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A formação doutrinária

No documento ismaeldevasconcelosferreira (páginas 83-91)

BREVE HISTÓRIA DA VIDA PENTECOSTAL

2.3 A formação doutrinária

“O nosso pastor procurou nos doutrinar, ensinar e educar. Às vezes, quando ele estava pregando, um irmão levantava lá e dizia ‘Eis que eu te digo!’, interrompendo a mensagem. Nosso pastor então repreendia, dizendo: ‘Ô, irmão! Se Deus está falando aqui, como é que ele está falando aí?’” (Saulo)

“No dia até que eu aceitei Jesus, tomei a decisão, eu ouvi uma voz que falou muito nítida no meu ouvido: ‘Agora você é crente! Então você leia a bíblia!’” (Onésimo) “Antigamente Deus trabalhava mais, operava mais. Por quê? Porque tinha mais santidade no povo.” (Ana)

Uma das funções da religião é nos proteger da experiência religiosa. Assim é porque, na religião formal, tudo é concretizado e formulado. (…) Religiões repletas de ornatos e minúcias nos protegem de uma experiência mística explosiva que seria excessiva para nós. (JUNG apud CAMPBELL, 2002, p. 26)

Em todas as afirmativas confessionais, sejam elas de natureza litúrgica, teológica ou ética, é necessário que esteja bem manifesto que elas não tenham validade última nem incondicional. A sua função é, isto sim, indicar o valor último e o incondicional que a todas transcende. (TILLICH, 1974, p. 23)

A formação mítica, discutida anteriormente, desemboca necessariamente em outra formação que será essencial à constituição física e existencial do crente. Tendo se convertido em uma religião, e esta pentecostal, o crente agora terá à sua disposição uma série de conteúdos doutrinários considerados suficientes, pela instituição, para seu amparo existencial e para o estabelecimento de sua nova identidade.

Nos relatos apresentados no subitem anterior, apresentei a base da formação doutrinária do crente pentecostal. Grosso modo, ela seria suficiente para sustentar o fiel nesta nova confissão religiosa, não fosse a interpelação da dinâmica da fé que requer, cada vez mais, conteúdos satisfatórios para manter a incondicionalidade dessa nova experiência de sentido último.

Contudo, por ser ambígua, essa experiência ressalta muito significativamente sua condicionalidade, pois demanda de conteúdos provisórios tomados de uma tradição religiosa que julga ser exclusiva e única detentora do divino. Aqui surge a relevante questão sobre a atuação institucional na formação do caráter ético e moral do crente. Tendo passado por um processo de conversão onde foi sentindo sua vida ser mudada sistematicamente, o fim desse processo encontra-se na própria religião institucionalizada que lhe proporcionou as primeiras

experiências que lhe levaram a estar agora nessa nova situação. O crente seria, portanto, o resultado do trabalho iniciado pela experiência religiosa que lhe permitiu ter acesso a conteúdos míticos, que deram conta de preencher seu vazio existencial, e que agora são complementados com outros conteúdos (doutrinários) que darão forma à sua experiência primordial.

Ninian Smart chama esses conteúdos de “teologia” e prossegue, defendendo que ela seria “uma tentativa de introduzir organização e poder intelectual naquilo que é encontrado de forma menos explícita no depósito da revelação ou na mitologia tradicional de uma religião79

(SMART, 1981, p. 18; tradução minha), corroborando com a citação de Jung, citado por Joseph Campbell, disposta no início deste subitem. Aquela “religião formal, (…) repleta de ornatos e minúcias” trata-se do que agora move o crente, compondo suas convicções mais profundas e constitutivas, pretendendo ser incondicional, mas, de acordo com o instrumento teórico que utilizo nesta argumentação, essencial e formalmente condicionada, inibindo, inclusive, seu questionamento crítico e reflexivo.

Neste sentido, a formação doutrinária do crente reduz sua experiência a uma variedade sistemática de doutrinas que inibem a potência, a vitalidade e a autotranscendência necessárias à dinâmica da fé (TILLICH, 1973), mas fazendo-o crer que esta seria a dinâmica correta, haja vista permitir uma firme e concreta certeza, não havendo espaços para dúvidas e questionamentos sobre sua motivação incondicional, bastante discutida e esclarecida pela religião, neste caso, condicional.

As entrevistas que realizei foram significativas e permitiram as constatações teóricas descritas. A formação de “discípulos” é uma constante no cotidiano da vida pentecostal. Já nas primeiras experiências do crente está implícita a necessidade de apreender (e aprender) um conteúdo doutrinário que marcará cada momento de sua vida. Neste caso, a própria “conversão” reduz-se a um aprendizado doutrinário quando é posta como condição necessária para o “aceitar a Jesus”, enquanto momento ritual do culto, devendo seguir alguns passos já predeterminados (concretizados e formulados) pela tradição religiosa, quais sejam: levantar a mão, ir à frente, receber uma oração, ter anotado seu nome e a data em que se converteu etc.

A justificativa para esta formação discipular vem da trajetória histórica e mítica que marcou o início da tradição religiosa que agora ampara o crente, e está diretamente associada à imagem de um líder fundador. De forma macro, a história do pentecostalismo no Brasil passa necessariamente pela experiência de seus primeiros fundadores, notadamente os

79 “Theology is an attempt to introduce organization and intellectual power into what is found in less explicit

missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg que se notabilizaram ao fundar, no início do século XX, as Assembleias de Deus, em Belém-PA80. As experiências vividas por esses missionários foram (e ainda são) marcantes no desenvolvimento doutrinário desta instituição, assumindo atualmente um caráter mítico, já que todo crente é instado a buscar as mesmas experiências extáticas que viveram aqueles fundadores, principalmente o “batismo com o Espírito Santo”, algo característico do pentecostalismo clássico brasileiro.

Em uma perspectiva micro, temos o relato do entrevistado Saulo que ressalta “a visão que Deus deu ao [seu] pastor presidente”. É a partir dessa “visão” que os crentes devem agir em sua denominação, considerando também que é o pastor quem tem a “autoridade dada por Deus” para “liderar, conduzir e, se preciso for, disciplinar e corrigir o rebanho”, conforme ressaltou em seu depoimento. Assim, a voz do pastor deve ser ouvida e suas demandas atendidas, já que “é o homem da visão”, mencionando as palavras de Saulo, algo como alguém com quem Deus falou diretamente, tornando-se, portanto, seu legítimo representante. Este seria, em termos weberianos, o líder carismático responsável por dar sequência a uma experiência fundante já rotinizada (WEBER, 1999). Contudo, para o crente, trata-se do “pastor”, no sentido mais próprio da palavra, ou seja, “aquele que cuida das ‘ovelhas’, que as alimenta e as guia por um caminho seguro e tranquilo, sendo capaz de dar sua vida por elas”, reproduzindo a narrativa bíblica conhecida dos cristãos em que Jesus se assume como o “bom pastor, aquele que dá a sua vida pelas ovelhas” (João, capítulo 10 e versículo 11).

Nesta perspectiva, não seria inapropriado constatar que “quando Deus fala, fala principalmente através do pastor”, não sendo possível verificar quando um ou outro falam. O fato é que, para evitar outras construções doutrinárias estranhas, a voz do pastor é unânime, como no excerto do depoimento do entrevistado Saulo no início deste subitem. A ressalva, neste sentido, é que no momento da pregação, não é só o pastor quem está falando, mas Deus. Assim, mesmo outro emissário teria, em tese, a mesma autoridade.

O que perpassa toda essa dinâmica é a produção de um conteúdo doutrinário (teológico) que norteará o crente praticamente em toda sua forma de viver (religiosa ou comum). A forma como esses conteúdos são elaborados segue o princípio de que “é Deus quem assim ordena”. E se é assim, “não cabem questionamentos, basta à ovelha obedecer”, ainda de acordo com o entrevistado Saulo.

Aqui, discípulo e ovelha seriam a mesma coisa. Ambos devem seguir o mestre/pastor e aprender/se alimentar do que lhe é dado, crendo que se trata do ensinamento/alimento mais

80 Na mesma época surge no país a Congregação Cristã no Brasil, fundada por Luigi Francescon. Contudo, em

adequado e garantido à sua sobrevivência. A princípio não há necessidade de provas que comprovem a eficácia desta dinâmica, já que o discípulo/a ovelha é movido pela fé. A busca por evidências que comprovem esta dinâmica implicaria exatamente em uma ausência de fé, algo que não é valorizado na vida pentecostal.

Contudo, esta busca por evidências pode estar travestida do que se conhece nesta tradição religiosa como “discipulado”. O entrevistado Saulo informou que, em sua denominação, “todos os membros têm uma base fundamental, tipo assim, o ‘be-a-bá’ daquilo que eles devem saber, uma plataforma e um fundamento, um alicerce”. Neste discipulado constam os “rudimentos da fé”, ou seja, aquilo de mais essencial que o crente deve saber acerca de sua nova vida e que foi sistematizado tendo como base a visão doutrinária da instituição. Assim, perguntas sobre a fé agora professada devem ser respondidas (e por vezes feitas) considerando o que já está sistematizado pela religião.

Isto, além de nivelar o conhecimento religioso dos crentes, proporciona uma identidade para a denominação e uma forma de controle institucional das experiências dos seus membros. Neste caso, uma vez aderindo a uma determinada instituição religiosa, é como se houvesse a cessão dos direitos da experiência religiosa a esta instituição. Comparando este momento com aquele da conversão, discutido no início deste capítulo, percebemos a redução da experiência religiosa a uma condicionalidade característica da religião institucional, mas com pretensões incondicionais, já que neste âmbito religioso, a própria instituição torna-se um fim em si mesma, algo promovido e defendido pelo discipulado.

A bíblia tem um significado muito considerável neste processo de aprendizado para a vida pentecostal, pois trata-se da própria “palavra de Deus”, conforme especificou a entrevistada Dorcas. Sua centralidade deve ser motivada e praticada pelo crente que crê constar nela “a própria vontade de Deus, o que Deus tem pra sua vida”, ainda citando Dorcas. Por isso que o passo inicial do processo de discipulado começa pelo entendimento acerca do que a bíblia ensina sobre os temas que embasam a religião. A hermenêutica empregada pode ser entendida como resultado de uma interpretação literal, porém relativa, do texto bíblico. É literal quando busca satisfazer determinadas posições doutrinárias como o batismo nas águas, por exemplo, que nesta tradição deve ser realizado obrigatoriamente mergulhando-se o fiel em um tanque, piscina ou rio, a exemplo de Jesus que teria sido mergulhado por João Batista. Mas torna-se relativa quando analisa a guarda do sábado, transferindo-a para o domingo, que é “o dia do senhor”, só para citar estes dois casos específicos frutos das entrevistas e observações feitas.

Como temas principais da bíblia, o crente considera o próprio Deus e Jesus. De acordo com o entrevistado Estevão, “não tem como uma pessoa falar que conhece a Deus, a Jesus, se ela não ler a bíblia”. Em minha análise, uma coisa estaria condicionada a outra. De fato, o texto bíblico está composto de narrativas míticas que dão conta de uma experiência humana com um ser divino, reconhecido como “Deus” e que encarnou em uma figura humana, conhecida como “Jesus Cristo”. O crente, quando em contato com este texto, busca pautar e entender suas experiências a partir delas, mas amparado em uma sistematização doutrinária prévia realizada pela instituição que pretende auxiliar na interpretação do texto sagrado.

A produção de doutrinas, como a do batismo nas águas, é fruto dessa leitura, interpretação, sistematização e imposição. Ao crente pentecostal não é permitido questionamento ou discordância acerca das doutrinas, tendo em vista que elas são fruto da própria “vontade de Deus, [daquilo] que Deus tem pra sua vida”, retomando as palavras de Dorcas. Quer dizer, o fiel crê que essa hermenêutica não é simples interpretação, mas “resultado da revelação divina para o crente”, conforme o entrevistado Estevão. Por isso, devem ser aprendidas e seguidas seriamente.

Um dos assuntos mais comentados nas entrevistas que realizei quando indaguei acerca do papel das doutrinas na formação do crente pentecostal foi a consideração sobre o pecado. A vida do crente leva sempre em conta seu estar ou não de acordo com a “vontade de Deus”. Esta “vontade” é doutrinariamente posta como fruto dessas sistematizações extraídas da bíblia, de modo que a deliberada transgressão a elas configura o pecado. As análises que empreendi para sua compreensão me permitiram constatar que o pecado, para além da prática que o configuraria como transgressão a uma lei divina (entenda-se doutrinária), por exemplo, é um componente da dinâmica da fé que impele (e interpela) o crente a julgar se sua vida está adequada àquele ideal estabelecido pela religião e mesmo se esse ideal ainda é suportado, tendo em vista a fragilidade que seu fundamento demonstrou após sua interpelação pelo sentimento do pecado.

De todo modo, mesmo o pecado produz no crente um sentimento de incompletude e de vontade de harmonizar-se novamente com aquilo que o tocou incondicionalmente. É por isso que, na vida pentecostal, ele é tão presente, ao mesmo tempo em que deve necessariamente ser extirpado a fim de não produzir um desequilíbrio que seria prejudicial à vida do crente. Por isso, requer-se do crente, a fim de balancear sua vida, uma preocupação que anda lado a lado com o pecado, a santidade.

Sendo mais uma sistematização doutrinária, a santidade constitui-se em um pré- requisito para a atuação divina na vida humana81. Isto está explícito na fala da entrevistada Ana no início deste subitem. Conforme um periódico doutrinário produzido pelas Assembleias de Deus, denominação pertencente ao pentecostalismo, santidade “é por à parte, consagrar ou dedicar uma coisa ou alguém para uso estritamente pessoal. Santo é o crente que vive separado do pecado e das práticas mundanas pecaminosas, para o domínio e uso exclusivo de Deus” (GILBERTO, 2006, p. 45 apud FERREIRA, 2014, p. 55). Na prática desta santidade é que torna-se possível constatar a relevância que as doutrinas têm na vida pentecostal.

Reconhecidos por um estereótipo que foi historicamente característico da identidade do crente, o que se tornou conhecido como “usos e costumes” (vide nota 47), a santidade era diretamente associada ao modo de vestir-se, principalmente as mulheres. A entrevistada Ana, comentando a respeito, assim exclamou: “Imagina uma pessoa que tá servindo a Deus e até diz que Deus usa, vestir uma blusa decotada que fica aparecendo o rego do peito (sic), uma saia pra cima do joelho, que santidade é essa?”. Em minhas incursões em igrejas pentecostais, percebi que esta prática já não é mais tão observada em algumas denominações. A preocupação estaria mais para uma ética religiosa, com reflexos fora do ambiente eclesial, denominada “santidade espiritual”, conforme ressaltou a entrevistada Talita, ainda que “o crente deva se trajar de forma decente e adequada”, complementando.

Em ambos os casos, representados pelas entrevistadas Ana e Talita, está implícita a formação doutrinária, que busca dar um sentido à santidade, construindo argumentações teológicas, ora literais, ora relativas, tendo a bíblia como parâmetro. E apesar do caráter absoluto de um e relativo de outro, ambos corroboram para o que a entrevistada Ana mencionou en passant em sua última fala: “e diz que Deus até usa”. Aqui estaria o que há de mais caro à vida pentecostal que é o ser usado por Deus, a partir do Espírito Santo.

A experiência com o Espírito Santo, para o crente pentecostal, constitui-se em um privilégio e também em uma responsabilidade. Essa experiência se dá por meio de êxtases, como o batismo com o Espírito Santo, onde o crente fala em “línguas estranhas” e pela convicção de que, a partir da conversão, em sua vida agora habita também o Espírito Santo,

81 A herança teológica dessa sistematização vem do arminianismo, conforme este excerto do Dicionário do

Movimento Pentecostal: “A maioria dos pentecostais tende ao sistema arminiano de teologia, principalmente

quanto à necessidade de o indivíduo pessoalmente aceitar o evangelho e o Espírito Santo. Arminianismo, segundo a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p. 112, volume I, é ‘a posição teológica de Jacobus Arminius e o movimento que teve nele a sua origem. Considera a doutrina cristã de modo muito semelhante aos pais pré-agostinianos e a João Wesley, posterior a ele. De vários modos básicos, difere da tradição de Agostinho-Lutero-Calvino’.” (ARAÚJO, 2007, p. 28)

que torna-se responsável pela sua vida espiritual e material. Manterei meu foco na análise da experiência do batismo com o Espírito Santo haja vista ser esta a principal característica do crente pentecostal.

Esta característica é a que melhor representa a relação entre experiência e doutrina na vida pentecostal. Primeiro porque trata-se de uma experiência vivida pelo crente nos momentos mais “quentes” de sua religiosidade. Quando estive participando de vigílias e reuniões de oração em algumas igrejas pentecostais, observei que nos momentos em que havia a invocação do Espírito Santo, com músicas, gritos ou mesmo através da pregação, o resultado era sempre o falar em línguas estranhas, algo muito celebrado e valorizado por todos. Segundo, é uma experiência muito buscada por todo crente pentecostal. Em algumas dessas reuniões, principalmente as vigílias, também presenciei o que chamam de “oração pelo batismo com o Espírito Santo”, onde pessoas que ainda não haviam falado em línguas estranhas deveriam ir à frente para, durante um intenso ritual de oração, receberem o “poder de Deus” e falarem “em línguas espirituais”.

Indaguei aos entrevistados acerca do que sentiram quando tiveram essa experiência. Todos foram unânimes em responder que não sabiam explicar o que haviam sentido. “Foi algo muito forte pra mim”, disse o entrevistado Zaqueu. “Eu não sabia o que falava, pois sentia a língua como se estivesse enrolada. Mas sabia que aquilo me trazia uma alegria enorme”, foi o que disse a entrevistada Raabe. As respostas dos demais variavam entre o que disse Zaqueu e Raabe. O fato é que novamente todos se mostraram bastante felizes ao tentar relatar esta experiência durante a entrevista. Em seguida, indaguei sobre o que ela proporcionou para suas vidas, e é aqui que trato do aspecto doutrinário da experiência do batismo com o Espírito Santo.

A busca por este batismo não representa só “uma experiência mística explosiva que seria excessiva” para o crente (JUNG apud CAMPBELL, 2002, p. 26). Ela permite também a sua entrada em outros âmbitos da vida pentecostal que só são permitidos a quem passou pela referida experiência. O entrevistado Josué, por exemplo, ressaltou que “para que eu pudesse liderar a juventude, precisei antes buscar o batismo com o Espírito Santo”. Naamã, por sua vez, explicou que “só pude subir [ascender] no ministério quando falei em línguas estranhas”, deixando de ser auxiliar da igreja para ser diácono. E a entrevistada Rebeca disse que “depois que fui batizada com o Espírito Santo, senti que orava e pregava com mais unção, com mais autoridade”.

Nisto percebi que aquela experiência, considerada fundante no pentecostalismo, proveniente do dia de Pentecostes e já discutida no subitem anterior (a formação mítica) agora

não somente era controlada pela instituição, como passou a ser instituída a todos aqueles crentes que quisessem “progredir na vida espiritual e ministerial”, como afirmou o pastor Apolo, outro entrevistado desta pesquisa. E devido ao caráter dinâmico dessa experiência, ou seja, à imprevisibilidade do seu resultado82, coube à instituição doutriná-la, prevendo suas manifestações.

De fato, dentre as igrejas pentecostais que visitei, a maioria delas era fruto da cisão de outros “ministérios” e atualmente eram autônomas, ou seja, sem vinculação com outras denominações ou convenções. Quando perguntei ao entrevistado Pedro, membro de uma dessas igrejas, sobre como elas iniciaram, a resposta foi que “o pastor, quando ainda era do outro ministério, foi revelado por Deus para reformar a igreja, pois ela estava muito fria, não havia mais a presença de Deus.”. Foi então que, não tendo aceitação na primeira denominação, o referido pastor, de acordo com a fala de Pedro, “decidiu abrir esta igreja e aqui nós temos total liberdade de sentir a presença de Deus”.

Analisando por este viés, o surgimento de novas instituições no âmbito pentecostal tem sido fruto do processo de não acomodação ao peso doutrinário que a experiência religiosa recebe nas instituições de origem. Contudo, e aí demonstra-se a ambiguidade desta dinâmica, novos processos de não acomodação poderão surgir à medida que os crentes forem percebendo, não intencionalmente, que não é possível condicionar a experiência com o incondicional (TILLICH, 1974), ou seja, reduzindo-a a uma doutrina que pode tornar-se logo insuficiente. Estaria aqui uma justificativa local para o crescente número de novas denominações pentecostais, algo que pode ser interpretado por outros estudos como fruto de uma competição mercadológica que indica não uma dinâmica que relativizou uma experiência religiosa (a busca por uma experiência mais “quente” que a anterior), mas que revelou um

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