• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – O Movimento nas ruas

2. A esquerda na crise

2.1 As ocupações dos secundaristas

A guinada à direita na sociedade, ao mesmo tempo, impediu uma maior politização entre estudantes secundaristas em São Paulo - que ao final de 2015 iniciaram uma onda de ocupações de escolas públicas - assim como acirrou rivalidades sectárias entre a corrente autonomista e as entidades secundaristas sob influência do PT e seus aliados, que também participaram das mobilizações (Campos, Medeiros e Ribeiro, 2016, p.50). Assim como a redução da tarifa em junho de 2013, a onda de ocupações secundaristas que impediu a aplicação da política de arrocho fiscal pelo governo do Estado de São Paulo na área da educação, ao final de 2015 (que pretendia “reorganizar” cerca de um milhão de estudantes para reduzir custos fechando salas de aula) foi dirigida pelo campo autonomista.

Segundo boletins da Apeoesp, o anúncio da suposta reorganização resultou em forte mobilização secundarista, que entre os dias 8 de novembro de 2015 e 19 de janeiro de 2016 ocuparam mais de 200 escolas. (Campos, Medeiros, Ribeiro 2016 p. 334-5) Ao contrário dos protestos de 2013, cuja massificação ocorreu por meio da ação da grande imprensa, segundo Ortellado (2016) "a capilaridade do sistema de ensino que atravessa todo o território do estado serviu como correia de difusão das notícias tanto sobre o fechamento das escolas, como do processo de luta dos estudantes." (p. 14) As diferenças na forma com que os protestos foram convocados expressam suas diferentes bases sociais.

Para Ortellado (2016), “os secundaristas conseguiram, pelo caráter social da sua reivindicação e pelo caráter radicalmente democrático da sua organização, reunir as duas metades de junho” (p. 15) isto é, o campo que incluiria MTST, MPL e os grupos contra a Copa do Mundo, ao lado das organizações liberais de direita. O envolvimento ativo de secundaristas dirigidos pelo PT e PC do B nas mobilizações contra o golpe é ignorado por Ortellado (2016). Governo no município, o PT integrava a oposição ao governo do Estado, reivindicando o

movimento contra Geraldo Alckmin e o PSDB97. Ao mesmo tempo, as organizações a favor

97 A pesquisa de Campos, Medeiros e Ribeiro (2016) representa a documentação mais completa, escrito da perspectiva dos estudantes, sobre as ocupações secundaristas de 2015-16. Em conjunto com entrevistas a

do impeachment tiveram destaque na organização de ofensivas políticas e até mesmo ataques físicos contra a movimentação secundarista, principalmente a partir da nacionalização das ocupações de escola.98

Apesar da ausência da universalização do ensino médio no Brasil99, não se pode atribuir

automaticamente a condição de classe dos secundaristas à classe média. O principal recorte que separa a classe média dos trabalhadores neste quesito é a natureza da escola, se pública ou privada. Enquanto podem haver nichos específicos com recorte mais próximo à classe média nas escolas de ensino técnico, sua principal característica é a predominância das classes populares.

Organizados sob direção da fração mais dinâmica do MPL, agora com nome de "Mal Educado”, o movimento de ocupação de escolas, assim como a greve dos garis e do metrô, expressou os impulsos mais autênticos da primeira fase dos protestos de 2013. Utilizando-se da legitimidade conquistada em junho, o Mal Educado se projetou ao distribuir panfletos com o endereço eletrônico para uma cartilha de oito páginas. Segundo Campos, Medeiros e Ribeiro (2016) “o manual “Como ocupar um colégio?” foi traduzido e adaptado pelo coletivo a partir de documento elaborado pela seção argentina da “Frente de Estudiantes Libertários”, sobre sua experiência organizacional, inspirada, por sua vez, no ativismo dos secundaristas chilenos100

(p. 55).

militantes do MPL (principalmente os quadros B, F e G, realizadas em...) que mais tarde fundaram o grupo Mal Educado, ela será utilizada como principal base bibliográfica para o presente capítulo.

98 Esses ataques foram protagonizados sobretudo por movimentos de direita que surgiram em 2013. Além de projetos como “Escola Sem Partido”, apoiados pelo MBL, quando o movimento secundarista se nacionalizou o grupo passou a intervir de forma violenta, principalmente em Curitiba, para desocupar as escolas agredindo estudantes. (Rossi, 2016)

99 Segundo dados da Pnad contínua de 2016, nacionalmente "enquanto 96,5% da população de 6 a 14 anos está no ensino fundamental, a porcentagem cai para 68% dos jovens de 15 a 17 anos no ensino médio, e 23,8% das pessoas do grupo de 18 a 24 anos no ensino superior.” (Ferreira, 2017) Mesmo que a média de estudantes matriculados no ensino médio em São Paulo seja mais elevada que a nacional, ela não atinge níveis próximos à quase universalização do ensino fundamental.

100 A cartilha do Mal Educado revela, a nível internacional, que as correntes autonomistas possuíam vínculos concretos com movimentos de esquerda na América Latina muito maiores que aqueles na Europa, América do Norte e Oriente Médio descritos por Gohn (2013). Outro exemplo destes vínculos pode ser identificado no artigo publicado no Passa Palavra com o título, “Após solidariedade internacional, militantes do MPL são perseguidos no México” (Redação, 2013c)

Enquanto a base social das ocupações, principalmente nas regiões periféricas, era essencialmente composta pelas classes populares, a natureza de classe do grupo Mal Educado pode, assim como no caso do MPL, ser definido como de classe média. A despeito de tirarem seu nome de um jornal originalmente distribuído na Escola Estadual José Vieira Dutra, na Cidade Dutra, extremo sul de São Paulo, e de em um segundo momento incluírem mais escolas públicas, sua origem organizacional relaciona-se às escolas de elite da cidade. Segundo Campos, Medeiros e Ribeiro, o grupo surge em torno da Poligremia, articulação secundarista que compunha a base de mobilização do MPL durante as jornadas contra o aumento da tarifa de 2011101 (p. 60-2). Tirando a ETEC Basilides de Godoy, as escolas fundadoras da Poligremia

- Escola da Vila, Santa Cruz, Equipe, Vera Cruz e Santa Clara, possuem mensalidade acima da média do resto da cidade, localizadas em bairros de classe média ou média alta. Esta relação geográfica se expressou na centralidade da Escola Estadual Fernão Dias, em Pinheiros, no processo de organização das ocupações (p. 84-85). Embora seus estudantes não devam ser confundidos com a classe média, sua proximidade física com ela e com as escolas particulares permitiu uma intervenção mais bem estruturada pelo grupo autonomista.

A ocupação dos estudantes secundaristas, diferentemente de 2013, ocorreu em meio ao crescimento da corrente autonomista, a estagnação dos socialistas e a crise dos petistas. Distinto ao período anterior a junho, ele foi marcado por um comportamento muito menos cooperativo dos coletivos autonomistas em relação ao campo político encabeçado pelo PT. De forma oposta às jornadas contra o aumento da tarifa de 2011, durante o movimento de ocupação das escolas, o Mal Educado centrou esforços na polarização com o PT. Segundo Campos, Medeiros e Ribeiro “o conflito entre entidades representativas (em especial a [União Municipal dos Estudantes Secundaristas] Umes-SP e, mais tarde, a União Paulista dos Estudantes Secundaristas-Upes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas-Ubes) e estudantes autônomos (organizados em coletivos ou não) foi uma constante no desenvolvimento do movimento dos secundaristas” (p.50).

Apesar de iniciativas relevantes dos trabalhadores organizados, como garis e metroviários, assim como de estudantes secundaristas, terem ocorrido ao longo do período

101 O vínculo entre Mal Educado, MPL e o site Passa Palavra é destacado por Campos, Medeiros e Ribeiro (2016). Segundo os autores, “quatro estudantes que participaram da Poligremia escreveram, no mesmo ano de fundação do coletivo Mal Educado, um artigo, publicado no site Passa Palavra, com o título “A experiência da Poligremia - autocrítica em busca de um sentido histórico no movimento secundarista”.” (p. 62).Texto fundacional do grupo, ele remete à origem do coletivo a "colégios particulares de tradição pedagógica crítica”. Ver também Martins, Cordeiro, Mandetta e Hotimsky (2012).

entre 2015-16, elas foram incapazes de ocupar o centro da agenda política. A composição social destes movimentos em parte explica sua falta de protagonismo, uma vez que as insatisfações da classe média alta passaram a ocupar o centro da política nacional. Mas um outro fator contribuiu para isso, qual seja, a fragmentação da esquerda.