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4 ANÁLISE, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

4.1 RELAÇÃO ENTRE FATORES DE ATRIBUIÇÃO, MEDIAÇÃO E

4.1.3 Nível finalístico: monitoramento e controle da atividade

como evidência negativa, pode-se inferir que, no imaginário dela, o professor universitário é alguém que tem mais autonomia, melhores condições de trabalho e melhor remuneração. Embora faça parte do sistema educativo, também pode dar indícios de que ela acredita que haja uma hierarquia entre os profissionais da academia e os do mercado, conforme apontado por Kader (2014), revelando a fragmentação profissional entre uma classe que deveria ser única.

4.1.3 Nível finalístico: monitoramento e controle da atividade linguodidática

Aqui, serão tratados os fatores de controle, responsáveis por monitorar a atividade linguodidática em termos de resultados esperados e obtidos com vistas à manutenção, ao ajuste ou a mudanças das estratégias de intervenção, caso seja necessário, e a percepção das professoras a respeito de como percebem os resultados do seu trabalho na promoção da competência comunicativa em língua estrangeira a atividade-fim para a qual foram licenciadas. Para tanto, considera-se que, no ensino médio, o objetivo é a competência comunicativa e no ensino a distância, além da competência comunicativa, elas devem preparar os graduandos para ensinar a língua estrangeira.

Duas das informantes, I.L. e I.D., referiram-se aos resultados do seu trabalho na EAD com insegurança: elas têm dúvidas se os graduandos saem realmente proficientes e aptos para ensinar a língua estrangeira. Também ressaltam a postura do aluno e a sua responsabilidade no processo educativo como aspecto fundamental de sucesso na aprendizagem.

I.L.: tenho dúvidas... principalmente em relação à oralidade...

I.D.: às vezes fico na dúvida... mas também depende muito do aluno... agora estou trabalhando com uma tutora que foi minha aluna... ela é ÓTIMA...

I.F.: o nosso curso está bem estruturado e muitos alunos já foram

aprovados em concurso... para mim é igual ao presencial.... depende também muito do aluno...

Elas também demonstram entender que, para o bom andamento da sua atividade de educadoras linguísticas, é necessário que os alunos se comprometam, façam a parte deles, como em qualquer outra profissão, em que os papéis de cada

um devem estar bem determinados, como na Medicina: de nada vale consultar o médico se o paciente não segue as suas orientações, como mencionado em Richter (2008). A diferença está no fato de que, se o paciente não melhora, a culpa é dele, que não seguiu as prescrições de quem tem autoridade para fazê-las, no entanto, com os professores, geralmente, ocorre o contrário, dificilmente se questiona a responsabilidade do aluno. Apesar de não se posicionarem com autoridade e segurança sobre o trabalho que desenvolvem, pelo menos, as educadoras demonstram que deve haver reciprocidade nesse processo.

Quanto ao ensino presencial, a situação é mais preocupante, pois duas das três professoras avaliam enfaticamente que os alunos vão sair sem saber nada. Tais sentimentos foram expressos por meio das expressões “fico apavorada” e “me choquei”, porém, as docentes não relacionam esse fato com o resultado do seu trabalho de educador linguístico. Elas parecem assumir o discurso externo, que alega que o sistema de ensino e o professor são deficitários, conforme tratado em Esteve (1995), não correspondendo às expectativas depositadas neles.

I.L.: eu fico apavorada de ver que eles não sabem nada... escrevem tudo errado... eles vão sair do ensino médio sem saber NADA...

I.D.: eles vão sair do ensino médio sem saber NADA... me choquei quando um aluno do terceiro ano não sabia o que era “respectivamente”...

Outro aspecto levantado pelas informantes é a inter-relação entre as disciplinas, que elas consideram inexistente. A proposta de trabalhar de forma interdisciplinar não se efetiva, pois, mesmo que haja determinação e a escola promova as reuniões de estudo propostas pelo Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, na prática, os professores continuam com a mesma conduta de sempre: o ensino fragmentado em disciplinas isoladas. Logo, a simples reflexão não vem modificando a sua prática ─ constatação já feita por Richter (2005), para quem somente quando a cognição, a ação e a afetividade caminham juntas e convergem é possível construir solidamente a formação profissional. A formação continuada não consiste meramente em “ser reflexivo”, em “um pensar-sobre” que a burocracia escolar em uma ou outra ocasião exige; ao contrário, supõe um envolvimento holístico, ou seja, a simultânea mobilização pessoal do pensar, do fazer e do sentir. Envolve identificação e apropriação visceral de um papel e de um lugar

sociodiscursivo, resultando que o educador linguístico tenha desejo de aperfeiçoar- se profissionalmente e assuma a responsabilidade por esse esforço. Assim, não basta refletir para “mudar o discurso” (o que pode ser uma atitude defensiva de fachada para aquietar os administradores, levando-os a ouvirem o que querem ouvir); é necessário comprometer-se a vivenciar novas práticas que efetivamente o levarão a modificar as concepções e os valores já arraigados. Nessa perspectiva, as transformações ocorrem a partir da mudança do comportamento e não do discurso. Segundo a THA, é a mudança da prática profissional (para uma direção paradigmaticamente constante, no enquadramento) que irá se manifestar, com o tempo, nas mudanças no discurso e nos valores que norteiam as tomadas de decisão:

I.L.: eu trabalho com Seminário Integrado que é para unir as áreas... eu

trabalhei o ano todo sozinha... eu tinha três turmas e trabalhei sozinha...

tem colega que dá a mesma aula há quinze anos... não quer mudar... I.D.: O Pacto10 seria um curso bom... teria que fazer atividades individuais e coletivas.... com o português até conseguimos... mas o problema é que tem colegas que ... não sabem o que é interdisciplinaridade.... não sabem o que compõe... como tem que fazer... isso é um sonho está muito longe da

realidade...

Ainda que se percebam atitudes isoladas na tentativa de qualificar a sua atividade por parte de alguns educadores linguísticos, por meio de novas propostas, aquelas nem sempre contam com a reciprocidade dos colegas. Essa atitude isolacionista pode ser explicada pelo desencanto com a profissão, falta de valorização e reconhecimento, dificuldade em investir na própria formação, além da acomodação ─ atitude esta não resiliente, que Ojeda (2005) define como fatalismo, por o envolvido acreditar que não é capaz de mudar a situação. Tais sentimentos ainda podem ser associados ao discurso do déficit (RICHTER, 2010) ou da falta (PFEIFER, 2003), que atribuem isoladamente ao professor, a responsabilidade pelo sucesso da atividade educativa.

10 O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013, representa a articulação e a coordenação de ações e estratégias entre a União e os governos estaduais e distrital na formulação e implantação de políticas para elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro em suas diferentes modalidades, orientado pela perspectiva de inclusão de todos que a ele têm direito.

Apenas uma das informantes apresentou reação de defesa em relação a comentários externos sobre o seu trabalho, sua atribuição de educadora no ensino a distância, reagindo contra o discurso do déficit, imposto pelo discurso externo.

I.D.: sobre o ensino a distância já vi comentários depreciativos... e eu

defendi... a pessoa que faz o curso a distância também aprende... ela

tem que estudar bastante sozinha... e se faz prova... na sociedade em geral as pessoas ainda acham que não são profissionais tão qualificados... (professores formados pela EAD).

O discurso do déficit, que, conforme Richter (2010), por sua pressão exógena dificulta às profissões não regulamentadas administrarem sua complexidade, influencia profissões como a do profissional de Letras, pertencentes a campos profissionais ainda alopoiéticos como o do ensino. Esse discurso que, como já dissemos, desmerece a atividade docente e pode levar os profissionais a desenvolver sentimentos de fracasso, tem suas origens na relação alopoiética complementar entre sistemas reguladores que tentam impor suas formas discursivas em termos de normas e comportamentos a sistemas regulados, que não apresentam normas claras para orientar as ações dos indivíduos que adotam o respectivo papel. Esse mecanismo de produção sistêmica de sentido leva os profissionais determinados alopoieticamente a internalizarem os discursos externos ao sistema e tornarem-se alvo de expectativas cognitivas do leigo e do próprio profissional. Na presente pesquisa, porém, a informante I.D. não aceita passivamente essas manifestações, pois realmente é difícil compreender que se pense que um acadêmico frequente quatro anos de academia e não aprenda ou saia despreparado para exercer o seu trabalho ─ essa perspectiva contraditória é mais uma das múltiplas formas de desqualificar o seu trabalho.

Ao se relacionarem os três fatores, atribuição, mediação e controle, e os níveis de práticas exercitivas, recursos e fatores de controle, pode-se inferir que o discurso das licenciadas é permeado por evidências de uma significativa fragmentação no que se refere à construção de uma identidade consistente de educador linguístico, que tem como fim desenvolver a competência comunicativa em língua estrangeira e formar novos professores. Até esse momento, elas se referem a sua atividade como “ensinar”, sem referir-se claramente ao que devem ensinar.

A fragmentação se reflete também no uso dos recursos tecnológicos nos dois contextos de trabalho, pois, no ensino a distância, encontram todo o suporte

necessário e, no presencial, a carência é tanta, que, praticamente, inviabiliza o uso desses recursos. É mais evidente no último nível, de controle atribucional, ou seja, o controle sobre a sua própria prática, quase inexiste em termos de promover aquisição e competência linguística na língua estrangeira, seu objeto de trabalho, pois as professoras constatam que os alunos vão concluir o ensino médio sem a formação necessária. Nesse aspecto, somente uma delas se posiciona defendendo o resultado do próprio trabalho na EAD, acreditando que os licenciados vão sair preparados para exercer a profissão.

Assim, há um profissional que deveria ser reconhecido como especializado, porém, não é o que se verifica no discurso das educadoras, visto que há grande distanciamento entre a demanda social, ou o que se exige delas como profissionais, e as suas reais atribuições como educadoras linguísticas. Nessa fase mais exploratória da pesquisa, tais exigências e atribuições nem para elas estão bem definidas. Os artefatos tecnológicos usados como meios ou recursos de intervenção no processo educativo, e, aqui, tratados exclusivamente de recursos tecnológicos, são ineficientes e ultrapassados, especificamente no ensino médio.

A falta de uma definição clara de atribuições impossibilita que as educadoras estabeleçam as finalidades e detenham o controle do processo educativo, tornando- se espectadoras praticamente impotentes desse processo.

4.2 RELAÇÃO ENTRE OS FATORES DE ATRIBUIÇÃO, MEDIAÇÃO E CONTROLE