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A gestão da Ilha e as restrições das Unidades de Conservação

No documento ... À Natureza, e à dádiva da vida... (páginas 160-164)

RECONHECIMENTO DA REALIDADE

CONTEXTUALIZAÇÃO DA ILHA DO MEL

2.3 A Ilha do Mel: que lugar é esse?

2.3.4 A gestão da Ilha e as restrições das Unidades de Conservação

Em relação à gestão, as Unidades de Conservação são dirigidas pelo Estado, que delimita, guarda e gerencia as áreas. São portanto, uma esfera pública, ainda que ―[..] embora as Unidades de Conservação devam ser um benefício comum, na verdade não se transformam em um lugar comum‖ (SAMMARCO, 2005, p. 17) ou seja, não podem ser apropriadas nem biologicamente nem politicamente pelas comunidades do entorno. Assim, seus benefícios não são distribuídos igualitariamente entre todos os sujeitos.

A gestão da Ilha está organizada em diferentes escalas no nível público – federal (Secretaria de Patrimônio), estadual (IAP e Secretarias de estado), municipal (Prefeitura de Paranaguá) e local (Associações locais que participam do Conselho Gestor da Ilha) (TELLES; GANDARA, 2009). Atualmente, a Ilha é área de domínio da União, administrada pelo IAP, que é seu principal órgão gestor. Nesse sentido, estabelece as restrições para a região e tem como responsabilidade a fiscalização ambiental, mas está focado principalmente no controle do uso e da ocupação do solo (TELLES, 2007). Conta, dessa forma, com dois fiscais residentes na própria Ilha, sendo um responsável por Encantadas e um pelas regiões de Brasília, Farol, Fortaleza e Praia Grande.

O Conselho Gestor da Ilha do Mel131, criado em 1997, tem caráter normativo e deliberativo. Seu objetivo central é gerenciar as questões administrativas e atividades de interesse público e privado, a serem desenvolvidas na região. Seu foco está no gerenciamento das obras e atividades de interesse público e privado, a serem desenvolvidas nos imóveis. De acordo com Telles e Gandara (2009), o conselho tem como intuito gerir uma administração participativa e que considere as

131 Criado pelo Decreto n° 3502 de 03 de setembro de 1997.

necessidades locais, negociando interesses diversos, conflitos e divergências, com a finalidade de garantir a proteção do ambiente natural.

É constituído por diferentes representantes (TELLES, 2013): Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Paranaguá; Instituto Ambiental de Paraná;

Sociedade dos Amigos da Ilha do Mel; Associação dos Moradores da Praia de Encantadas; Prefeitura Municipal de Paranaguá; Paraná Turismo; Associação dos Barqueiros do Litoral do Paraná; Associação dos Comerciantes da Ilha do Mel (Brasília e Encantadas); Associação dos Nativos da Ilha do Mel; Batalhão de Polícia Florestal; União das Mulheres da Ilha.Schena (2006) ressalta que ainda é pequena participação dos nativos nas entidades que discutem a negociação dos interesses locais, como as associações.

Em relação a esfera municipal, Paranaguá está incumbida dos serviços públicos onde há ocupação humana, como saúde, educação básica, coleta de lixo e saneamento (BIAZIN; ALMEIDA, 2009).

No que se refere à esfera administrativa estadual, a ação está baseada na instalação de mecanismos de controle e de comando, embora ―percebe-se que há mais comando do que controle‖ (GONZAGA; DENKEWICZ; PRADO, 2014, p. 66).

Telles (2007, p. 1) afirma que ―o Estado, enquanto responsável pela gestão do território vem obtendo difícil tarefa de corrigir os problemas de cunho social e ambiental instalados‖, uma vez que a sua atuação desenvolveu várias tensões sociais entre os moradores.

Há várias contradições perceptíveis na ação do estado para Schena (2006):

enquanto ele ―protege‖ a Ilha da expansão urbana, impedindo a utilização do território por grandes grupos financeiros e expulsando de certa forma economicamente os nativos, também coloca os modos de vida tradicionais da Ilha na ilegalidade; além disso, enquanto coloca um limite ao número de turistas que frequentam a Ilha, intensifica a divulgação publicitária do local (folder e cartazes);

enquanto coloca limites rigorosos de horário para a música do tradicional forró a fim de evitar a poluição sonora, deixa a desejar no que se refere a coleta e tratamento do esgoto, sem dar a devida atenção a poluição hídrica e aos riscos que a mesma pode causar a saúde dos moradores.

As restrições sobre o acesso aos recursos naturais também gerou diversos conflitos entre a população e órgãos fiscalizadores e administrativos (ATHAYDE;

TOMAZ, 1995; TELLES, 2007; KIM, 2004). Entre as principais causas desses

conflitos, os autores destacam a impossibilidade da realização de atividades extrativistas (corte de madeira para a construção de casas ou produção de instrumentos de uso particular) e a proibição de atividades de caça, agricultura de subsistência e a criação de animais também são restritas.

Nas Vilas, as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.

As restrições relativas à expansão urbana, no que se referem a construção e reformas de casas, as quais mesmo com a diminuição do istmo da Ilha (responsável pela perda de muitas propriedades) não podem ser realizadas, independentemente de pertencerem a moradores nativos ou veranistas, causa muitos problemas aos nativos, no que se refere as possibilidades de moradias para seus filhos e netos.

Nesse sentido é grande a pressão dos nativos para liberação de loteamentos nas Unidades de Conservação, fato que, segundo Pierri e Kim (2008) depende mais das ações do governo que esteja vigente do que da própria legislação em relação às Unidades de Conservação.

Entre outras medidas reguladoras está o limite132 de 5000 pessoas que podem estar ao mesmo tempo na Ilha, definido como sua ―capacidade de suporte‖.

O controle de entrada é realizado no terminal de Pontal do Sul mas, conforme destacam Pierri e Kim (2008), também é possível embarcar em outros locais utilizando lanchas e voadeiras particulares, o que torna esse limite não tão restritivo.

Dessa forma, essa que seria a principal medida de conservação da área, é controlada de forma ineficaz e frágil.

Outra aspecto que merece ser destacado é a proibição do trânsito de veículos motorizados por via terrestre em todo o perímetro da Ilha. Hoje a Ilha conta com apenas dois carros elétricos (um em Encantadas e um em Brasília) que, além de auxiliar no transporte de bagagens em alta temporada, faz a coleta de lixo diária na Ilha.

Durante a vigência do Plano de Uso para a Ilha do Mel elaborado em 1982, Kim (2004) destaca que o órgão responsável pelo cumprimento das normas estabelecidas pelo Plano era o Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado. Segundo a autora, no final da década de 1980 houve vários desentendimentos entre os moradores da Ilha e o Estado, porque os primeiros não

132 A capacidade de carga, ou de suporte, foi estabelecida em 1996 com base no Plano de Gestão da Ilha do Mel (KIM, 2004).

aceitavam as normas impostas, fato que ocasionou em uma administração não efetiva já que não havia fiscalização. Muitos terrenos foram desmembrados, várias construções foram realizadas e consequentemente aumentou a população do local.

Em 1992, quando foi extinto o Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado e criado o IAP, as normas do Plano de Uso voltaram a ser consideradas para a fiscalização (KIM, 2004).

Gonzaga, Denkewicz e Prado (2014) afirmam que atualmente, as limitações legais, ambientais e culturais estão sintetizadas na Lei Estadual n° 16.037/2009, que rege o Plano de Uso da Ilha do Mel. Em relação às limitações naturais, os autores ressaltam que advém da própria fragilidade ambiental típica das ilhas; as culturais, são fruto dos conflitos entre a visão de mundo das comunidades locais e a visão econômica dos empreendedores turísticos.

Pierri e Kim (2008), desatacam que a gestão de maneira geral vem pensando a conservação como uma questão centrada apenas na natureza, fato que ocasiona um desentendimento no que se refere à economia da região. Segundo as autoras, as medidas, além de restritivas, deveriam ser também reguladoras já que da forma como vem sendo, os nativos,

Que poderiam ser os principais beneficiários e os principais protetores dos recursos, têm resultado os menos beneficiados, e disso resulta que preferem a diminuição dos limites à entrada de visitantes e à ocupação do solo que maiores restrições em prol da conservação.133

A questão que mais causa revolta entre os nativos da Ilha, segundo Schena (2006, p. 73) é justamente a burocracia na obtenção das autorizações do IAP para construir e reformar, ―dada a grande quantidade de edificações de pessoas ‗de fora‘

que não se enquadram nos padrões estabelecidos pelo documento‖. Em relação a essa situação, Westphal (2014) comenta que os moradores que não são proprietários realmente reclamam por terem um tratamento diferenciado do IAP em relação ao nativo pobre, ao turista e ao empresário local.

Os dois autores ainda lembram que essa dinâmica atual de tensões ocorre devido a uma trajetória histórica de falta de reconhecimento da população local da Ilha por parte do Estado, ―o qual deveria representar politicamente, mas que, em

133 Ibidem, p. 13

nome de uma suposta ‗preservação ambiental‘ do local, acaba negligenciando o aspecto cultural nativo‖ (SCHENA, 2006, p. 35).

Destacam Pierri e Kim (2008, p. 2), que a implantação de uma Unidade de Conservação pode causar diversos conflito se os benefícios que são gerados localmente não são aproveitados pelas comunidades residentes, fato que ocorre quando o mercado age sem controle, em outras palavras, quando os benefícios econômicos gerados são distribuídos aos sujeitos que possuem um maior capital para investir e não direcionados a maioria da população, tornando-os ―inimigos‖ da ideia da criação. Elas analisam que o problema central reside no fato de que é o mercado quem regula a implantação de investimentos e a apropriação dos benefícios na Ilha do Mel, já que ―o processo de diferenciação social acaba alienando à maior parte da população de seus recursos, desestimulando seu compromisso com a conservação‖.

As autoras sinalizam que a situação ideal no caso de Unidades de Conservação é que a conservação da área se transforme em uma oportunidade de benefício presente para a população local: ―mais que em um limite, de forma que cuidar da conservação seja, no mesmo momento, cuidar de seus próprios interesses‖134. No caso da Ilha do Mel, que tem vários investidores de fora, segundo as autoras, ―como o mercado espontaneamente beneficia ao mais forte, é necessário uma intervenção política específica que vele para que o beneficiário principal seja a população local majoritária‖135.

No documento ... À Natureza, e à dádiva da vida... (páginas 160-164)