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Capítulo II – O Movimento nas ruas

2. A esquerda na crise

2.2 A fragmentação da esquerda

O papel desempenhado pelo PT, principalmente após as eleições de 2014 - em que passa a aplicar uma política de austeridade fiscal na tentativa de equilibrar suas políticas neodesenvolvimentistas nos marcos do neoliberalismo – contribuiu para cristalizar a fragmentação da esquerda, enfraquecendo-a inclusive a nível ideológico na medida em que a desarma para resistir ao neoliberalismo, um processo em curso desde os anos 90 na CUT. (Galvão 2016, Cavalcante & Arias, 2019) Esta desorganização, que dividiu socialistas e petistas em centrais sindicais rivais também se expressou em conflitos entre autonomistas e a centro-esquerda ao longo das ocupações secundaristas de 2016 em São Paulo. A fragmentação em parte refletiu, como apontam Galvão, Marcelino & Trópia (2012), divisões de classe, havendo também paralelos entre o distanciamento dos autonomistas da base da Ubes com a política das correntes socialistas que as afastou das bases operárias do PT.

A cristalização da fragmentação entre petistas e socialistas, acompanhada paralelamente pelo acirramento do conflito interno entre os próprios socialistas, segundo Haddad, em parte explica a derrota eleitoral do PT em São Paulo nas primeiras eleições municipais posteriores aos protestos de 2013. Durante as eleições municipais de 2016, marcada pelo golpe institucional que tirou o PT do poder, Haddad teve apenas 16,7% dos votos totais, votação mais baixa da história do partido (G1, 2016). Eduardo Suplicy, na primeira disputa do PT em 1985, recebeu 19,75% (Acervo Globo, 2016). A divisão em três do legado petista na cidade, expresso na candidatura de Marta Suplicy pelo PMDB (que rompe com o PT em abril de 2015) assim como "a candidatura de Erundina pelo PSOL, complicaria ainda mais o quadro já fragmentado e abriria uma avenida para João Doria” (Haddad, 2017). Este processo de divisão interna, que se inicia com a chegada do PT à Presidência da República, ocorre também a nível sindical.

O primeiro marco em escala nacional da fragmentação do sindicalismo ocorre em março de 2004, com o surgimento da Conlutas, que nasce em oposição à participação da CUT no Fórum Nacional do Trabalho. Forma de tripartismo que reunia estado e patronato no mesmo patamar que os trabalhadores, o fórum foi visto pelos socialistas de distintas matrizes como

uma forma de cooptação. Posterior à Conlutas, outras correntes da esquerda da CUT criaram a Intersindical em 2007, que logo em seguida se fragmentou em grupos rivais (Galvão, Marcelino e Trópia (2012).

A principal tentativa de unificação do movimento sindical e por direito à cidade anterior aos protestos de junho, o Conclat de Santos de 2010, apesar da proposta inovadora de incluir movimentos populares e de estudantes ao lado de entidades sindicais em sua estrutura deliberativa, foi incapaz de unificar os principais grupos que o convocaram; a Intersindical, Conlutas e MTST. A presença de movimentos de moradia no processo expressava a proposta de uma estrutura capaz de abarcar movimentos como o próprio MPL, amarrando os sindicatos às novas formas de intervenção. O projeto do Conclat em parte fracassa pela fragmentação eleitoral das direções sindicais do PSTU e do PSOL, que após a construção de uma frente única em torno de Heloisa Helena como candidata à Presidência da República, lançam candidaturas próprias para as eleições de 2010. Posterior a Junho, iniciativas como a Frente de Esquerda de 2006 ou o Conclat de Santos deixam de ocorrer.

Segundo Singer (2018), “caso tivesse se conectado com o ensaio desenvolvimentista numa ponta e com as greves noutra, junho poderia ter representado um momento de ascensão da luta dos trabalhadores” (p. 118). A radicalização a nível federal do projeto neodesenvolvimentista, em que o governo Dilma adotava uma postura mais combativa em relação aos bancos, fracassou segundo o autor por não ter sido acompanhada de ações populares. Relativizando a dinâmica entre o PT e a burguesia interna, Singer identifica como principal obstáculo, além da distância pessoal entre Dilma e o movimento sindical, que “as direções sindicais evitaram politizar a onda de greves”, já mencionada. Como consequência, "na ausência de uma resposta à esquerda, a não ser aquela oferecida pelo PSOL e agremiações com menor inserção institucional, o centro e a direita ocuparam o espaço” (Singer, 2018, p. 119).

Uma característica da fragmentação da CUT foi afastar o PSOL e o PSTU da base operária dirigida pelo PT. A hipótese levantada por Boito, de que a fragmentação pela esquerda da CUT pudesse “repercutir, também, na orientação dos sindicatos que apoiam o governo, levando-os a assumir, em alguns casos, uma posição mais crítica diante da política neodesenvolvimentista” (p. 185) não se concretizou. Segundo Galvão, Marcelino e Trópia (2012), “Quando isolamos as entidades sindicais da Conlutas e as comparamos às da Intersindical, verifica-se em ambas o peso do sindicalismo do setor público. Na Intersindical, 58% dos sindicatos são do setor público, seguidos do setor privado (23,3%) e por entidades sindicais públicas e privadas (12,5%)”; na Conlutas este número atingiu 42% no setor público

contra 20% no privado (p. 36). Segundo as autoras, é possível identificar um peso desproporcional de frações de classes médias nas novas entidades, em particular “segmentos de trabalhadores com salários mais elevados na Conlutas, sobretudo professores das universidades federais e funcionários do sistema judiciário.” (Galvão, Marcelino & Trópia, 2012 p. 43)

Esta fragmentação entre trabalhadores que exercem função intelectual organizados pelas correntes socialistas e a base operária e popular do PT teve efeito estruturante durante o ciclo de protestos entre 2011 e 2016. Segundo Cavalcante e Arias, a fração de classe média que saiu às ruas contra o impeachment “secundarizou ideologias orgânicas à sua própria condição de classe, como a ideologia meritocrática, e acentuou as convergências com os demais trabalhadores assalariados” (2019, p. 2), porém a ausência de uma estrutura política, sindical ou estudantil que potencializasse estas posições, limitou o alcance do apelo.