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Capítulo II – O Movimento nas ruas

4. Os protestos de 2013 integram uma onda internacional?

4.1 As classes sociais na Primavera Árabe

A estrutura produtiva da Turquia, quando comparada à dos países árabes, revela formações sociais pouco similares, o que limitaria a comparação entre os movimentos de protesto. Segundo o Achcar “Em 2007, as exportações de hidrocarbonetos – petróleo e gás natural - resultaram em mais de 80% das exportações de todos os países árabes juntos. As exportações destes países sem os hidrocarbonetos, no mesmo ano, representaram apenas 22,6% de apenas um país, a Turquia. Adicionado os hidrocarbonetos, o total de suas exportações eram seis vezes maiores que a turca. Juntos, os países do golfo exportaram acima de quatro vezes mais que a Turquia em 2007.” (p. 265)

Os protestos no Oriente Médio e Norte da África, segundo Achcar (2013), expressam a contradição entre um modelo econômico especificamente determinado pela renda da terra em torno do petróleo e uma sociedade crescentemente complexa e interconectada. Para o autor

83 Em meio as enormes transformações sociais e econômicas dos últimos 15 anos, o AKP deslocou setores seculares e pró-militares do governo com um discurso enfatizando uma identidade religiosa e popular. Vindo de fora da elite política, assim como os movimentos islamistas em geral, o AKP tem origem de classe na pequena e média burguesa, tendo evoluído para representar a partir dos anos 90 frações burguesas internas organizadas em torno da associação empresarial Musiad (Tugal, 2009 p.8). Segundo Harman (2010) “O islamismo surgiu em sociedades traumatizadas pelo impacto do capitalismo – primeiro como forma externa de conquista pelo imperialismo e depois, crescentemente, pela transformação interna nas relações sociais que acompanharam a ascensão de uma classe local de capitalistas e a formação de um estado capitalista independente.” (p. 308)

“além da renda da mineração,84 outras formas de renda também se acumulam aos estados

Árabes: renda geográfica, como taxas ou pedágios de trânsito (ex: o canal de Suez ou gasodutos e tubulações de petróleo); renda capitalista derivada das finanças e investimentos imobiliários, ou investimentos em carteiras no exterior, ou investimentos em fundos soberanos estrangeiros - fonte de parte crescente dos recursos de países exportadores de petróleo - e finalmente, rendas estratégicas, isto é, financiamento externo que os estados recebem em troca de cumprir uma função militar ou outras questões relacionadas à segurança.” Segundo o autor, sobre esta base econômica se assentaram estruturas políticas patrimonialistas85 das monarquias e repúblicas

formais” (ex.: Egito, Síria, Iêmen) que levaram a região estruturalmente a mais de 30 anos de estagnação econômica. Combinado a índices de desemprego maiores que os da África Subsaariana, esta atrofia expressa uma “variante regional específica do modo capitalista de produção”.86

Em termos de mobilização, aquilo que mais separa os protestos na praça Tahrir dos ocorridos no Largo da Batata e Av. Paulista é o grau de centralização política distinta entre os dois países. Gohn, após pesquisa de campo no Cairo, menciona a presença da Liga Árabe, do Museu Nacional e da Universidade Americana, assim como a sede do partido do antigo governo no entorno da praça egípcia para explicar sua relevância (2013, p. 101). Junto a estes na Tahrir havia também os órgãos do poder político nacional; Congresso, Senado, a Residência oficial do Presidente da República assim como do Primeiro Ministro, a sede da radio e TV estatal, e principalmente, os ministérios da Informação – responsável pela censura - e do Interior, de onde se comandava a polícia e o serviço secreto. Este grau de concentração, além da ausência de centros urbanos rivais (Alexandria, segunda maior cidade do país, é menos que

84 Estritamente, renda mineira é o excedente de lucro sobre e acima o lucro médio no capital (infraestrutura, maquiaria e trabalho) investido na exploração de um recurso mineral.

85 Segundo Achcar (2016), “não [são] regimes “neopatrimonialistas” – mantra da “ciência política” e instituições internacionais quando este conceito é correlacionado com a visão de que o nepotismo e a corrupção são doenças intrínsecas dos governos árabes, que pode ser curada e substituída por “boa gestão” sem radicalmente transformar o estado – mas estados de fato patrimoniais, sejam eles monárquicos ou “republicanos”; em outras palavras, estados que tem mais em comum com o absolutismo da Europa no passado, o ancien régime no estrito senso histórico, do que com o estado burguês moderno.” (p. 7)

86 Mesmo que as políticas do neoliberalismo tenham tido um papel na intensificação dos conflitos sociais, o regime de acumulação especifico à região do mundo árabe não pode ser descrito como neoliberal ortodoxo, uma vez que carrega “as desvantagens do capitalismo burocrático de estado que havia atingido o limite de seu potencial desenvolvimentista com as desvantagens de um neoliberalismo capitalista corrupto sem os benefícios ou qualquer das supostas vantagens do modelo estatista ou neoliberal.” (Achcar, 2013, p. 95)

metade do tamanho do Cairo) canalizava as atividades e mobilizações nacionais vindas de todo interior para um mesmo ponto, concedendo força desproporcional a pequenos grupos de ativistas locais. Cidade de cerca de 20 milhões de habitantes, mais de um quarto da população do país vive na capital.

Para além dessas diferenças importantes, as similitudes de reivindicações e de repertórios de ação constituem elementos que possibilitam identificar junho como parte de uma onda global de protestos. Para Gohn, os protestos de 2013 integram uma tendência internacional de ocupações de espaços públicos – com destaque aos eventos ocorridos nas praças Porta do Sol (Madri) Willy-Brandt Platz (Frankfurt), Syntagma (Atenas), Taksim (Istambul), Praça Mohammad Bouazizi (Túnis), Tahrir (Cairo); Praça Zuccoti/Wall Street (Nova York) e em São Paulo, a Avenida Paulista e o Largo da Batata (Gohn, 2013 p.15). Ainda segundo outras autoras, “os protestos brasileiros também adotaram ferramentas do repertório de contenção que têm circulado nas recentes ondas globais de protesto. Manifestantes encararam intensa repressão – como na Turquia – que tornaram os protestos mais conflitivos, porém ainda marcados por simbologia irreverente” (Alonso & Mische, 2015).

E qual o papel da organização nesses protestos? Qual sua conexão com outros protestos e movimentos? Verificam-se semelhanças quanto a esses aspectos? Segundo Adam Hanieh (2013), “a velocidade e escala destes protestos tornou moda a interpretação de que eram “sem liderança” e “desorganizados” – uma explosão espontânea de uma massa incoerente. Enquanto estes movimentos certamente colocaram em ação milhões de pessoas que nunca antes haviam se mobilizado em ações políticas – e é verdade dizer que em geral não foram dirigidas por uma organização única e claramente identificável – seus sucessos e fracassos estavam mesmo assim fortemente conectados a ondas anteriores de luta.” Exemplo destacado por Hanieh foi o papel cumprido pela base do movimento sindical tunisiano, em particular entre operários mineiros e profissionais da educação no interior. Os sindicatos de professores, bastiões da ala esquerda da UGTT (a central sindical única do país) tiveram um papel central na nacionalização do movimento. Segundo Hanieh:

Comitês sindicais de base, por exemplo, tiveram um papel central na revolta monumental da bacia mineira de Gafsa, que foi descrita como “o movimento de protestos mais importante visto na Tunísia desde a revolta do pão em janeiro de 1984.” A revolta de Gafsa juntou os desempregados, trabalhadores com contratos temporários, secundaristas, e famílias daqueles que trabalhavam nas minas de fosforo da região. Empregando uma diversidade de táticas, incluindo greves de fome, ocupações e

protestos de rua – o movimento se chocava principalmente com a desregulamentação do mercado de trabalho e a precarização, que eram elementos centrais do neoliberalismo tunisiano. A relevância desta poderosa greve estava na forma com que ela juntou os mais impactados pelas reformas [neoliberais] – principalmente os desempregados e trabalhadores temporários – e os ergueu contra as estruturas do regime, incluindo a central sindical oficial. A despeito da repressão que eventualmente derrotou esta greve em 2008, ela permitiu criar as fundações para o levante de 2010- 2011. (Hahieh, 2013 p.163)

Segundo Barker (2014), “como a Primavera Árabe pode nos relembrar, foi a combinação de gigantescas manifestações públicas com crescentes ondas de greves que derrubaram Ben Ali e Mubarak (...) tais combinações, é claro, dependem de um complexo intercâmbio de ideias e impulsos entre diferentes setores do movimento, nos quais diferentes forças sociais podem promover a catálise de outras (ou, igualmente, aparecer como impedimento)”. (p. 27) Embora as greves possam ser lembradas como indicadores de semelhanças entre os protestos no Brasil e nos países árabes, há diferenças importantes a serem consideradas. Conforme o argumento de Badaró (2016), as greves ocorridas entre 2011 e 2013 no Brasil possibilitaram uma maior conflituosidade e ativismo, porém, a relação entre as greves e os protestos de junho se deu na esfera social, sem articulação política ou vínculos organizacionais diretos entre os protestos, ao contrário do que se deu na primavera árabe, onde se verifica a presença da classe operária enquanto ator político (Chomsky, 2013). Para este autor, “o que mais chama a atenção nestes dois países – Egito e Tunísia – em que houve mais progresso no movimento, é que os dois tinham um poderoso movimento militante dos trabalhadores, que estava em luta há anos para conquistar direitos trabalhistas.” (p. 117) Enquanto a classe média foi importante nos protestos árabes, a intervenção destes setores, em particular entre jovens profissionais, se deu por dentro da simbologia do movimento operário.87

87Segundo Chomsky, “no Egito as manifestações na praça Tahrir foram lideradas e iniciadas por aquilo que era

chamado de Movimento 6 de Abril, um movimento de jovens profissionais. Porque 6 de abril? Bem, porque no dia 6 de abril de 2008 houve gigantes protestos operários organizados no conglomerado industrial de Mahallah, com apoio em outros lugares, que foram esmagados pela ditadura. Um grupo de jovens profissionais se juntou para continuar a luta utilizando aquele nome e iniciaram os levantes de janeiro de 2001, resultando na primavera árabe do Egito.” (p.117) Achcar (2013), assim como Benin (2012) e Alexander & Bassiuni (2014) também enfatizam que a origem política dos grupos de juventude, inclusive entre os setores liberais democráticos, ocorreu através de campanhas de solidariedade com a classe operária, principalmente com o movimento grevista de

Analisando a mobilização dos trabalhadores, Alexander e Bassyouni (2015) apontam sua interação com os protestos na praça Tahrir, que ocorreram entre 25 de janeiro e 11 de fevereiro de 2011: “as primeiras greves ocorreram nos dias 6 e 7 de fevereiro [enquanto ocorria a ocupação da praça]. Ao final da semana haviam se espalhado por todo país, levando a paralisação de cerca de 300.000 trabalhadores. Segundo dados compilados pela ONG Awad al-Ard, houve quarenta e dois protestos de trabalhadores em Janeiro de 2011, enquanto um número muito maior ocorreu apenas entre os dias 7 e 11 de fevereiro. Nos dias seguintes à queda de Mubarak houve entre quarenta e sessenta greves por dia. No total o mês de fevereiro de 2011 viu quase a mesma quantidade de ações grevistas que todo ano passado em conjunto.” (p.53)

Segundo Benin (2012) "Facilitado pelo fechamento do governo de todos locais de trabalho no início de fevereiro, muitos trabalhadores participaram do levante popular enquanto indivíduos. No dia 6 de fevereiro voltaram a seus empregos; apenas dois dias depois, a central sindical independente [criada em meio aos protestos] convocou uma greve geral exigindo a queda do governo de Hosni Mubarak. Dezenas de milhares de trabalhadores - incluindo aqueles empregados em empresas grandes e estratégicas como a Autoridade de Transporte Público do Cairo, Empresa Estatal de Ferrovias, as empresas subsidiárias da Autoridade do Canal de Suez, a empresa estatal elétrica e Ghazl al-Mahalla - responderam ao chamado, organizando cerca de 60 greves e protestos no local de trabalho nos últimos dias anteriores à queda de Mubarak dia 11 de fevereiro.” (p. 7)

Em sua primeira entrevista após ser preso em Curitiba, ao explicar a repentina queda na popularidade de Dilma Rousseff após os protestos de 2013 e seu consequente impeachment, Lula recorreu à primavera árabe, em específico ao caso egípcio, como possível analogia para explicar as dificuldades políticas da esquerda brasileira pós-junho (Bergamo e Fernandes, 2019). Produto dos protestos iniciados no ano anterior na praça Tahrir, após eleições presidenciais relativamente livres em 2012, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, foi eleito presidente, tendo caído no ano seguinte após protestos de rua que juntaram números similares aos que se moveram em 2011. Principal representante da média e pequena burguesia no campo da oposição, a chegada dos islamistas ao governo se baseou fortemente na mobilização do campesinato durante o período posterior à queda de Mubarak. Durante seu curto período na presidência, a Irmandade chocou-se com os militares ligados ao antigo tecelões da Ghazl al-Mahalla – fábrica com mais de 22 mil trabalhadores manuais. (Alexander & Bassiuni, 2014, p. 118 a 123)

governo na disputa por espaços no Estado, assim como reprimiu duramente o movimento operário e popular, com quem havia colaborado durante a ocupação da praça Tahrir.

As duas mobilizações de massas no Cairo, em 2011 e 2013, foram seguidas por golpes de estado conduzidos pelas forças armadas. O primeiro golpe, conservador, retirou Mubarak do governo substituindo-o por uma junta militar que administrou o país até a vitória eleitoral da irmandade. O segundo, reacionário, ao colocar o general Mohamed Sisi na presidência88,

desencadeou um período de restauração da velha ordem com grau de violência e repressão qualitativamente maior que durante os governos militares do período entre 1952 e 2013. (Achcar, 2013, p. 105-6) Mesmo não existindo pesquisas empíricas sobre a composição de classes dos protestos, alguns relatos destacam que enquanto os primeiros, em 2011, eram policlassistas, com presença destacada da juventude, durante a segunda onda prevaleceu um perfil mais velho e elitizado89.

Assim como durante a segunda metade dos protestos de 2013 no Brasil, quando após o dia 20 a grande imprensa e políticos conservadores passam a convocar as manifestações, a mesma dinâmica ocorreu no Cairo. Ao contrário do movimento que derrubou Mubarak, a mobilização anti-irmandade, além de ter sido amplamente convocada pelos meios de comunicação, contou com o apoio e até adesão da polícia e da tropa de choque, muitos dos quais foram carregados nos ombros dos manifestantes. Os desfechos dos protestos, principalmente a dinâmica substitucionista na qual jovens simpáticos à classe trabalhadora, organizados de forma policlassista, foram trocados pela classe média conservadora, permite comparações entre Brasil e Egito, principalmente ao considerarmos o que se seguiu após a reeleição e o impeachment de Dilma, que será debatido no próximo capítulo.

88 Observa-se na estratégia de Sisi o papel da distância geográfica enquanto instrumento de dominação. Junto à

duplicação do canal do Suez, a construção de uma nova capital no meio do deserto, entre o rio Nilo e o canal, tornou-se prioridade do Estado. (Achcar, 2016 p. 142-145) Segundo o arquiteto Léopold Lambert, o megaprojeto egípcio possui duas fontes de inspiração, as reformas urbanas de Haussmann, feitas para facilitar a repressão aos levantes urbanos em Paris e “a apropriação da capital nova em folha do Brasil pela ditadura militar em 1964”. 89 A forma com que a questão palestina foi tratada pelos manifestantes revela as diferenças político-ideológicas dos protestos de 2011 e de 2013. Enquanto em 2011 a solidariedade internacional ocupava espaço importante no movimento, em 2013 o sentimento anti-palestino foi amplamente difundido. Como testemunhado pelo autor da presente dissertação, em conjunto com a escritora Marcia Camargos, “Desde a queda de Morsi circulam boatos de que a Irmandade seria, na verdade, a fachada de um complô internacional dirigido por extremistas sírios e palestinos dispostos a destruir o Egito.” (Camargos e Sauda, 2013b) Durante os protestos de junho de 2013 no Cairo, foram registrados repetidos episódios de ataques a palestinos e sírios, assim como a suas casas e comércios.

Capítulo III – O pós-Junho: muitas possibilidades, um único desfecho

Este capítulo se propõe a discutir as consequências de junho, marcadas pela crise de hegemonia da burguesia interna após 2013, uma nova correlação de forças entre as classes e o acirramento da polarização política no eixo “petismo x antipetismo”. Os desdobramentos se deram em direções distintas. Os movimentos contra a Copa em 2014, as greves dos garis e dos metroviários, assim como as ocupações secundaristas, constituem um desdobramento dos conflitos pela esquerda. Polarizando no campo oposto, os protestos de 2015-16 em prol do impeachment de Dilma Rousseff indicam que a pauta da anticorrupção e o antipetismo se fortaleceram nas ruas90.

Ao contrário do que projeta Pomar (2013), o MPL não se unificou nacionalmente após 2013, se fragmentando em consequência da crise de direção desencadeada pela derrota após as mobilizações.91 Dois anos após os protestos, o setor mais dinâmico do grupo afastou-se do

movimento por direito à cidade, retornando a suas origens estudantis. Reorganizando-se entre os secundaristas que atuavam na base do MPL e adotando o nome de “Mal Educado”, o novo grupo dirigiu uma onda de ocupações de escolas públicas em São Paulo ao final de 2015. Segundo Ortellado (2016), as ocupações representaram a “continuidade da cultura organizava que liga o Movimento Passe Livre (MPL) ao coletivo Mal Educado e este aos estudantes” (p. 15).

90 “As manifestações de 2013 tiveram basicamente dois tipos de reivindicações: uma crítica da representação, decorrente da crise de legitimidade do sistema político e a defesa dos direitos sociais, principalmente educação, saúde e transporte. Esse duplo legado foi dividido entre os campos políticos: de um lado o próprio MPL, o movimento contra a Copa do Mundo de 2014, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e outras iniciativas semelhantes levam adiante o legado social; de outro, as manifestações convocadas por grupos de direita como Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre levaram adiante o legado “antipolítico” de junho, explorado exclusivamente na chave de combate à corrupção.” (Ortellado, 2016, p. 15). Ortellado (2016), porém, assim como parte da bibliografia que identifica nos protestos de 2013 um novo paradigma, acaba por secundarizar a força da dinâmica política estabelecida no eixo PT versus anti-PT, que em 2016 vai resultar em 60% das manifestações registradas no país. (Galvão & Tatagiba (2019), p. 27)

91 A divisão do grupo foi coberta pela Folha de São Paulo, que afirmou em manchete "Dissidente 'decreta' fim do Movimento Passe Livre e gera crise interna” (Redação Folha, 2015). A manchete referia-se a artigo publicado no Passa Palavra com o título "O Movimento Passe Livre acabou?" (Legume, 2015) O debate sobre a crise da organização é aprofundado no texto "Conversa com Legume” (Daniels, 2015).

Os protestos de massas entre 2015-16 não contaram com a simpatia do MPL. Parte relevante dos iniciadores de junho, à exceção do MTST, se ausentaram do processo de mobilização contra a queda do governo. Os sindicalistas, pouco presentes nas manifestações de massas em 2013, tentaram se articular em duas frentes políticas, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, mas tampouco tiveram centralidade nos protestos contrários ao impeachment (Galvão e Marcelino, 2018). A fragmentação política e sindical iniciada nos anos 90, somada à política de austeridade aplicada pelo PT após as eleições de 2014, reduziram a influência da ala esquerda do sindicalismo, dentro da CUT e fora dela.

Ortellado (2016), mesmo identificando o MTST, principal movimento popular a participar das mobilizações contra o impeachment em São Paulo, como um dos herdeiros de junho, evita identificar relações entre os protestos contra o golpe e aqueles de 201392. Já para

Boulos, “os protestos de 2013, principalmente a partir do dia 20 de junho em São Paulo, Brasília e Curitiba, abriram espaço para o avanço da direita” que seria a principal beneficiária das mobilizações nacionalmente. O MTST também entendia os protestos contra o golpe institucional, devido a sua composição social assim como a seu programa político, como continuidade das jornadas de junho.

Mesmo que os protestos de 2013 tenham introduzido a alta classe média na ação de massas nas ruas, eles também abriram espaços para os movimentos sociais consolidarem ganhos. Segundo Tatagiba e Galvão (2019) “o pico de mobilizações em 2013 abre oportunidades políticas inéditas para os setores oposicionistas, à direita e à esquerda do PT, conformando um cenário de crise política que, associado à crise econômica, abre caminho para o impeachment” (p. 32). A divisão da esquerda em movimentos, sindicatos e partidos com posições distintas durante a crise também contribuiu para o fortalecimento das mobilizações de rua da direita, que ocorreram sem enfrentamentos. O diferencial nesse contexto foi a ascensão do conservadorismo e o surgimento de movimentos anticorrupção, que permaneceram mobilizados com uma pauta bastante unificada, como veremos neste capítulo.

92 Segundo entrevista concedida pelo coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, em 23 de agosto de 2016 ao autor,, entre 2015-16 o movimento possuía maior proximidade com as entidades sindicais e populares do que de grupos como o MPL ou o movimento contra a copa.