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3 METODOLOGIA

3.3 PARADIGMA INDICIÁRIO

O paradigma indiciário é um modelo de investigação de caráter qualitativo, no qual o investigador preocupa-se com os detalhes, com o particular, com sinais que podem revelar pistas que podem levar à formulação de hipóteses para explicar ou compreender determinados acontecimentos. Para Ginzburg (2003), esse processo de conhecer os fatos de forma empírica e intuitiva se desenvolveu em várias práticas desde os tempos pré-históricos e pode ser usado, também, como paradigma para as Ciências Humanas, portanto, é adequado para a análise de depoimentos na área da Educação e da Linguística. Em seus estudos, o autor analisa as práticas de um caçador, um sacerdote religioso, um médico, um detetive e um crítico de arte, estabelecendo comparações entre os métodos de pesquisa que cada um utiliza nas suas atividades e percebe que todos utilizam um método semelhante ao do médico, ou seja, descobrem o problema por meio dos sintomas.

Conforme Ginzburg (2003), na investigação médica, segue-se o método clínico: os médicos observam indícios, detalhes, diferenças entre o que se considera normal e desenvolvem raciocínios generalizantes para chegar à raiz do problema. Nem sempre seguem a indução pura, sendo que, muitas vezes, partem de observações de particularidades. Identificando os sintomas, baseiam-se no conhecimento científico já comprovado, na sua experiência e na de outros especialistas para construir um diagnóstico e identificar as causas dos sintomas apresentados. Essa forma de proceder do médico, a partir dos indícios e sintomas, foi apontada como um método de pesquisa nas Ciências Humanas, mais especificamente na História, denominado, pelo autor, de “Paradigma Indiciário”.

Na concepção de Ginzburg (2003), nesse paradigma, o pesquisador descreve o que vê, o que percebe, que pode ser um detalhe que lhe chame a atenção, pequenas diferenças que são, muitas vezes, negligenciadas por parecerem insignificantes, só possíveis de serem estudados a partir de uma pesquisa qualitativa.

De acordo com Ginzburg (1989), o paradigma indiciário surgiu no final do século XIX, no campo das Ciências Humanas, demonstrando como as diferentes áreas da ciência usavam a análise qualitativa baseada na observação de detalhes. Na pintura, por exemplo, o italiano Giovanni Morelli, para descobrir a verdadeira autoria de um quadro ou a sua originalidade, defendia que o importante era

examinar os detalhes mais negligenciáveis e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia, como as orelhas, as unhas, os dedos dos pés e das mãos, e não as características mais vistosas, mais fáceis de serem imitadas. Na literatura, o investigador Sherlock Holmes, personagem criado por Arthur Conan Doyle, apresentava uma grande perícia em desvendar seus casos, baseada em indícios imperceptíveis para a maioria das pessoas, mas essencial para a resolução do caso. Na Psicanálise, Freud usou a análise dos sonhos para explicar as causas dos problemas de seus pacientes e, comprovadamente, teria sofrido influência do método de Morelli.

Segundo Ginzburg (2003, p. 151), os signos pictóricos, para Morelli, os indícios, para Holmes (Conan Doyle), e os sintomas, para Freud, são pistas capazes de captar uma realidade mais profunda que, de outra forma, seria inatingível. O ponto em comum entre os três é a formação em Medicina, “que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo”.

Nesse sentido, o paradigma indiciário propicia a investigação de fatos que possam levar à formulação de hipóteses as quais, segundo Peirce, citado por Sebeok e Umiker-Sebeok (1991), podem ser construídas a partir de três tipos de raciocínio: abdução, dedução, indução. Na verdade, a abdução é “meramente preparatória”, consistindo, então, no processo de adotar uma hipótese que parece conduzir à predição daquilo que seriam fatos surpreendentes. Realizar uma abdução é tentar expressar algo que se vê, pois, na verdade, todo o edifício do conhecimento é uma estrutura emaranhada de puras hipóteses, que serão confirmadas e refinadas pela indução, e o conhecimento somente avança além do estágio do simples olhar, se houver também, a cada passo, uma abdução.

Conforme Sebeok e Umiker-Sebeok (1991, p. 23), embasados em Peirce, a abdução é o ponto de partida para o raciocínio científico, argumento que dá início a uma nova ideia, “é um instinto que confia na percepção inconsciente das conexões entre os aspectos do mundo, ou usando um outro conjunto de termos, é a comunicação subliminar de mensagens”. Não obstante, o autor afirma que, embora todo o conhecimento novo surja de conjecturas, elas são inúteis se não forem averiguadas. A dedução é o processo pelo qual se investigam as consequências prováveis e necessárias relacionadas à hipótese; já a indução é o procedimento de testar, experimentalmente, a hipótese.

Sherlock (Conan Doyle) ressalta as qualidades que deve ter o detetive ideal, o conhecimento, ou seja, ele deve munir-se de um vasto espectro de informações potencialmente relevantes; a observação, que deve ser arguta, aberta e receptiva para os dados, sem preconceitos, porém, enfatiza que o importante é observar aquilo que os outros apenas veem; por último, a dedução, que implica raciocinar a partir de um conjunto de eventos em direção às suas consequências, tipo de raciocínio que Shelock chama de “sintético” ou, retrospectivamente, dos resultados para as causas, em um raciocínio “analítico” (TRUZZI, 1991).

Outro fator importante a ser considerado na análise de hipóteses, geradas pelo paradigma indiciário, como observa Truzzi (1991), é a evidência negativa ou a ausência de fatos ou eventos, que é encarada como altamente significante para Holmes, pois é exatamente o fato de não acontecer nada, quando deveria, é que torna isso relevante.

Um questionamento que pode surgir em relação ao Paradigma Indiciário enquanto método de investigação e análise Linguística é sobre o seu rigor científico. Quanto a esse aspecto, Ginzburg (1989, p. 178) argumenta que não há dúvida de que, nas áreas de conhecimento em que a unicidade e o caráter insubstituível dos dados são decisivos, esse paradigma de investigação não é adequado, no entanto, há formas de saber que são tendencialmente mudas no sentido de que suas regras não se prestam a ser formalizadas nem ditas, como explicar sentimentos, preferências, atitudes e comportamentos. Assim, para Ginzburg (2003, p. 179), “ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes”. Nessas áreas de conhecimento, entram em jogo elementos imponderáveis, como a intuição. Nesses casos, o rigor flexível do Paradigma Indiciário mostra-se ilimitado.

Dessa forma, a análise dos dados desta pesquisa tomou como base os indícios presentes no discurso das professoras na busca de construir o seu perfil profissional, tendo como referência os fatores de parametrização da atividade profissional docente propostos na THA – Versão 4.3, de Richter (2013, 2015), que se dividem em: 1- Fatores de Atribuição, relacionados ao papel profissional, que abarca as práticas constitutivas, articulativas e exercitivas; 2- Fatores de Mediação, que se referem à prática profissional e consideram três aspectos: os conceitos, os procedimentos e os recursos; 3- Fatores de Controle, que tratam da qualidade profissional, sendo subdivididos em controle sobre o controle, controle mediacional e

controle atribucional. Além disso, a análise pretende evidenciar os recursos discursivos que permeiam a representação profissional das professoras, mais bem especificados no Capítulo 2.

Em síntese, a análise pretendeu mostrar como a pesquisadora e as educadoras linguísticas percebem papéis e expectativas, conceitos e práticas envolvidos na docência, referentes aos dois contextos em que atuam e em que medida eles se modificam ou se tornam mais complexos a partir das interações realizadas no decorrer da pesquisa.