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4 ANÁLISE, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

4.2 RELAÇÃO ENTRE OS FATORES DE ATRIBUIÇÃO, MEDIAÇÃO E

4.2.2 Nível procedimental: intervenções especializadas no processo

professoras se mostram sensíveis à demanda dos alunos, demostrando interesse em mantê-los atentos e comprometidos com as atividades, tentando equalizar a

questão dos recursos tecnológicos insuficientes ou inadequados. Pode-se inferir que mudam as técnicas e até o ambiente de trabalho na tentativa de agradar aos alunos e fazer com que aula seja atrativa, os alunos gostem, porém, perde-se de vista a sua atividade-fim, a competência comunicativa.

Nesse aspecto, não há articulação entre a intervenção profissional e as expectativas de resultado ou benefícios a serem alcançados pelos alunos, conforme aponta Richter (2010), pois elas se apagam tanto do horizonte do aluno como do próprio professor. Essa situação é ainda mais visível se comparada com outras profissões, regulamentadas e regidas normativamente, como advogados, médicos, dentistas, nas quais o foco não é agradar o cliente na perspectiva de fazer com que ele goste, mas prestar o serviço para o qual foi contratado com um fim determinado a partir de sua qualificação profissional, que deverá trazer benefícios ao cliente. Para o profissional das Letras, a prestação de serviço deveria ser a promoção e a aquisição da competência comunicativa em língua materna ou estrangeira, e não a “satisfação” do aluno com atividades didáticas propostas como ludicidade disfarçada, sem um senso de finalismo subentendido.

A concepção de que o professor deve agradar o aluno também permeia o imaginário deste, ao ponto de se recusar a fazer uma atividade porque não gostou, ou seja, o benefício que se espera resultar da atividade em certo prazo não é o mais importante. Ainda mais, essa atitude discente se mostra fortemente impregnada do discurso do déficit, tratado em Richter (2010), que desqualifica e mesmo repudia a atividade docente, questionando a competência do profissional.

I.L.: na aula dei uma atividade... a aluna disse que não ia fazer porque

não gostou... e disse que eu tinha que dar outra... FIQUEI FURIOSA... É

MUITO ABUSADA...

Nessa situação, a informante I.L, se mostra indignada (“fiquei furiosa”), mesmo porque é impossível (e, na verdade, descabido) agradar seus mais de 400 alunos. Apesar de não explicitar no discurso, é provável que a sua indignação se deva ao fato de a aluna não perceber a importância da atividade proposta. A educadora deve ter pensado e se preparado com o objetivo de promover a aprendizagem, ou seja, houve quebra de expectativas dos dois lados e um conflito instaurado.

Dessa forma, conforme aponta Richter (2010), há uma desarticulação entre os fins e os meios: estes degeneram para a gratificação imediatista ─ que se acha completamente ausente nas atividades educativas ou paraeducativas emancipadas. Por exemplo, uma psicóloga que vai analisar e tratar uma criança-problema diz a esta, logo na primeira entrevista, que não pode estragar nenhum brinquedo ou qualquer outro objeto pertencente ao consultório. Já para a licenciatura alopoiéica, infelizmente, a atividade didática situacional e pseudoconceitualmente alimenta a expectativa (frequentemente mútua) de gratificar o aluno. O professor é considerado bom se o aluno gosta das aulas. Não se questiona se o serviço que prestou trouxe avanços para o aluno.

Quanto ao uso das novas tecnologias, para as informantes, não se configura como um problema, conforme aponta a informante I.D., pois a experiência na EAD garante a formação nesse aspecto. Ressalta-se a diferença entre os dois contextos de ensino e o atraso da escola, que não acompanha o avanço tecnológico. Isso gera na educadora um “incômodo” que ela tenta resolver por meio de várias alternativas. Se, para a maioria dos professores, a destreza no uso das novas tecnologias é um fator contextual, como citado por Esteve (1995), que afeta os educadores, para as informantes, o problema é outro: sabem usar, mas não têm as condições necessárias para implementá-lo.

I.D.: chega ao ponto de eu levar material no meu computador e os alunos tirarem foto com o celular e levar para casa para montar um trabalho na disciplina de Seminário... que é justamente para ensinar o aluno a pesquisar... isso me incomoda muito... pois o aluno hoje domina computador... celular... aula expositiva... não funciona... eles não querem

ficar copiando do quadro... uso textos do interesse deles... mas quando é cansativo... mudo o ambiente... levo para o pátio... trabalho em dupla... grupos... uso outras metodologias... se não... tu fica lá... só quadro e caderno...

I.D.: no ensino a distância quase não temos problemas... pelas

características do curso... temos tudo o que precisamos... usamos várias tecnologias... e os alunos na sua maioria usam... o uso das

tecnologias para mim é tranquilo...

Ainda tratando-se do uso das tecnologias na escola, a informante I.F. demonstra a sua insatisfação com a atitude extrema da escola de proibir o uso do celular em todas as suas dependências, pois, antes, a restrição era só em sala de aula. A decisão veio da administração sem sequer ser discutida entre professores e

alunos, perdendo-se uma oportunidade de refletir e criar normas de uso do celular na escola, e também como uma das formas de contribuir para alcançar a competência comunicativa na língua-alvo.

I.F.: eu gostaria de usar o celular... que todos eles têm... mas existe uma lei estadual que diz que não se pode usar o celular em sala de aula... antes

a escola tinha wifi... mas os alunos usam para acessar o face... então foi tirado...

Mais impressionante é a interferência no desenvolvimento de atividades na sala de aula, sem ao menos conversar com o professor sobre os motivos que o levaram a propor essa atividade. O desconhecimento das normas, que não pareciam ser claras para todos os professores, como já discutido, é característico da atividade docente não regulamentada, que não define claramente as atribuições e, assim, desautoriza o educador e o expõe de forma constrangedora diante dos alunos e dos próprios pares.

I.F.: semana passada... tínhamos três períodos... estávamos

trabalhando com alimentos... propus um trabalho diferente... eles teriam que trazer lanche de casa... porém alguns foram pedir para sair e

comprar na frente da escola e não foram autorizados.. fui chamada na

secretaria para explicar... pois os alunos não podem comer na aula... eu nunca fui avisada sobre isso... na hora do recreio já tinha um comunicado no mural da sala dos professores avisando que os alunos não podem comer na sala de aula... eu pensei... é para mim...

Essas situações dificultam a construção de uma identidade profissional, tratada por González-Rey (1997) ao referir-se ao conhecimento procedural, no qual o professor constrói o seu estilo pessoal sem contrapor-se ao saber coletivo. Isso coloca em xeque a sua competência enquanto profissional no desempenho do seu trabalho, trazendo desencanto e decepção, afetando profundamente a sua autoestima. Se a I.F. já demonstrava descontentamento, esse fato foi mais um motivo para concluir que não deseja mais essa situação e representa mais um dos motivos que a levou a desistir do magistério.

4.2.3 Nível monitor: avaliações e seus critérios no trabalho linguodidático