depende também muito do aluno...

Elas também demonstram entender que, para o bom andamento da sua atividade de educadoras linguísticas, é necessário que os alunos se comprometam, façam a parte deles, como em qualquer outra profissão, em que os papéis de cada