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Capítulo II – O Movimento nas ruas

2. A organização do movimento

Lembrando o levante mexicano em Chiapas em 1995, os protestos estudantis na Indonésia contra Suharto em 1998 e a revolta camponesa na Bolívia em 2000 contra a privatização da água, Chomsky e Herman (2002) destacam o papel da internet que, “aumentando escopo e eficácia (...) produziu um nível de publicidade e atenção global com consequências importantes” para aquelas mobilizações, lhes assegurando vitorias parciais. Por outro ângulo, servindo como instrumento do movimento, durante os protestos contra o encontro da OMC em novembro de 1999 em Seattle, “a comunicação através da internet desempenhou um papel importante organizando os protestos assim como disseminando informações sobre os próprios eventos, se contrapondo à forma hostil com que a grande imprensa representava os manifestantes.” (p. 15) Isto não significa, ao mesmo tempo, que a internet tenha afetado de forma estrutural a economia política da comunicação de massas. Para Chomsky e Herman:

Enquanto a Internet tem sido uma adição valiosa ao arsenal de comunicação de dissidentes e manifestantes, ela é limitada enquanto ferramenta crítica. Para começar, aqueles com maior necessidade de acesso à informação não são bem servidos pela internet – muitos não tem acesso, seus bancos de dados não atendem às suas necessidades, e o uso desta base de dados (e a utilização efetiva de internet em geral)

pressupõem conhecimento e organização. A internet não é um instrumento de comunicação de massas para os que não tem nomes de marcas conhecidas, uma grande audiência previa, e/ou muitos recursos. (2002, p. 16)

Em entrevista com o autor realizada em São Paulo, no dia 8 de agosto de 2019, ao comentar o efeito da internet no modelo de propaganda contemporâneo46, Chomsky afirma que

ele e seu colaborador Edward S. Herman fizeram “uma atualização do livro [Manufacturing

Consent, 2002] depois que a internet se tornou um fenômeno mais presente. No entanto,

decidimos não publicá-la, porque a situação da imprensa não mudou tanto. Já o novo fenômeno das redes sociais mudou muito a situação. O Brasil é um exemplo dramático da força extraordinária das redes sociais.” (2019)

Enquanto o papel estrutural da internet nos protestos é consensual na literatura sobre junho, seus efeitos geram leituras polarizadas. Enquanto Gohn, Nogueira, Cava & Cocco tendem a ver a internet como força essencialmente democratizadora, Haddad (2017), assim como Saad Filho e Morais (2018) a veem como catalisadora do individualismo. Segundo Saad Filho e Morais, a comunicação digital não é adequada à organização baseada na classe ou local de trabalho, pois “quando grupos organizados de forma virtual aparecem no “mundo real”, eles tendem a estrelar um espetáculo que pode ser transmitido aos amigos na “rede”, criando incentivos para a individualização das demandas e a personalização das manifestações por meio do humor, de disfarces coloridos e assim por diante. O Faceook e o YouTube tornam-se o mundo inteiro, e o mundo se torna uma internet mais real”, consequentemente “muitos manifestantes estavam mais interessados em tirar selfies que qualquer outra coisa” (p. 215-6). A antipatia frente às redes digitais em parte leva os autores a caracterizar os protestos de junho como expressão da “lumpenização da política”. Os protestos lumpen seriam esporádicos e sem foco, facilmente sequestrados pela burguesia.

Enfatizando o papel das empresas norte-americanas provedoras das principais redes sociais na internet, Haddad (2017) afirma que ao permitir que qualquer um emita sua opinião

46 Analisando a imprensa de massas nos EUA e Reino Unido, Chomsky e Herman (2002) destacam que aquilo que é considerado notícia pela grande imprensa perpassa cinco filtros do modelo de propaganda, “1) tamanho, concentração de propriedade, riqueza do proprietário, e a busca por lucros das principais empresas de comunicação, 2) os comerciais enquanto principal fonte de recursos 3) dependência em informações providenciadas por governos, empresas e “experts” financiados e aprovados por estas fontes primárias e agentes de poder 4) campanhas de denúncia como forma de disciplinar a imprensa, e 5) “anticomunismo” enquanto religião nacional e mecanismo de controle.” (p. 12)

pelas redes, a autoridade das fontes se anula, sendo substituída por seu irreconhecimento. O ambiente da “pós-verdade” estabelecido pelas redes abre espaço para que protestos como os de Junho sejam objeto de manipulação externa. Segundo Haddad

Durante os protestos de 2013 no Brasil, a percepção de alguns estudiosos da rede social já era de que as ações virtuais poderiam estar sendo patrocinadas. Não se falava ainda da Cambridge Analytica, empresa que, segundo relatos, atuou na eleição de Donald Trump, na votação do Brexit, entre outras, usando sofisticados modelos de data mining e data analysis. Mas já naquela ocasião vi um estudo gráfico mostrando uma série de nós na teia de comunicação virtual, representativos de centros nervosos emissores de convocações para os atos. O que se percebia era uma movimentação na rede social com um padrão e um alcance que por geração espontânea dificilmente teria tido o êxito obtido. Bem mais tarde, eu soube que Putin e Erdogan haviam telefonado pessoalmente para Dilma e Lula com o propósito de alertá-los sobre essa possibilidade (Haddad, 2017).

No polo oposto a Haddad, Gohn (2013) identifica como força motora de insatisfações democráticas a “presença de grupos internacionais do ativismo digital nos protestos” (p. 52) Segundo Ortellado et al (2013), o grupo “Anonymous” foi um dos principais responsáveis pela difusão das pautas em junho, tentando desviar o movimento para a anticorrupção. Sua imagem mais compartilhada nas redes sociais foi uma faixa dizendo “O povo acordou, o povo decidiu, ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil” (p. 148). Para os autores “se analisarmos o que é publicamente compartilhado nas redes sociais no fim de semana [anterior à massificação dos protesto], vemos que, desde a sexta-feira – ou seja, mais ou menos quando começam a circular as revistas semanais – algumas das publicações mais compartilhadas dos nós mais ativos nas redes sociais já incorporam a difusão de pauta” (p. 148).

Segundo noticiado na imprensa, o grupo Anonymous Brasil foi alvo de infiltração policial do FBI durante o período em que realizou campanhas contra o governo federal brasileiro, ao menos, até 2012. Segundo jornal britânico Guardian, como resultado de processo e investigação criminal nos EUA “o superhaker conhecido como “Sabu” 47, e seus colegas do

47 Hector Xavier Monsegur, condenado a 124 anos de prisão, é apontado com principal arquiteto dos ataques do Anonymous Brasil na internet. Em perfil no New York Times, o jornal afirma, “No último verão, as autoridades prenderam Monsegur. (...) Em agosto, ele se confessou culpado de uma dezena de crimes, a maioria envolvendo

coletivo Anonymous, revelam a vasta escala de ataques que Monsegur orquestrou contra sites do governo e empresas no Brasil quando operava como informante para o FBI. (...) Alvos incluíram o servidor da polícia militar do Distrito Federal, sites do governo [e Petrobrás], o império midiático da Globo e centenas de entidades comerciais.” (Pilkington, 2014) Segundo a revista norte-americana Vice, o processo criminal revelava que Monsegur “estava facilitando uma campanha anticorrupção contra o governo brasileiro”. (Blake e Stuckey, 2014) Enquanto não há documentos que relacionam o Anonymous em 2013 àquilo descrito por Haddad (2017) como “ações virtuais patrocinadas”, não há vínculos claros entre o grupo digital e o movimento social como um todo. De outra perspectiva, ao falar do grupo Anonymous, segundo Gohn, “um destaque desse grupo é que a maioria deles esconde sua identidade, ao contrário de lideranças dos chamados Novos Movimentos Sociais das últimas décadas do século XX que se firmavam pela explicitação e defesa de sua identidade.” (Gohn, 2013, p. 52)

A descentralização trazida pelas redes, assim como sua utilização centralizada e coordenada em grupo, permitiu que o MPL adotasse uma pluralidade de imagens e identidades em suas ações de agitação, possuindo uma estética mais internacionalizada. A disparidade geracional entre a coluna de quadros do MPL comparada às organizações socialistas e às correntes do PT, cujos dirigentes mais velhos em geral expressavam ceticismo e desconfiança em relação à internet, permitiu ao grupo criar uma imagem mais próxima dos padrões de consumo cultural contemporâneos que as outras correntes de juventude. Esta maleabilidade estética, ao mesmo tempo, voltou-se contra o grupo durante a segunda metade dos protestos de junho, quando ela foi adaptada por diferentes atores ao discurso anticorrupção e à ideologia neoliberal.

A análise das bases políticas e teóricas do movimento, que empreendemos a seguir, será realizada a partir de suas intervenções na internet por meio do site Passa Palavra.

conspirações para hackear computadores, e entrou em acordo de cooperação com a polícia. (...) Ele foi solto e começou a trabalhar como informante, continuando a publicar no twitter e outros lugares enquanto Sabou.” (Kleinfield & Somini, 2012)

a) Bases políticas e teóricas do MPL

Surgido em fevereiro de 2009, alguns meses antes do lançamento do site porta-voz oficial do movimento, Tarifa Zero48 – o Passa Palavra foi ao ar na cobertura da segunda jornada

contra o aumento da tarifa, ocorrida entre 27 de outubro de 2009 e fevereiro de 2010, época em que a passagem subiu de 2,70 para 3,00 reais. Ao longo da segunda jornada, a etiqueta #transportes do site, onde se centravam os debates em torno do MPL, acumulou 19 entradas, entre elas vídeos, entrevistas e principalmente artigos (anexo 1). A terceira Jornada contra o aumento da tarifa, de 2011, é coberta de forma mais ampla, entre o dia 22 de dezembro de 2010 até 27 de abril de 2011, com 40 entradas. Em 2013, durante um período mais curto de tempo, há 56 entradas no site. Quatro referem-se ao Rio de Janeiro, três a Goiânia e a Salvador e uma a Florianópolis e a Porto Alegre, com o resto dos artigos expressando a centralidade do grupo na cidade de São Paulo. Mais tarde, o espaço serviu de plataforma para canalizar diferentes posições conflitantes dentro do MPL-SP, publicando também o material referente à sua fragmentação. A dinâmica da publicação no Passa Palavra corrobora com o argumento de que os protestos de 2013 são produto de um ciclo maior iniciado em 2011. Seu conteúdo também relativiza a distância triangular descrita por Alonso & Mische (2015) entre “socialistas”, “autonomistas” e “patriotas”, permitindo localizar o MPL no campo da esquerda influenciada pelo marxismo. Enquanto a proximidade com a tradição socialista levou o grupo a enfatizar o trabalho de base na periferia de São Paulo, sua composição social estudantil de classe média impediu o aprofundamento destes vínculos junto os trabalhadores.

Entre os artigos no site Passa Palavra também se destacam debates públicos expressando diferentes concepções autonomistas, algumas mais próximas ao anarquismo, enquanto a maioria mais associada ao marxismo. O próprio site, em sua área de links, destacava o Arquivo Marxista na Internet49. O Autonomismo do MPL possuía três intelectuais que

48 Uma particularidade das publicações digitais em detrimento das impressas é que a internet permite que se organize, sem grandes dificuldades, órgãos distintos com linhas editoriais e periodicidades próprias. Consequentemente tornou-se relativamente fácil para um grupo pequeno organizar dois jornais ao mesmo tempo, sem ter de se preocupar com questões gráficas, diagramação impressa e distribuição própria.

49 Segundo Gohn, “muitos dos que não encontram programa ou estratégias claras nas manifestações o fazem sob a ótica teórica das esquerdas, da luta de classes” (p. 67). Consequentemente, seria necessário resgatar as ideias do século XIX de Proudhon e Kropotkin para entender o movimento, uma vez que “aqueles que afirmam não ter o movimento metas, propostas, projetos estavam cegos e surdos porque suas demandas são a base de outro modelo de desenvolvimento, de acordo com a escolha de outras prioridades nas políticas públicas e com outros parâmetros éticos para os políticos que ocupam cargos públicos.” (p. 66) Enquanto entre 2009 e junho de 2013 o mecanismo

desempenharam funções de elaboração política para o grupo: João Bernardo50, Felipe Correia51

e Manolo52. Na bibliografia do movimento, se destaca, além dos livros Economia dos conflitos

sociais (1991) e Labirintos do fascismo (2003), de João Bernardo, Burocracia e ideologia

(1974) de Maurício Tragtenberg.

Organizacionalmente, Felipe Correia (2011) principalmente através de seu balanço autocrítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil53 (braço organizado do movimento

de buscas do site Passa Palavra identifica Kropotkin em 15 entradas e Proudhon em 33, Karl Marx aparece em 617 vezes.

50 As origens político-ideológicas de Bernardo remetem a um marxismo português, principalmente à experiência da Revolução dos Cravos (1974). Segundo Pinto, “Era militante do PCP, mas entre 1965-1966 já estava sob influência do programa comunista dissidente desenvolvido pelo Camarada Campos (Francisco Martins Rodrigues), programa apresentado na revista Revolução Popular (editada por Martins Rodrigues) e que teria como corolário a organização maoísta do CMLP (Comitê Marxista Leninista Português). João Bernardo esteve sob influência do programa de Martins Rodrigues, mas não participava da organização do CMLP, manteve-se vinculado ao PCP (até 1966, quando o abandona) e diante da heterodoxia do programa de Martins Rodrigues, organizou no período de 1967 a 1969 um programa teórico político em defesa de um “maoísmo libertário” que teve como corolário institucional a organização dos CCR, práticas que o levaram tanto ao rompimento político com o PCP como ao rompimento ideológico com o CMLP.” (Pinto, 2016)

51Professor convidado na Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH) da Universidade de São Paulo (USP),

Corrêia, nascido em 1978, possui doutorado na Faculdade de Educação da Unicamp, tendo pesquisado as obras de Mikhail Bakunin, e mestrado no programa de Mudança Social e Participação Política da USP, com dissertação sobre o anarquismo. Pesquisador coordenador do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) e editor da Faísca Publicações Libertárias, por mais de 10 anos desenvolveu-se como autodidata, enquanto trabalhava para a indústria automobilística. Tendo passagem pela coordenadoria do MST de São Paulo, Correia pode ser descrito como intelectual mais próximo à tradição anarquista entre aqueles mencionados no presente trabalho.

52 Advogado formado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Manuel Nascimento, nascido em 1978, é estudante de mestrado em Urbanismo e Arquitetura na UFBA, onde realiza pesquisa sobre os traços e rastros dos conflitos sociais ocorridos entre 1549 e 1889 em Salvador como elementos da formação e consolidação de seu território urbano atual. Durante os protestos de 2004 contra o aumento da tarifa na capital baiana, Manolo teve papel de destaque na condução do CMI da cidade. Entre 2000-1, estagiou na bancada municipal do PT na Câmara dos Vereadores de Salvador. Atualmente trabalha no Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) com assessoria jurídica e mobilização comunitária em torno de pautas fundiárias e ambientas nas ocupações organizadas pelo Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB) em Camaçari, assim como junto aos movimentos de moradia no centro histórico de Salvador.

53 Em texto de balanço do movimento antiglobalização, o autor,afirma ser “certo que, dentre os companheiros que atuaram no movimento do final dos anos 1990 até meados dos anos 2000, talvez minha autocrítica tenha sido uma

antiglobalização do início dos anos 2000) publicado em forma de livro digital (Ortellado, Parra e Rochers, 2013) meses antes dos protestos de junho, moldou os debates organizacionais do MPL entre 2011 e 2013. Já Manolo, autor de teses reivindicadas pelo MPL no livro Cidades

Rebeldes, Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, publicado pela

Editora Boitempo (Maricato et al 2013) tem sua produção centrada primeiro no CMI Salvador, e principalmente, a partir de 2011, no Passa Palavra. A forte inserção da fração de classe média representada pelo MPL na internet permitia ao ativista influenciar o movimento social em São Paulo desde o nordeste.

O pensamento político de João Bernardo à época dos protestos melhor se expressou no site Passa Palavra em manifesto intitulado “Ponto Final” publicado 19 de junho de 2012, um ano antes de junho. 54 Segundo as reflexões teóricas de Bernardo (2012), até então o principal

elaborador do espaço, “o fim dos regimes soviéticos trouxe duas grandes ilusões: a de que, liquidado o capitalismo de Estado, deixaria de se confundir socialismo com nacionalizações e centralismo económico; e a de que surgiria uma nova síntese programática, que superasse o marxismo e o anarquismo doutrinários. (...) Não obstante, é certo que tem existido entre os marxistas um esforço de autocrítica, que conseguirá talvez rejuvenescer a herança de Marx. Entre os anarquistas, porém, nem isto se passa, porque, sendo hostis ao pensamento dialéctico, julgam que se pode voltar atrás na história e, com as mesmas receitas, reconstruir de maneira certa aquilo que resultara errado.” Crítico àquilo que descreve como “políticas identitárias”, para Bernardo:

A esquerda do século XXI substituiu o sujeito histórico classe trabalhadora por uma multiplicidade de sujeitos: os dois sexos, para os quais curiosamente se abandonou a

das mais radicais, dentre aqueles que permaneceram na militância. Muito dessa autocrítica serviu para minha mudança de posição” (Correia, 2013)

54 Segundo Bernardo “Estou farto. Para ser sincero, estou muitíssimo farto. Não só de escrever em vão, isso seria de somenos importância, mas de que outros antes de mim tivessem escrito em vão e alguns partilhem hoje o mesmo destino. (...) Desisto? Das esquerdas doutrinárias sim, totalmente. A tragédia é que hoje o pensamento revolucionário surge e extingue-se sem saber que é esse o adjectivo que o devia classificar. Do mesmo modo, a política, se não for reduzida aos escândalos e às rasteiras que os profissionais passam uns aos outros, localiza-se hoje sobretudo fora do âmbito considerado político. Por isso não desisto da capacidade da classe trabalhadora para acabar com o existente. Uma revolução nos nossos dias só pode significar uma libertação das energias criativas dos trabalhadores nos processos de trabalho. Quanto ao que virá depois e ao que formos capazes de construir…” (Bernardo, 2012)

denominação biológica e se adoptou a denominação gramatical de géneros; as preferências sexuais; as etnias; as nações; as tradições culturais. (...) A esquerda contemporânea é um dos principais agentes da debilidade estrutural da classe trabalhadora, contribuindo para fragmentá-la perante um inimigo unificado. (...) Outro resultado imediato da adopção de uma multiplicidade de sujeitos históricos pela esquerda do século XXI foi a redução do conceito de classe trabalhadora à sua modalidade arcaica. Em vez de se entender a reestruturação da classe trabalhadora operada pelo sistema de produção toyotista, pela terceirização da mão-de-obra e pela transnacionalização do capital, a noção de classe trabalhadora manteve-se resumida ao fabrico industrial de artigos materiais. (Bernardo, 2012)

Destaca-se que o pensamento de Bernardo pouco tem em comum com a ênfase dada por Gohn (2013) sobre o MPL enquanto “novíssimos movimentos sociais” desvinculado de uma perspectiva de classe. O classismo do autor, assim como sua teoria sobre o fascismo, muito influente entre integrantes do MPL55, foi uma das fontes do pensamento político do grupo que

o aproxima do resto da esquerda socialista e petista. Em análise do pensamento político de João Bernardo, Alberto da Costa Pinto (CEMARX, 2009 e Revista Espaço Acadêmico, 2016) afirma que “como exemplo histórico similar aos argumentos políticos de João Bernardo, temos, com evidentes diferenciações, não só conjunturais, como teórico - programáticas, as históricas intervenções, na década de 1920, de Karl Korsch, Hermann Gorter, Anton Pannekoek, entre outros, contra as diretrizes do socialismo de gestores da Revolução Russa” (Pinto, 2016). Para Pinto, a preocupação política de Bernardo é a diferenciação do movimento dos trabalhadores com os aparatos do sindicalismo institucionalizado e dedicado à gerência da força de trabalho. Bernardo, além de ter militado com o movimento operário em Portugal durante a Revolução dos Cravos, teve participação em cursos de formação para a militância de base da Central Única dos Trabalhadores (CUT) durante seu período de formação.56 Enquanto figura mais velha em

55 Segundo postagem no perfil de facebook do Passa Palavra dia 20 de março, “Quase sete anos após o "Ponto

Final", João Bernardo volta a escrever para o Passa Palavra. Naquele longínquo ano de 2012, o autor se dizia farto "de escrever em vão". Neste novo artigo ele volta aos debates, desta vez contra o identitarismo.” (Passa Palavra, 2019) Observa-se que na relação com movimentos de identidade racial e de gênero, o MPL era mais fechado que as correntes de juventude organizadas no PSOL, PSTU e PT. Correia (2011), porém, tende a ser mais receptivo aos novos movimentos sociais que Bernardo (2012, 2019).

56 Segundo Pinto (2016) o objetivo de Bernardo se centra em “manter a atualidade do programa teórico-político do comunismo marxista autogestionário, programa centrado no conceito de exploração e na redefinição (junto a

um blog formado essencialmente por estudantes, Bernardo exercia o papel de “decano” junto ao MPL, em parte protegido do desgaste cotidiano da construção do grupo pela distancia física entre Portugal e Brasil.

Enquanto João Bernardo (1991, 2003) elaborava sobre temas mais teóricos, cabia a Manolo (2011) produzir continuamente para o site uma perspectiva nacional sobre o