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Do direito à cidade à anticorrupção : deslocamento de pautas, diversificação de atores e desdobramentos de junho de 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ALDO CORDEIRO SAUDA

Do direito à cidade à anticorrupção: deslocamento de pautas, diversificação de atores e desdobramentos de Junho de 2013

CAMPINAS 2019

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ALDO CORDEIRO SAUDA

DO DIREITO À CIDADE À ANTICORRUPÇÃO: DESLOCAMENTO DE PAUTAS, DIVERSIFICAÇÃO DE ATORES E DESDOBRAMENTOS DE JUNHO DE 2013

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestre em Ciência Política

ORIENTADORA: ANDRÉIA GALVÃO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO ALDO CORDEIRO SAUDA, E ORIENTADO PELA PROFA. DR. ANDRÉIA GALVÃO.

CAMPINAS

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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Sauda, Aldo Cordeiro,

Sa85d SauDo direito à cidade à anticorrupção : deslocamento de pautas,

diversificação de atores e desdobramentos de junho de 2013 / Aldo Cordeiro Sauda. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SauOrientador: Andréia Galvão.

SauDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Sau1. Movimentos sociais. 2. Classes sociais. 3. Movimentos de protesto. 4. Neoliberalismo. 5. Partido dos Trabalhadores (Brasil). I. Galvão, Andréia, 1971-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: From city rights to anticorruption: agenda shifts, actor

diversification and the outcomes of June 2013

Palavras-chave em inglês:

Social movement Social classes Protest Movements Neoliberalism Worker's Party (Brazil)

Área de concentração: Ciência Política Titulação: Mestre em Ciência Política Banca examinadora:

Andréia Galvão [Orientador] Luciana Ferreira Tatagiba Robert Sean Purdy

Data de defesa: 26-09-2019

Programa de Pós-Graduação: Ciência Política Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-6569-4045 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9492742843092773

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada dia 26 de setembro de 2019, considerou o candidato Aldo Cordeiro Sauda aprovado.

Prof(a) Dr(a) Andréia Galvão

Prof(a) Dr(a) Luciana Ferreira Tatagiba Prof Dr Robert Sean Purdy

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Agradecimentos

Agradeço principalmente aos debates com os colegas do grupo de pesquisa Movimentos Sociais, Sindicalismo e Política (MOB) do Centro de Estudos Marxistas do IFCH em Campinas, onde formulei a maior parte das ideias neste trabalho: Agnus, Amanda, Caue, Cristhiane, Ellen, João Campinho, João Tury, Mateus, Priscila e Vagner. A paciência, persistência e perseverança da minha orientadora Andréia Galvão, que ao me empurrar para além da zona de conforto, permitiu meu amadurecimento no marxismo. Agradeço também a Silvia Miskulin, Henrique Carneiro, Valério Arcary, Paula Marcelino, Waldo Mermelstein e Rodrigo Ricupero, companheiros que me incentivaram na academia. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço também ao apoio dos professores do departamento de Ciência Política da universidade, em particular Raquel Meneguello, Armando Boito, Luciana Tatagiba e Sávio Cavalcante, do Departamento de Sociologia, sendo que aos dois últimos agradeço também terem feito parte de minha banca de qualificação. Agradeço aos editores da Autonomia Literária, Caue Ameni, Hugo

Albuquerque e Manu Beloni, assim como à Márcia Camargos, pelas contínuas aventuras no mundo dos livros que marcaram este período. À Marcela Grecco e Carlos de Lucca pela parceria no direito, Charlotte Heltai e Camila Valle, da Heymarket Books e NYC for Abortion

Rights, que gentilmente me hospedaram para a conferência Historical Materialism deste ano

em Nova York, assim como Felipe Vonno e Ramon Koelle, incansáveis camaradas e advogados do MTST. Agradeço ao meus pais, Norma e Aldo Sr., pelo carinho e apoio

permanente. Por fim, a todos os lutadores e lutadoras que desde junho de 2013 continuam nas ruas preenchendo nosso horizonte, decifrando a esfinge enquanto a constroem.

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Mónica Bergamo - O próprio PT faz críticas a Dilma. O senhor sempre fala que tem muito orgulho em ter saído com 85% de aprovação e ser o presidente mais bem avaliado do Brasil. O senhor tem vergonha de ter eleito uma presidente que foi a mais mal avaliada; Temer é o único que "ganha" dela.

Lula - Orgulho, Orgulho. Tenho muito orgulho de ter a Dilma.

M. Bergamo - Mas ela saiu pessimamente avaliada, presidente. o povo brasileiro... Lula - Nem todo filho consegue ter o sucesso que você teve.

M. Bergamo - Ela foi um fracasso, saiu mal avaliada…

Lula - O Pelé, não teve nenhum jogador como ele, nem o filho dele.

É importante lembrar que em 2013 a Dilma tinha quase 75% de preferência eleitoral, aprovação de 75%…

M. Bergamo - E em 2015?

Lula - Espera aí, deixa eu falar querida.

Depois do que aconteceu a partir de 2013, que eu acho que nem a imprensa avaliou direito, nem a esquerda, nem os cientistas políticos avaliaram direito, o que foi 2013?

E o que foi a Primavera Árabe? Sabe, aquela loucura…

Eu fiquei muito feliz quando derrubaram o Mubarak. Fiquei muito feliz! Porque conheci ele bem.

O Obama tinha acabado de ir lá fazer um discurso. O grande discurso do Egito.

Bem, aí derrubam o Mubark, elegem o Morsi. Em três meses, derrubam o Morsi. E quem tá governando?

Uma junta militar.

E não tem mais nenhuma manifestação na rua.1

1 Entrevista no cárcere da superintendência da Polícia Federal em Curitiba, realizada pelos jornais Folha de S.Paulo e El Pais com Luís Inácio Lula da Silvia. (Bergamo & Fernandes, 2019)

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RESUMO

A presente pesquisa investiga as causas, organizações promotoras e resultados das mobilizações de junho de 2013 pela análise da bibliografia que utiliza classes e frações de classes na compreensão do fenômeno.Ultrapassando o plano dos resultados imediatos, busca-se apontar desdobramentos políticos de médio prazo. Sustentamos, em primeiro lugar, que a composição social dos protestos, desde seu início majoritariamente de classe média, possibilitou seu sequestro por grupos anticorrupção. Em segundo lugar, esta mesma composição se expressou nas campanhas de rua em 2015-16 - favoráveis ou contrárias ao impeachment - revelando uma continuidade em relação a 2013. Terceiro, ao desmobilizar sua base eleitoral em 2014, o PT permitiu confluir a fração internacionalizada da burguesia e a mobilização de massas da alta classe média. Por fim, que os protestos encabeçados pelo MPL foram se metamorfoseando ao longo do acirramento dos conflitos entre projetos políticos distintos, desencadeando uma crise política de hegemonia da burguesia interna no bloco de poder. Esta crise levou ao fim da frente neodesenvolvimentista no Brasil e à restauração do neoliberalismo ortodoxo. Junto à bibliografia, o trabalho utiliza como fonte a imprensa autonomista, relevante para compreender a base, a direção e o programa do primeiro grupo promotor dos protestos, o Movimento Passe Livre (MPL).

Palavras-chave: movimentos sociais; classes sociais; movimentos de protesto; neoliberalismo; Partido dos Trabalhadores (Brasil)

Movimentos Sociais; Classes Sociais; Movimentos de Protesto; neoliberalismo; Partido dos Trabalhadores (Brasil)

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ABSTRACT

This dissertation investigates causes, initiator groups and results of the June 2013 mass mobilizations, analyzing the bibliography that uses classes and class fractions. Attention will be given to mid-term political consequences of those events. We will point out that the social composition of those protests, mostly middle class since their inception, allowed them to be hijacked by anti-corruption groups. Second, that this social composition, also predominant in the demonstrations in favor or against President Dilma Rousseff’s impeachment in 2015-16, express continuity with regards to 2013. Third, that the Workers Party (PT) strategy of class conciliation, through the demobilization of its base after the 2014 elections, lead the internationalized fraction of the bourgeoise to coalesce with mass mobilizations of the upper middle class. Lastly, that the protests lead by MPL metamorphosed with the intensification of conflicts between different political projects, triggering in the power block a crisis of political hegemony of the internal bourgeoise. This crisis leads to an end of the neodevelopmentalist front in Brazil, restoring orthodox neoliberalism. Along with the bibliography, this essay will use the autonomist press as a relevant source to explain the base, program and leadership of the first group responsible for calling the demonstrations, the Free Fares Movement (MPL).

Keywords: social movements; social classes; protest movements; neoliberalism; Workers Party (Brazil)

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LISTA DE TABELAS

Gráfico 1 - Frequência anual de protestos registrados na imprensa entre 2011 e 2016 ... 14

Gráfico 2 - Greves na indústria de transformação entre 2003 e 2016 ... 15

Gráfico 3 – Greves no setor de serviços entre 2003 e 2016 ... 15

Tabela 1 - Composição social dos protestos em 2013 ... 44

Gráfico 4 - Relação entre protestos e PIB entre 2011 e 2016 ... 46

Gráfico 5 – grupos sociais nos protestos ... 47

Gráfico 6 – Setores da classe trabalhadora nos protestos ... 48

Tabela 2 – grupos sociais nos protestos pré e pós de 2013 ... 48

Tabela 3 - Quantidade de greves nas empresas privadas e estatais, por setor econômico ... 49

Gráfico 7 - total de greves nas empresas privadas e estatais ... 50

Imagem 1 – Mapa da segregação racial – Terminal Pirituba ... 75

Imagem 2 – Mapa da segregação racial – Estrada do M`Boi Mirim ... 75

Imagem 3 – Mapa da segregação racial – Largo da Batata ... 76

Imagem 4 – Mapa da segregação racial – Avenida Paulista ... 76

Tabela 4 – Motivos de participação nas manifestações de 2013 ... 81 Tabela 5 - Composição social dos protestos em 2015-16 ... 108-109 Tabela 6 – Opinião e Boato entre os manifestantes anticorrupção ... 111-12

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGP - Ação Global dos Povos

CMI – Centro de Mídia Independente Conlutas – Coordenação Nacional de Lutas CUT – Central Única dos Trabalhadores ELP – Estudantes Pela Liberdade

MBL – Movimento Brasil Livre MPL – Movimento Passe Livre

MST – Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto MP – Ministério Público

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PCB – Partido Comunista Brasileiro PCO – Partido da Causa Operária PC do B – Partido Comunista do Brasil PF – Polícia Federal

PSL – Partido Social Liberal

PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados PT – Partido dos Trabalhadores

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro STF – Supremo Tribunal Federal

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas UMES – União Municipal dos Estudantes Secundaristas UPES – União Paulista dos Estudantes Secundaristas VPR – Vem pra Rua

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SUMÁRIO

Introdução ... 13

1. Classes e movimentos sociais ... 20

2. Metodologia ... 23

Capítulo I - Antecedentes... 28

1.Razões Econômicas: as contradições do neodesenvolvimentismo... 29

2. Mudanças no mundo do trabalho e na estrutura de classes... 33

3. A composição social dos protestos... 35

a) O precariado enquanto “Nova Classe” ... 36

b) O precariado enquanto parte do Proletariado... 39

c) A centralidade das Classes Médias... 42

4. Razões Políticas: das críticas ao reformismo fraco à pauta anticorrupção... 46

Capítulo II – O Movimento nas ruas ... 54

1. Origens e composição social do MPL... 54

2. A organização do movimento ... 63

a) Bases políticas e teóricas do MPL ... 72

b) MPL e o movimento social como um todo ... 72

3. Os protestos em junho... 74

3.1 Perfil dos participantes e motivos do protesto... 80

3.2 A capilaridade dos protestos... 82

3.3 Os “Black Blocs” e a violência... 84

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4.1 As classes sociais na Primavera Árabe ... 91

Capítulo III – O pós-Junho: muitas possibilidades, um único desfecho... 97

1. A crise política pós-2013 ... 99

2. A esquerda na crise ... 101

2.1 As ocupações dos secundaristas ... 102

2.2 A fragmentação da esquerda ... 105

3. A base social das mobilizações a favor e contra o golpe institucional... 107

3.1 A reorganização da direita... 110

Conclusão ... 114

Bibliografia ... 116

Anexo 1 – tabela de artigos publicados no #transportes do site Passa Palavra Anexo 2 – Linha de eventos dos protestos de 2013

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Introdução

Esta dissertação se propõe a discutir o processo político brasileiro relativo às manifestações que eclodiram em junho de 2013, mobilização que levou estimados 2 milhões de brasileiros às ruas de mais de 400 cidades – incluindo 100 mil manifestantes em São Paulo e no Rio de Janeiro – analisando suas causas, organizações promotoras, e resultados. Embora seja um fenômeno relativamente recente, já há um volume significativo de análises sobre os protestos na literatura (Maricato, 2013, Gohn, 2013, Alonso & Miche, 2015, Boito, 2018 Galvão & Tatagiba, 2019, Singer, 2018, Braga, 2013, Badaró, 2013, Purdy, 2018, Jourdan, 2018, Nogueira, 2014, Saad Filho & Morais, 2018, Ortellado, Pomar, Lima & Judensnaider, 2013, Cava & Cocco, 2013, Cavalcante & Aries, 2019). No entanto, as interpretações são bastante variadas, considerando desde “novos” sujeitos e movimentos (com destaque para a juventude, a onda de ativismos identitários em torno de questões de raça, gênero e orientação sexual, e para os novos grupos de direita) assim como “velhos” atores, sejam eles classes e/ou movimentos sociais em campanha por redistribuição.

Os protestos de 2013 começaram por uma demanda específica, a redução das tarifas no transporte público de São Paulo. No dia 02 de junho, as passagens de ônibus, trens e metrô foram reajustadas em 6% de RS 3,00 para R$ 3,20, retornando ao preço original no dia 20, após os protestos massivos verificados ao longo daquele mês. O Movimento Passe Livre (MPL), surgido em 2003 em Salvador e Florianópolis em defesa do transporte gratuito, foi a principal organização promotora das mobilizações entre o início de junho até o dia 20. Com os protestos se espraiando para outras cidades, as pautas e os atores foram se diversificando, surgindo novas reivindicações.

Ao analisar o período compreendido entre 2011 e 2016, Andréia Galvão e Luciana Tatagiba consideram que os protestos revelam "duas dinâmicas distintas: polarização política (em torno do eixo PT X anti-PT) e heterogeneização de atores e reivindicações, com uma permanência importante de conflitos de classe e o fortalecimento de conflitos estruturados em torno de outros pertencimentos identitários." (Galvão & Tatagiba, 2019, pág. 5). Ao mesmo tempo, o aumento significativo de ações de protestos registrados na imprensa, sobretudo em 2013, ocorre simultaneamente a uma onda de greves operárias (Galvão, 2019 pág. 75-6). Nas

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regiões metropolitanas, as greves e protestos estimularam os movimentos de moradia, resultando em “quase 700 ocupações entre 2013 e 2014, praticamente o triplo do que havia sido registrado nos dois anos anteriores” (Boulos, 2015, p. 20).

Dados do Dieese indicaram crescimento nas mobilizações dos trabalhadores desde 2008, quando ocorreram 411 greves no país, alimentando a hipótese defendida por Marcelo Badaró (2016, pag. 1149) de efeito bumerangue entre as greves e os protestos de junho. Entre 2011 e 2012 foram 554 paralisações, quantidade que salta para 2.050 em 2013, sugerindo uma possível relação entre as manifestações de junho e as mobilizações sindicais. Enquanto 2013 marca um salto nas atividades grevistas no setor de serviços (gráfico 3), é entre os trabalhadores da indústria - espaço em que os sindicatos operários são mais fortes - que as greves parecem seguir padrão mais próximo à onda de protestos registrada na imprensa (gráfico 1), cujo pico na quantidade de paralisações nas empresas ocorre no mesmo ano das maiores manifestações de rua (gráfico 2).

Gráfico 1- Frequência anual de protestos registrados na imprensa entre

2011 e 2016

* Fonte: Galvão e Tatagiba 2019, p.10. Frequência anual dos protestos entre 01/01/2011 a 31/08/2016, agregado por evento (N=1285).

108

260

445

147 153 172

2011 2012 2013 2014 2015 2016

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Gráfico 2 - Greves na indústria de transformação entre 2003 e 2016

Gráfico 3 – Greves no setor de serviços entre 2003 e 2016

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A alta nos números registrados nos gráficos 2 e 3 mostram que a intensificação dos protestos pré-junho segue os padrões do aumento de greves identificado pelo DIEESE (Galvão, 2019 p.75). Para Tatagiba e Galvão, "os protestos evidenciam queixas e insatisfações de um conjunto muito diverso de atores sociais, indicando uma conflitividade social crescente que extrapola a capacidade de incorporação política do lulismo" (p. 13).

Pablo Ortellado, Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar (2013) reconstroem de forma minuciosa os eventos do início de junho, sendo a explicação mais detalhada dos protestos. Dando fala ao movimento social, o livro Vinte centavos, a luta contra

o aumento (Editora Veneta) expressa um dos ângulos da perspectiva do MPL. Sua periodização

em torno da campanha pela redução da tarifa, porém, limita a narrativa até o dia 19, quando o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cede aos protestos e reduz o valor da passagem. O maior protesto do mês, que juntou 110 mil pessoas dia 20 na Avenida Paulista (Datafolha, 2013b), pontuado pelo enfrentamento físico entre direita e esquerda, é ignorado. Segundo André Singer (2018), “na segunda etapa dos acontecimentos, com as manifestações de 17, 18, 19 e 20 de junho, quando os protestos alcançam o auge, camadas da sociedade alheias ao MPL entram em cena”. (p. 208)

Estimulados pela intensificação do ativismo político ocorrido durante os governos petistas (Tatagiba & Galvão, 2019), assim como pela expansão desordenada das cidades durante o período de crescimento econômico precedente (Maricato et al, 2013), a causa que originalmente levou as organizações promotoras às ruas não parece ser aquela que possibilitou a massificação dos protestos. Junto a demanda por outros direitos sociais (saúde, educação) e a crítica aos gastos públicos para obras da Copa de 2014 e Olimpíada de 2016, medidas anticorrupção em tramitação no Congresso Nacional ganharam o holofote central. Angela Alonso e Ann Mische (p. 2, 23-24) identificam a violência policial contra os manifestantes enquanto elemento importante para a nacionalização do movimento. Ao mesmo tempo, se enquanto para Ortellado et al (2013) dia 14 de junho a pauta por direitos à cidade passa a competir com bandeiras anticorrupção introduzidas no movimento através da internet, este processo, para Singer (2018, p. 207-8) acompanha mudanças na composição social dos protestos.

A partir do segundo fim de semana do mês, destaca-se a oposição à PEC 37, que limitaria o poder de investigação do Ministério Público, entre as bandeiras dos manifestantes. Parcela da sociedade, principalmente na alta classe média, interpretou a medida como um incentivo à impunidade, especialmente no caso de acusações contra políticos. O apoio à pauta

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anticorrupção, que já havia ganhado destaque com as denúncias do chamado “mensalão” encontrou respaldo na manifestação realizada dia 20 na Avenida Paulista. Em pesquisa realizada pelo Datafolha nessa data, Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, aparecia em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidente, mencionado por 30% dos manifestantes. Marina Silva pontuava em segundo com 22% e Dilma em terceiro, com 10% (Datafolha, 2013b). Como explicar essa mudança de pautas? Em que medida a composição de classe dos manifestantes contribui para compreendê-la?

Mesmo que engajados pela tarifa zero e assumindo-se como uma organização simpática às necessidades das classes trabalhadoras2, o MPL é geralmente analisado a partir de uma

perspectiva geracional, como um movimento de juventude ou de estudantes sem vínculos ao movimento socialista. Sua caracterização enquanto expressão de um novo paradigma político e social – livre das amarras de classe do século XX - aparece com frequência na literatura sobre 2013. Gohn apresentará o coletivo como um “novíssimo movimento social” (Gohn, 2013, pág. 44) para diferenciá-lo dos "novos movimentos sociais” associado a pautas identitárias e de

esquerda3. Enquanto o MPL seria um movimento social com existência e espaço próprio, a

velocidade e dispersão territorial dos protestos de 2013 o tornou apenas mais um elemento entre "muitos outros atores, incluindo diferentes movimentos sociais, que foram às ruas e muitos protestos que surgiram, um após o outro, sem clara coordenação, formando um ciclo de ação coletiva" (Alonso e Mische, 2015, p. 10).

Alonso e Mische (2015) enfatizarão que junho inaugura um novo ciclo de protestos, conformado por autonomistas, socialistas e patriotas. Os primeiros são movimentos

2 O conceito de classes trabalhadoras, no plural, tem enquanto objetivo abarcar a pluralidade das formas de trabalho contemporâneas. Segundo Galvão (2011) nem todos aqueles que vivem do trabalho devem ser identificados como “proletariado" ou “classe operária”. Ao incluir as classes médias e a pequena burguesia, o conceito de classes trabalhadoras engloba “trabalho manual e não manual, produtivo e improdutivo, assalariado e não assalariado, tarefas de direção e de execução.” (p. 111)

3 Segundo Cox, Krinsky e Nilsen (2013) “No continente europeu, aonde o estalinismo e os marxismos dissidentes ainda dominavam a esquerda, intelectuais engajados como André Gorz, Alain Touraine ou Rudolf Bahro e acadêmicos como Alberto Melucci – engajados nos Novos Movimentos Sociais – extraíram muito do formato geral da analise marxista, pensando um novo modelo por entenderem que mudanças fundamentais macro-históricas haviam ocorrido nos países de bem estar social ou “sociedades pos-industriais.” (...) As derrotas sofridas pelas “organizações do trabalho” ao final dos anos 70 e 80 junto à perspectiva cada vez mais conservadora dos partidos stalinistas e socialdemocratas, assim como das estruturas sindicais que os acompanhavam, contribuíram ao apelo desta perspectiva.” (p.4-5)

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independentes e inovadores que, sob inspiração dos protestos anti-globalização, recuperam várias formas de contra-cultura, como a estética punk, valores libertários e anarquistas. O MPL corresponderia a essa primeira categoria. Os segundos são grupos mais tradicionais de esquerda, oriundos do movimento operário e de partidos políticos, que recorrem a um repertório de ação mais tradicional e apresentam demandas com uma tônica redistributiva. Os terceiros são nacionalistas, que se valem de ações e símbolos convencionais, recuperando o verde e amarelo e a bandeira nacional, e tal como no Fora Collor, enfatizando a temática da anticorrupção. A despeito dos três repertórios, segundo as autoras, o movimento se divide em dois campos de ação estratégica essencialmente antipetistas, com “todos os manifestantes fazendo exigências e denunciando o governo: por eficiência estatal (incluindo pedidos por um Estado melhor e/ou menor), contra a partidarização (oposição à representação política dos partidos, ao governo do PT ou por auto-governo) e contra a repressão policial. Porém, constituíram dois campos de oposição, um situado à esquerda e outro à direita do governo federal, que é dirigido por uma coalizão de centro-esquerda.” (p. 25)

Enquanto as autoras recusam o conceito de classe, outra parte da literatura analisa junho a partir desse recorte, embora não defina classe da mesma forma, nem identifique as mesmas classes em ação. Segundo Ruy Braga (2013) os protestos de junho trataram da insubordinação do precariado, uma parcela da classe trabalhadora precarizada e descontente com os limites das políticas petistas. Já para Singer (2018) se trata de uma combinação entre a nova classe trabalhadora e a classe média tradicional, enquanto para Armando Boito (2018) e Alfredo Saad Filho e Lécio Morais (2018), foi um movimento predominantemente das classes médias e suas frações. Marcelo Ridenti (2013), por sua vez, destaca como a consolidação da democracia liberal, a massificação da cultura e a multiplicação do acesso à internet foram pré-requisitos centrais para mover as classes médias em 2013. Em 2012, o Brasil já tinha 94,2 milhões de pessoas conectadas à internet, quase três vezes mais que em 2005, então o quinto país do mundo em conexões. Erminia Maricato (2013) também chama atenção para o papel das redes, mas destaca a importância de associar a composição de classe dos protestos à questão urbana, afirmando que “talvez a condição de jovens, predominantemente de classe média, que compunha a maioria dos manifestantes exigia uma explicação um pouco mais elaborada, já que foi antecedida dos movimentos fortemente apoiados nas redes sociais. Mas no Brasil é impossível dissociar as principais questões, objetivas e subjetivas desses protestos, da condição das cidades.” (Maricato, 2013, p. 22).

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Outros autores também utilizam o conceito de classe, mas de uma forma que o dilui em distintas categorias, parcialmente dissolvidas na sociedade de redes (Nogueira, 2013) ou substituídas por uma multidão articulada por interesses relativamente uniformes (Cava & Cocco, 2013). Tratando a multidão enquanto ator político4, esta literatura focada em redes

considera a relação entre a economia política e os movimentos sociais menos relevantes por se tratar não mais de "uma luta meramente contra a privatização, o mercado ou o neoliberalismo, como nas décadas passadas, segundo o modelo dicotômico público x privado, – mas uma luta multitudinária que foi diretamente ao coração do público, que não distingue entre estado e mercado, entre a burocracia e o aglomerado de interesses empresariais, financeiros e mafiosos (três interesses que, no fundo, são o mesmo) que também e sobretudo são estado” (Cava e Cocco, 2013, p.15).

O conceito de multidão, ao permitir tratar o movimento como ator unificado, acaba por secundarizar as expressões ideológicas do conflito entre as frações das classes médias. Cava e Cocco (2013) e Nogueira (2013) identificam nos protestos uma nova direção geracional para a sociedade civil, que se constrói em oposição radical ao PT, cuja fome pelo poder estatal teria levado a perder influência sobre as novas gerações, em parte pela sua própria corrupção moral. A natureza carismática da dominação de Lula, que se distanciaria de um modelo mais burocrático, e teoricamente mais institucional, da época de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB seria uma das explicações para este fenômeno. A ideia do Partido dos Trabalhadores enquanto partido populista, e não um partido de origem operária, leva Nogueira a concluir que o PT abandonou a disputa pela sociedade civil.

O que une as interpretações de Nogueira (2013), Gohn (2013), Cava e Cocco (2013, 2015), Alonso e Mische (2015) é a superestimação dos conflitos políticos e ideológicos entre MPL e o Partido dos Trabalhadores, assim como a secundarização dos vínculos do grupo com o movimento popular, sindical e estudantil entre 2011 e 2013.

4 Segundo Cocco (2015) “a multidão não é uma manifestação em si, mas o fazer-se de uma subjetividade que se

mantém múltipla” também afirmando no mesmo trabalho que “o conceito de “multidão” não é aquele de um projeto político, mas a definição ontológica da nova condição do trabalho e da luta (da política) no capitalismo contemporâneo. Política e economia nunca se separam no fazer-se da multidão como nova realidade ontológica do social.” Cocco (2015) também afirma que “o binarismo do poder pode ter derrotado a multidão de junho, mas nunca vai conseguir cooptá-la.” Por “binarismo do poder” Cocco se refere à divisão dos protestos de 2015-16 entre favoráveis ao impeachment e aqueles contrários ao golpe.

(21)

Este trabalho pretende contribuir para sistematizar o debate sobre esse fenômeno político recente, trazendo algumas reflexões sobre a composição social das manifestações e seus desdobramentos. Para isso, recorreremos à literatura recente sobre movimentos sociais, que vem recuperando o conceito de classe para a análise de protestos.

1. Classes e movimentos sociais

Conforme a perspectiva teórica utilizada nesta dissertação, os movimentos sociais são “formas mediadas de expressão da luta de classes” (Barker, 2013, p.47). Isso significa que os movimentos sociais se referem aos problemas que surgem das características centrais do capitalismo e às particularidades concretas que esses problemas assumem em diferentes contextos históricos. No entanto, essa é uma perspectiva de análise marginal no campo. Segundo Hetland e Goodwin (2013), o termo “capitalismo” foi amplamente retirado dos estudos contemporâneos de movimentos sociais, em particular devido à influência do pós-modernismo, o declínio do marxismo na academia e o papel relativamente diminuído dos movimentos tradicionalmente baseados na classe operária, como sindicatos e partidos políticos de esquerda (Purdy, 2017, p.12).

Segundo Sean Purdy (2017), as classes sociais são pouco utilizadas como categoria de análise para novos movimentos sociais na América Latina, em particular nas leituras mais influenciadas por estudos de redes sociais e internet. Conflitos geracionais tendem a ser superestimados, em detrimento de conflitos de classe, o que nos leva a testar seu potencial explicativo.

Em nossa concepção, as classes sociais não constituem atores definidos de modo ideologicamente uniforme e organizados politicamente em uma única entidade. Elas são divididas internamente conforme seus interesses, apresentando vários pontos de conflito. Assim, as classes sociais são entendidas nesta dissertação não como blocos homogêneos e opostos utilizando o conceito de burguesia e classe trabalhadora de modo genérico, mas identificando a existência de “diferentes frações da burguesia - dotadas de interesses específicos e intervindo de maneiras diversas no processo político nacional - e a diversidade das classes trabalhadoras - o operariado e seus diferentes setores, a classe média e suas frações, e também, a massa marginalizada, que tanto se expandiu nos anos de capitalismo neoliberal.”

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(Boito & Galvão, 2012,p.8). Embora a ação coletiva não seja explicada apenas pelas classes sociais, havendo distintas formas de dominação e opressão, o conceito permite a identificação dos processos, tendências e relações de médio e longo prazo em torno das estruturas da sociedade.

Esse ponto nos permite refletir sobre os desdobramentos políticos de 2013 de um modo distinto de Alonso e Mische (2015). As autoras entendem que são os patriotas o grupo que permanece na rua a partir de 2014, em torno do conservadorismo moral e de uma posição política que vai se definindo em torno da questão do impeachment. Já o conceito de classes permite identificar os interesses em jogo e refletir sobre a inserção do Brasil na economia globalizada, observando relações sociais em plano nacional e internacional.

A interação entre diferentes classes sociais em um mesmo movimento leva Colin Barker (2014) a recuperar a ideia de "movimento social como um todo”, elaborada por Karl Marx em 1869. Junto à ação dos operários, a mobilização de setores da pequena burguesia e dos camponeses pobres era politicamente indispensável, segundo Marx, para derrubar o império britânico e seu governo.5 A consideração como um “todo”, nos termos de Barker, não significa

que o movimento social seja uma entidade homogênea. A imagem interligada de uma “rede” é mais adequada do que a de uma "“organização". "Assim como uma renda, redes de movimentos podem ter múltiplos padrões; elas consistem em diversos agrupamentos, organizações, indivíduos e assim por diante, entrelaçados de maneira variada em relações de cooperação e (algumas vezes) antagonismo.” (p. 12)

A hipótese deste trabalho é que os protestos de 2013 envolveram uma diversidade de classes e movimentos sociais nas ruas, que se mobilizaram por razões distintas, sendo que a mobilização da alta classe média nos protestos e nas instituições estatais, sob a bandeira da anticorrupção, se impôs de cima para baixo a partir de 2014. Canalizada institucionalmente pelos setores politicamente ativos do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal organizados pela operação Lava Jato, o “ingresso da alta classe média como força social ativa e militante no processo político”, foi a principal novidade de 2013 (Boito, 2016, p. 29). Entre

5 Segundo Barker “Para Marx e Engels, antagonismos e contradições internas ao movimento social poderiam atrasar o conjunto do seu desenvolvimento. Assim como a escravidão retardou o movimento independente dos trabalhadores nos Estados Unidos, preconceitos dividiram e contiveram tais movimentos na Inglaterra. Neste último caso, a luta de base camponesa pela independência irlandesa era, na visão de Marx, o “fermento" que poderia transformar a situação para o “movimento social em geral””. (Barker, 2014, p. 9)

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2015-16 a alta classe média, sob a direção de uma fração da burocracia do Estado (Boito, 2018, pág. 256), estimulou e auxiliou a fração internacionalizada da burguesia a restaurar o neoliberalismo no Brasil (Singer, 2018)6. A confluência entre a mobilização institucional e de

massas com o esgotamento da relação parlamentar entre o PT e a fração internacionalizada da burguesia representada pelo PSDB no Congresso, desestabilizou politicamente o governo Dilma Rousseff levando frações burguesas que a apoiaram em outubro de 2014 a romper com o governo reeleito entre 2015-16 (Boito, 2018).

O conceito de classes e fração de classes permite identificar de qual forma o acúmulo de contradições no bloco no poder7 resultou na expulsão das organizações iniciadoras do

movimento no dia 20 de junho, assim como a substituição das pautas por direito à cidade8 pela

6 Exemplo de confluência entre a classe média alta e a burguesia internacionalizada se expressa, por exemplo, nos diálogos mediados pela agência de investimentos XP entre o chefe da força-tarefa da Lava Jato e os bancos JP Morgan, Morgan Stanley, Goldman Sachs, Merrill Lynch e Citibank de Nova York, State Street, de Boston, Barclays, Standard Chartered e Royal Bank of Scotland, de Londres, Macquarie Capital de Sydney, Dominion Bank de Toronto, BNP Paribas, Natixis e Societe Generale de Paris, Credit Suissee e UBS de Zurique, Deutsche Bank de Berlin, Banco Nomura de Tóquio e o espanhol Santander durante as eleições de 2018. (Audi, Demori e Martins, 2019) Deve se destacar que a relação entre burguesia bancária interna e bancos internacionais é marcado por cooperação e conflito. Segundo relatório do banco Goldman Sachs, “Fintec Brazil’s Moment” publicado em 2017 e reportado nos jornais Financial Times (Leahy, 2017) e New York Times (Sreeharsha, 2017), o sistema bancário brasileiro é “uma estrutura de mercado oligopolista”, descrita como uma das mais fechadas do mundo, e cuja abertura para “Fintecs” associadas ao capital estrangeiro poderiam movimentar até 24 biliões de dólares nos próximos 10 anos. Apresentados como exemplos de inovação “Fintec”, os bancos Original e Nubank são contrapostos pelo Goldman Sachs aos bancos Bradesco e Itaú, descritos como barreiras à abertura e modernização do mercado. Segundo FT, “A emergência do Nubank, que levantou 180 milhões de dólares com seis grupos de capital de risco, inclusive o grupo financeiro Sequoia, despertando interesse de investidores no potencial de novas tecnologias em novas empresas de serviço financeiro na maior economia da América Latina”. (Leahy, 2017) Enquanto meio termo entre a burguesia nacional e a burguesia compradora, a parcela financeirizada do grande capital interno – Bradesco e Itaú - foi deslocado a partir de 2015 pelo grande capital internacional para a oposição ao governo.

7 Bloco no poder constitui o conjunto de classes dominantes que exerce o poder de Estado. Para uma explicação deste conceito elaborado por Nicos Poulantzas e sua aplicação à estrutura de classes no Brasil, ver Boito. (2018, p.19-26). Conforme esse referencial teórico, hegemonia refere-se à capacidade de uma fração de classe burguesa se sobrepor às outras no interior do bloco no poder, direcionando o poder de Estado para sua estratégia de acumulação de capital.

8 Segundo David Harvey (2013), “O direito à cidade “não pode ser concebido como um simples direito de visita ou um retorno às cidades tradicionais”. Ao contrário, “ele pode apenas ser formulado como um renovado e

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ideologia neoliberal da anticorrupção9. Enquanto pode-se apontar que os germes do movimento

anticorrupção de 2015-2016 estavam presentes em 2013, é pouco frutífero explicar o processo por seu resultado final. Os protestos de junho continham diversos outros ingredientes, e uma massa dos manifestantes, que apesar da derrota conjuntural, ao participar com entusiasmo das mobilizações multitudinárias certamente não se esqueceram delas.

2. Metodologia

A presente pesquisa possui natureza fundamentalmente bibliográfica, uma vez que seu objetivo é fazer um balanço da literatura, sobretudo aquela que trabalha com conteúdo de classe. Também utiliza fontes primárias, dentre as quais entrevistas com quadros do MPL e a imprensa autonomista, a fim de fundamentar a análise proposta.

Foram realizadas 13 entrevistas com 8 dirigentes e ex-dirigentes do movimento sobre a estrutura do MPL, assim como questões de estratégia e tática.10 Atendendo a pedidos tanto dos

transformado direito à vida urbana”. A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que um direito de acesso à aquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade mais de acordo com o desejo de nossos corações.” (p. 28)

9A anticorrupção, segundo Bratsis (2017), rompe com a ideia clássica da corrupção enquanto decadência e

destruição, passando a entende-la como falta de transparência. Movimento também estruturado em torno da organização Transparência Internacional, a anticorrupção cumpre duas funções ideológicas no neoliberalismo. Ao exigir um padrão técnico de transparência institucionalizada de Estados no sul global em que a correlação de forças é permeada por arranjos opacos, ela contribui para aumentar a autonomia do Estado em relação às classes populares, abrindo espaço para o capital transnacional. Segundo, ao propor quantificar internacionalmente o risco da corrupção, cria uma hierarquia entre países que reproduz padrões e conceitos neocoloniais. Segundo Bratsis, “Como o capital transnacional ganhou em importância na era global, a sua vontade para atender a interesses e demandas locais foi reduzida. Consequentemente, ele pressiona as estruturas institucionais que estão ligadas à governança tecnocrática, e são capazes de agir, em oposição às demandas populares e contra as preferências de muitas elites locais.” ( p. 30)

10 Fonte importante desta revisão bibliográfica também serão três entrevistas dadas por Fernando Haddad, uma extensa em português para a Revista Piauí e duas para a imprensa estrangeira. Além de fonte secundária, as entrevistas de Haddad são importante perspectiva de análise, dada sua formação em economia política. Também são fontes primárias desta pesquisa entrevistas realizadas pelo autor da dissertação com Michael Bourawoy (2015), Michel Lowy (2015), Guilherme Boulos (2016), Tarik Ali (2017) e Noam Chomsky (2019).

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entrevistados como do movimento, as citações no presente trabalho foram obtidas unicamente em registros públicos da mídia escrita.11 A partir da direção, da base e do programa do MPL,

discutiremos a caracterização social desse grupo e sua relação com as duas classes sociais fundamentais.

A produção bibliográfica do movimento autonomista de São Paulo, em geral produzida por estudantes universitários oriundos da classe média, teve enquanto principal centro o site Passa Palavra. Parte importante das elaborações do grupo que compunha o núcleo Passa Palavra / MPL foi publicado em Movimentos em Marcha: ativismo, cultura e tecnologia (org. Ortellado, Rhatto e Parra, 2013). Esse livro, distribuído pela internet pouco antes dos protestos de junho, trata das Marchas pela Liberdade, que mobilizaram em São Paulo setores similares à base social do MPL12 durante a fase ascendente do ciclo de protestos entre 2011 e 2013. Entre

2009 e 2012, o Passa Palavra publicou 163 entradas sobre #transportes, 118 em 2013 e 147 entre 2014 e janeiro de 2016.

O livro Escolas de Luta de Antônia Campos, Jonas Medeiros e Márcio Ribeiro (2016), com introdução de Ortellado, destaca o papel do site Passa Palavra na organização das ocupações de escolas em São Paulo durante o fim de 2015, assim como na identificação dos vínculos entre o movimento e o MPL. Já o livro Junho: Potência das ruas e das redes editado por Jean Tible, Hugo Albuquerque, Alana Morais, Bernardo Gutiérrez, Henrique Parra e Salvador Schavelzon (2014), publicou o principal balanço do processo pela direção do movimento, texto intitulado “Revolta Popular: O limite da Tática” (Martins & Cordeiro, 2014), originalmente divulgado no site Passa Palavra. O principal trabalho que interpreta a política do MPL para os protestos de 2013 usando o Passa Palavra foi redigida por Paulo Arantes no livro

O Novo Tempo do Mundo (2014, em particular p. 353 a 461). Ressaltando o debate estratégico

do grupo, Arantes diferencia o MPL de parte relevante dos movimentos sociais contemporâneos por sua recusa à participação institucional na gestão de conflitos sociais. Parte

11 Para evitar qualquer tipo de identificação pessoal, o nome dos ativistas entrevistados foi ocultado nas referências, sendo substituído por letras.

12 Segundo Henrique Carneiro (2013) “socialmente o movimento é, obviamente, majoritariamente de classes médias, estudantes e gente ligada à mídia e à produção cultural. Isso é muito positivo, pois representa uma radicalização política das classes médias ilustradas e progressistas que se contrapõe ao fortalecimento do fundamentalismo religioso homofóbico e conservador.” (p. 128)

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importante das fontes trabalhadas na presente pesquisa se encontra primeiro no texto de Arantes (p. 404 a 424). Já o presente trabalho também procura identificar como o Passa Palavra possivelmente atuou enquanto “organizador coletivo” do núcleo dirigente dos primeiros protestos de 2013.

Um exemplo clássico de imprensa que atua enquanto organizador coletivo, segundo Lambert (2019), foi a publicação El Moudjahid, órgão editado por Frantz Fanon e impresso clandestinamente na Tunísia durante o conflito anticolonial argelino, conduzida nos anos 50 pela Frente por Libertação Nacional (FLN). Lambert (2019) destaca cinco publicações contemporâneas internacionais - Métagraphes da França, Pathways da África do Sul, Kohl do Líbano, Pensaré da Espanha e México, e Mada Masr do Egito - como parte de uma nova imprensa subalterna fortemente integrada à internet que canaliza debates estratégicos e táticos dos movimentos populares e sociais.13 A esta lista poderíamos também adicionar o site Passa

Palavra, que entre as jornadas contra o aumento da tarifa de 2011 até os protestos de junho de

2013 funcionou como órgão do MPL. Segundo Lambert, a nova geração de publicações ligadas a movimentos sociais coloca à prova perguntas estratégicas (transformadas estruturalmente pela internet) que também existiam na imprensa subalterna do século XX.14 Entre as

13 Edição dedicada à imprensa subalterna da revista francesa The Fundambulist (2019, No 22), editada por Lambert, destaca como parte da primeira geração da imprensa subalterna no século XX, além do jornal l Mujahid, a publicação The Black Panther entre 1967 a 1978, jornal do movimento negro norte-americano (Rhodes, 2019), o PFLP Bulletin, órgão da Frente Popular pela Libertação da Palestina publicada em Beirute de 1968 a 1984 (Abdullah, 2019), The Koorier, Te Hokioi e Réveil Kanak, publicações aborígenes, maoris e kankas do pacífico sul durante o final dos anos 60 aos até os anos 80 (Stastny, 2019) assim como a revista e os cartazes da

Tricontinental, publicada de 1967 até hoje pela Organização de Solidariedade entre Povos da África, Ásia e

América Latina (OSPAAAL) baseada em Havana (Macphee, 2019).

14 Segundo Lambert é possível identificar similaridades e diferenças entre revistas de distintas gerações que publicam sobre as lutas sociais. Perguntas como “sobre quem consegue falar? Sobre o que, e quando? Como? De onde e em qual língua? Com qual resposta? Em qual forma é falado? Os leitores acham os conteúdos acessíveis? Qual a influência de seu feedback? Somadas a essas perguntas, há outras mais técnicas, que são inerentes à publicação (neste caso impressa): Quem imprime? Que tipo de papel e tinta? Quais são as redes de distribuição? É de graça, e se não, qual o preço? Ele muda segundo o contexto ou status social dos leitores? Como se recicla cópias defeituosas? Em qual bairro o escritório se baseia? Sem esquecer as questões fundamentais ligadas as relações dos membros do time editorial: Há hierarquia ou ela é inteiramente horizontalista? Gênero, raça, classe, habilidade ou idade afetam de que forma estas relações? Quanto cada um dos membros recebe pelo trabalho? Todos se sentem confortáveis no local de trabalho? Quem faz parte do processo decisório? Quem fala em publico pela publicação? Quem faz o chá ou café?” (p.16, 2019)

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publicações contemporâneas apresentadas por Lambert, Mada Masr e Kohl, por exemplo, apenas existem em versão digital.

A imprensa autonomista permite identificar com destaque três autores: João Bernardo (1991, 2003), Manolo (2011) e Felipe Correia (2013), como eixos político-ideológicos do MPL. Este núcleo de elaboração programática usou a internet para fazer balanços e traçar perspectivas, assim como organizar o movimento. Apesar da hostilidade aos sindicatos e ao Estado (o MPL sendo descrito por Haddad (2018a) como “antiestatal”) a perspectiva programática do grupo se apresentava como marxista, se relacionando mais com a tradição petista que o movimento anarquista, ao contrário do descrito em parte da bibliografia. (ver capítulo 2)

Para identificar a natureza de classe dos protestos recorremos também às pesquisas de opinião feitas com os manifestantes, sobretudo as pesquisas do Datafolha e Ibope em 2013 e da Fundação Perseu Abramo em 2015. O jornal Folha de S. Paulo foi utilizado para reconstruir a cronologia dos protestos e para recuperar as informações apresentadas pela mídia sobre esse movimento15.

Feitos esses esclarecimentos, apresentamos a seguir a estrutura da dissertação.

O primeiro capítulo recupera alguns elementos mais gerais do contexto político do período no qual os protestos de junho emergem. A partir da reconfiguração na correlação de forças entre o bloco no poder e as classes populares após a eleição do PT à presidência em 2003, procurará identificar a relação dos protestos de junho com a crise de hegemonia da grande burguesia interna, que perde a posição ocupada no bloco do poder durante os governos petistas em meio ao surgimento de uma nova burguesia do setor de serviços, abrindo caminho para o retorno do neoliberalismo ao Brasil. A bibliografia que trabalha a relação entre classes, suas frações e sua relação com o poder de Estado, assim como a que trata das mudanças no mercado de trabalho durante os governos Lula e Dilma, serão revistas neste capítulo, assim

15 As duas primeiras menções ao MPL na Folha de S. Paulo ocorreram em espaços marginais. (Folhateen, 24/04/2006; Painel do Leitor, 24/07/2008) Já o primeiro relato no jornal de protesto do movimento ocorreu no final de novembro de 2008, quando "fotos de [Claudio] Lembo e de [Gilberto] Kassab foram coladas em caixas de papelão, e o "enterro" ocorreu em frente à prefeitura.” (Tamari, 29/11/2008) A segunda Jornada contra o aumento da tarifa de R$ 2,30 para R$ 2,70, foi noticiada pela Folha Online no final de 2009 quando ativistas do movimento se acorrentaram na prefeitura em protesto (Folha, 26/10/2009).

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como sua relação com a hipótese do surgimento na base da pirâmide de uma nova classe ou fração de classe proletária, o “precariado”.

O segundo capítulo, baseado na narrativa de Ortellado et al (2013) e da imprensa autonomista, tentará identificar as perspectivas teóricas do MPL e a relação entre os protestos encabeçados pelo grupo e o movimento social como um todo, assim como as articulações anticorrupção. Para isto, se utilizará de dados do Dieese e do banco de dados de análise de eventos de protesto desenvolvido por Tatagiba e Galvão (2019) na Unicamp. O terceiro e último capítulo, sobre as consequências de junho, debaterá a composição social das duas principais campanhas de rua em 2015-16, favoráveis ou contrárias ao impeachment, e sua relação com 2013.

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Capítulo I - Antecedentes

O presente capítulo pretende identificar a dinâmica de classes na crise de hegemonia da grande burguesia interna no bloco no poder, desencadeado pelos protestos de junho de 2013. Buscaremos inicialmente verificar como as mudanças no mundo do trabalho durante o período de governos petistas, que denominaremos neodesenvolvimentista, afetaram as estruturas de classes no Brasil. Em seguida, examinaremos as razões políticas, ideológicas e econômicas que levaram o Movimento Passe Livre (MPL) a perder espaço nos protestos e ser substituído ao longo do mês por uma direção encabeçada por novos grupos anticorrupção.

A política neodesenvolvimentista, definida por Armando Boito (2018) como o “desenvolvimentismo possível dentro do modelo capitalista neoliberal periférico.” (p. 57), compreendia uma nova correlação de forças entre as classes dominantes no interior do bloco no poder e uma nova relação entre estas e os trabalhadores, fossem eles sindicalmente organizados ou mais precários e desorganizados. Estes últimos, denominados por Boito de

massa marginal, são identificados por Marcio Pochmann (2012) na sociedade em “crescente

polarização entre os dois extremos com forte crescimento relativo: os trabalhadores na base da pirâmide social e os detentores de renda derivada da propriedade” (p. 22). O neodesenvolvimentismo viabilizou uma aliança de classes "em torno de políticas econômicas levemente heterodoxas e um impulso ligeiramente mais forte rumo à distribuição de renda na margem. No contexto de prosperidade global sem precedentes de meados dos anos 2000, essas políticas desencadearam um pequeno boom no Brasil” (Saad Filho e Morais, 2018 p. 21). Por que esse arranjo e essa aliança se deterioram a partir de 2013? Três hipóteses presentes na literatura serão revisadas16: o movimento de protestos em 2013 enquanto expressão de uma

nova classe, o “precariado” de Guy Standing (2013, 2016) ou, de modo relativamente distinto, enquanto mobilização desse setor precarizado do proletariado (Braga, 2013); enquanto expressão de distintas frações de classe média (Boito, 2013 e Cavalcante e Arias 2019), e por

16 Patrocinada pelo Centro Internacional para o Desenvolvimento e o Trabalho Digno, instituição próxima à Organização Mundial do Trabalho (OIT), a edição “Política da precariedade: engajamentos críticos com Guy Standing” da revista Global Labour Journal (Vol.7 No.2, publicada em 2016 na cidade de Johannesburg) será fonte para o presente debate teórico. Editada por Marcel Paret, a revista trás considerações críticas ao conceito por Jennifer Jihye Chun, Erik Olin Wright, Ruy Gomes Braga e Ben Scully, assim como uma resposta de Standing.

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fim como hibrido entre o proletariado precarizado e as classes médias tradicionais (Singer, 2013, 2018).

Segundo Saad & Morais (2018), “Tentativas de desafiar o papel conservador do Estado sempre desencadearam turbulências políticas no Brasil - por exemplo, nos anos 1920, 1944-45, 1953-55, 1961-64, 1977-84, 1985-88 e a partir de 2013.” (p. 26) A capacidade de absorção do Estado brasileiro, porém, está diretamente ligada a seu desenvolvimento desordenado em escala nacional. Estes desequilíbrios, para Saad Filho & Morais, ocorrem pelo Estado ser forte “verticalmente” e fraco “horizontalmente” – isto é, ele possui ampla capacidade de repressão, genocídio étnico, escravização dos negros e criminalização da pobreza, porém dificuldade em mediar conflitos entre diferentes frações das burguesias locais. A classe dominante, quase toda ela branca, tende ao pragmatismo nas disputas internas, se movendo por um mínimo múltiplo comum, atuando acima de tudo de forma pragmática. O Estado brasileiro espelha esta realidade, administrado por “uma burocracia que, com frequência, se divide entre a implementação de políticas definidas por interesses setoriais (incluindo os da própria burocracia) e a busca pragmática por políticas determinadas por mínimos denominadores comuns” (Saad Filho e Morais, 2018 p. 27).

Argumentaremos que as fragilidades organizacionais da grande burguesia interna, cuja principal expressão histórica é a ausência de representação partidária própria, empurraram esta fração de classe a se representar através e por dentro do PT - cuja origem no movimento operário o coloca em permanente tensão com o Estado - tornando o elo entre os governos neodesenvolvimentistas e a grande burguesia interna relativamente frágil. Este processo ocorre em paralelo, desde os anos 90, a desindustrialização nacional e o surgimento de uma nova burguesia de serviços, reconfigurando a estrutura da política de classes brasileira no longo prazo.

Esta relação se desequilibra após os protestos de 2013, quando a classe média alta, até então ator político passivo, ganhou nova relevância política.

1.Razões Econômicas: as contradições do neodesenvolvimentismo

Durante os 13 anos de governo Lula e Dilma, promoveu-se no Estado capitalista brasileiro uma nova hegemonia no interior do bloco no poder, na qual a fração interna da grande burguesia - que ao longo da redemocratização ocupou papel secundário em relação ao grande

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capital financeiro internacional – passou ao centro da política econômica nacional e externa, sendo a fração de classes que mais ganhou com os governos democráticos e populares. A contradição ou fracionamento principal durante este período se deu entre os grandes empresários da construção civil, agronegócio, mineração e petróleo, indústria nacional e setor bancário nacional, de um lado, e a ala internacionalizada, diretamente ligada aos mercados financeiros dos Estados Unidos e União Europeia, assim como grandes empresas transnacionais e seus associados, de outro. Ao escolher administrar o estado capitalista, o PT -principalmente após a crise do chamado “mensalão” em 2006 – o fez enquanto representante da burguesia interna. Através do aquecimento do mercado de consumo e incentivo às exportações, este modelo se distingue do neoliberalismo vigente nos anos 90, embora não rompa com ele (Boito, 2018).

A longo prazo, a transição ao regime de acumulação neoliberal iniciada em meados dos anos 80, em paralelo à redemocratização (Saes, 2001) implicou duas importantes modificações na estrutura da classe dominante brasileira. A primeira foi o enfraquecimento da burguesia nacional de Estado, uma fração da grande burguesia interna, formada centralmente pela cúpula das empresas públicas, boa parte das quais foram privatizadas durante o fim do século XX. Segundo Boito (2018), “Entre 1989 e 1999, dentre as 40 maiores empresas operando no Brasil, o número de estatais caiu de 14 para apenas 7”. (p. 30) Ao lado deste processo, é também possível identificar o surgimento daquilo que Boito descreve como uma “nova burguesia de serviços” (p. 28), que seriam os principais beneficiários do recuo na prestação de direitos básicos providenciados pelo Estado. Essa fração burguesa, cuja relação com as forças produtivas difere da burguesia representante dos interesses do capital financeiro internacional é, ao mesmo tempo, particularmente hostil à regulamentação do mercado de trabalho assim como a políticas públicas universalistas, também porque seus serviços muitas vezes competem com o setor estatal.

O neoliberalismo se caracteriza por ser ao mesmo tempo um conjunto de práticas governamentais, uma corrente intelectual e uma ideologia (Saes, 2001). Ela possui dois eixos prioritários, “a apologia do mercado e às críticas à intervenção estatal, oferecendo à burguesia novas frentes de acumulação de capital” (Galvão, 2003 p 80). A consolidação do neoliberalismo no Brasil durante os anos 90 foi centralmente ancorada no plano Real, cuja estabilidade inicial promovida pela contenção da inflação aumentou o poder de compra dos trabalhadores e das classes médias.

A adesão quase universal da burguesia brasileira ao neoliberalismo no início dos anos 90 se deveu, em parte, ao temor de vitória eleitoral do PT em 1989 (Galvão, p.90 2003). A

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fração internacionalizada da burguesia (expressa nas políticas monetaristas de Pedro Malan, Armínio Fraga e Gustavo Franco) se fazia representar pelo PSDB, porém o grande capital industrial, do agronegócio, da mineração, do petróleo e do gás careciam de representantes políticos próprios. Ao mesmo tempo, a adaptação da direção majoritária da CUT ao sindicalismo de "parceria social", modelo de ação baseado em “posições políticas moderadas, buscando mais a negociação que a mobilização” (Galvão, 2016) enfraqueceu a relação entre o movimento social e o PT, e reduzindo a capacidade de pressão dos sindicatos sobre o governo. O partido passou crescentemente a representar, desde meados dos anos 90, interesses que convergiam apenas quanto à oposição ao governo neoliberal, redefinindo a inserção social dos integrantes daquela “coalizão de perdedores”17 .

Pressionado pela concorrência com o grande capital norte-americano e canadense por conta da proposta da Área de Livre Comercio das Américas (ALCA), o enfraquecimento da CUT ocorreu simultaneamente à intensificação das divisões internas na burguesia. Enquanto politicamente elas se expressaram na participação de dirigentes da FIESP nos palanques do

Fora Collor, sua forma organizacional também se deu, em 1996, pelo surgimento da Coalizão

Empresarial Brasileira (CEB), cujo objetivo era organizar politicamente as “empresas de grande e médio porte do sul e sudeste do país” contra pressões por abertura do mercado nacional. (Boito, 2018 p. 171-172) Mais que qualquer outra classe ou fração de classe, será no ativismo político desta fração interna da burguesia que se estruturará o projeto democrático e popular.

Importante diferença entre o neodesenvolvimentismo e o desenvolvimentismo clássico é a localização da burguesia industrial no bloco de poder. Para Otavio Spinace (2019), durante o governo petista aplicou-se um modelo de especialização regressiva, baseado na agricultura, pecuária e mineração, estimulando-se “segmentos de baixa densidade tecnológica, portanto sem tensionar a divisão internacional do trabalho.” (p. 72) Esta premissa colocou a burguesia industrial, em particular a indústria de transformação, em um segundo plano no bloco de poder – mesmos nos marcos hegemônicos da burguesia interna. “O PIB industrial cresceu nos governos petistas, mas a participação da indústria no PIB permaneceu relativamente estável entre 2002 e 2010. Se observarmos o intervalo 2005-2010 há, inclusive, uma tendência de

17 Segundo Saad Filho e Morais, esta aliança era composta por “uma coalizão pouco definida de grupos que tinham em comum apenas a experiência de perdas com o neoliberalismo”. (2018, p, 134) A partir da crise do mensalão, com o fortalecimento dos laços do PT com a burguesia interna, o partido passou a liderar uma “coalizão de vencedores” das políticas neodesenvolvimentistas.

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queda”. (Spinace, 2019 p. 85) A reversão da tendência de longo prazo de desindustrialização brasileira, além de incentivos do BNDES à indústria, exigira possivelmente alteração nas tarifas de importações, revertendo tendência iniciada nos anos 9018, assim como o combate à

apreciação cambial (produto do aumento na exportação de produtos primários) algo que se chocaria frontalmente com o tripé macroeconômico, compreendido pela política de câmbio flutuante, metas de inflação e equilíbrio fiscal19. Indústrias com capacidade de geração de

empregos de alta especialização voltados à classe média foram pouco estimuladas a longo prazo durante os governos do PT. Ou seja, esse cenário, ao mesmo tempo em que satisfez algumas demandas, provocou descontentamentos entre setores dominantes.

Esses descontentamentos, expressos nos protestos de junho de 2013, reativaram conflitos sociais em torno da posição ocupada pelos setores subalternos no âmbito da política institucional e na própria correlação de forças entre dominados e dominantes. Como identificado por Paula Marcelino (2017), a chegada de Lula ao governo é ponto de inflexão na atividade política da classe operária, que retoma a greve como instrumento de luta durante os governos do PT.20

18 Segundo Boito (2018), “Em 1990, a alíquota média das tarifas de importação era de 40%, a alíquota mais frequente, de 32,2%. Em 1992, graças às medidas de Collor de Mello, ambas caíram para a casa dos 20%. Uma vez empossado, FHC tratou, ainda em 1995, de impor uma nova e drástica redução de tarifas. A alíquota média caiu para 12.6% e a mais frequente par o valor quase simbólico de 2%.” Já em 1997, a consequência destas medidas resultou em déficit na balança comercial de 10 bilhões de dólares, mais tarde revertido pelas políticas de incentivo às exportações da burguesia interna pelos governos do PT. (p. 68)

19 Segundo Saad Filho e Morais (2018), o equilíbrio entre o tripé neoliberal e o modelo neodesenvolvimentista

criou um “sistema de acumulação híbrido, desde meados dos anos 2000, que levou a um progressivo desequilíbrio da conta corrente e a pressões crescentes sobre o orçamento fiscal, em razão dos custos da dívida pública interna, da esterilização da entrada de divisas, do investimento público, dos empréstimos subsidiados do BNDES e das transferências de renda” (p.189).

20Segundo Marcelino (2017) “do ano de 2004 até, pelo menos, o ano de 2012, o país viveu um ciclo de greves

específico, de greves com características próprias que nos permitem agrupá-las; a principal delas é o fato de serem greves ofensivas, em que as reivindicações dos trabalhadores por melhores salários e ampliação de benefícios trabalhistas estiveram na pauta e foram conquistas da ampla maioria das greves. Mas há outras características: uma certa estabilidade ascendente no número de greves e de grevistas e a proximidade entre os setores público e privado” (p. 205).

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2. Mudanças no mundo do trabalho e na estrutura de classes

O aumento na massa salarial dos trabalhadores na base da pirâmide (produto das altas no salário mínimo e nos pisos salariais das categorias sindicalmente organizadas, assim como das transferências de renda promovidas por políticas públicas) ocorreu, segundo Marcio Pochman (2012, 2013) em paralelo a uma segunda tendência: a queda na criação de empregos de especialização mais alta com rendimentos intermediários. Na década de 2000, empregos “com rendimento acima de três salários mínimos mensais, (…) [tiveram] 400 mil trabalhos por ano a menos” (Pochman, 2012 p. 19). Esta perspectiva é reforçada por Cavalcante e Arias (2019). Segundo dados coletados pelos autores, a variação anual de rendimentos em ocupações manuais e entre empregadores rurais foi mais elevada que os empregos de classe média. “De 2002 a 2013, o índice anual foi de 1,06% para administradores e gerentes, 1,36% para profissionais, 1,87% para trabalhadores não-manuais de rotina, 4,13% para trabalhadores manuais não-qualificados, 5,41% para empregados rurais e 6,61% para empregadores rurais” ( p. 19).

Na sua maioria, os postos de trabalho gerados durante os governos do PT concentram-se no concentram-setor de concentram-serviços21, tradicionalmente reconhecido pela natureza precária dos empregos,

localizados na base da pirâmide social. Segundo Pochman, “95% das vagas abertas [nos anos 2000] tinham remuneração mensal de até 1.5 salário mínimo, o que significou o saldo líquido de 2 milhões de ocupações abertas ao ano, em média, para o segmento de trabalhadores de salário de base.” (2012, p. 19-20). Segundo Cavalcante e Arias (2019) isso não significou que durante o período petista não tenha ocorrido expansão em empregos de alta especialização “especialmente até 2009, houve significativa elevação de empregos em ocupações típicas de classe média, como na indústria de transformação e construção civil [...] elas acompanham a expansão de empregos no setor público, em particular na educação, devido à expansão do ensino superior” (p.19). Esta expansão, porém, foi incapaz de reverter os efeitos da tendência de longo prazo da diminuição do parque industrial no mercado de trabalho.

Durante os governos petistas, segundo Galvão (2014), identifica-se um processo contraditório, com a “contratação de prestadores de serviços na condição de empresas constituídas por uma única pessoa, a chamada “pessoas jurídica” - modalidade de contratação que pode constituir uma forma de ocultar a relação de emprego, fraudando o pagamento de direitos trabalhistas e encargos sociais.” (p. 7) Entre os empregos de classe média e média alta

21 Entre as ocupações que mais se expandiram, encontram-se trabalhadores do comércio, assim como escriturários e trabalhadores de atendimento ao público (Pochmann, 2012, p. 33-34).

Referências

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