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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

9 CONCLUSÕES 275 REFERÊNCIAS

2.3 A GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES ARTÍSTICAS CULTURAIS

A gestão das artes e da cultura, em virtude da diversidade de tipos de organizações possíveis, se revela muito ampla, abrigando uma gama de atividades com uma grande variedade de lógicas e práticas, existindo evidências significantes de que os padrões de organizações são muito variados (SUMMERTON; KAY; HUTCHINS, 2006).

Muitos desses padrões decorrem do princípio baseado em “formas que seguem as funções”, sem a existência e o benefício de uma teoria articulada (SUMMERTON; KAY; HUTCHINS, 2006, grifo das autoras). Ainda de acordo com essas autoras, para que se estabeleça uma base forte para um desenvolvimento mais profissional da área cultural, é necessário, entre outros aspectos, o reconhecimento das questões relacionadas à grande variedade de contextos, que incluem as especificidades de cada forma de arte e a multiplicidade de objetivos envolvidos e aspectos financeiros. Isso faz com que qualquer medida de sucesso seja complexa, tanto para as pessoas como para a organização, o que envolve ainda a ambiguidade estrutural causada pelo uso de um vasto mix de trabalhadores remunerados e não remunerados e as demandas específicas que facilitam e nutrem as atividades artísticas e culturais, que por sua vez também problematizam o setor.

Summerton, Kay e Hutchins (2006) salientam, ainda, que a gestão no campo das atividades culturais acaba por ser normalmente praticada de forma inconsciente, sem um exame minucioso tanto por

parte dos praticantes como das demais pessoas que fazem parte da organização, as quais, frequentemente, ficam ocupadas com o trabalho que elas costumam apreciar.

Nesse sentido, a tentativa de caracterizar as práticas de organização no campo das atividades culturais não se revela uma tarefa simples, principalmente ao se considerar sistemas sociais que fujam ou mesmo se oponham à lógica única do mercado e às suas práticas, como no caso das isonomias e fenonomias (RAMOS, 1981).

Para se avançar na discussão sobre essa temática, há de se considerar uma série de diferentes aspectos. Conforme Ramos (1981), para que haja a consecução de qualquer trabalho, faz-se necessária a observância de algumas normas operacionais mínimas, para o que se pressupõe algum nível de burocracia, com suas respectivas características, mesmo em organizações isonômicas e fenonômicas.

Além disso, mesmo as organizações culturais do tipo isonômicas e fenonômicas estão em constante contato com outras esferas sociais, relacionadas com o mundo do sistema, o que as aproxima do modelo dominante de gestão e das suas práticas, seja pela necessidade de atendimento a questões legais ou ainda pelos benefícios que são proclamados acerca da adoção de técnicas gerencialistas. Essas últimas são caracterizadas e vistas como sendo as únicas capazes de proporcionar a eficiência desejada, levando muitas vezes à necessidade de a organização revisar seus pressupostos e valores iniciais, desconfigurando suas características (PARKER, 2002; ANDION, 2005; BALBINOT; PEREIRA, 2007).

Essas organizações, muitas vezes adotam ambientes que privilegiam um clima organizacional pautado na igualdade e no direito de participação de todos os membros na tomada de decisões, em que o trabalho é motivado por um ideal compartilhado no qual o objetivo primordial é autorrealização de seus membros, existindo a troca de informações, a cooperação, a união e a informalidade. A auto- organização e o diálogo juntamente com o reconhecimento de pontos de vistas diferentes complementam os alicerces que sustentam a sua estrutura, garantindo a sua identidade, não sendo o controle e o monitoramento do desempenho organizacional os objetivos fundamentais a serem perseguidos (RAMOS, 1981; BALBINOT; PEREIRA, 2008; COSTA, 2008).

Portanto as práticas administrativas de organizações culturais, como aquelas relacionadas às artes, podem ser consideradas como não sendo algo simples, não se resumindo ao mero amalgamento entre o mundo das artes e o mundo da gestão dos negócios. Na verdade, ao se

tratar, por exemplo, da administração das artes, estão se confrontando duas metodologias opostas, uma localizada no campo da criatividade humana, que envolve fatores como a autorrealização humana e a produção de alguma coisa nova que ainda não existe, e outra, imersa no mundo das práticas de negócios, cujo objetivo é maximizar a eficiência (RAMOS, 1981; BENDIXEN, 2010).

Essa diferença, no entanto, não é fácil de ser vislumbrada, pois o processo de criação artística ao mesmo tempo em que é diferente em muitos aspectos no que se refere à produção comercial, por outro lado compartilha algumas características estruturais e físicas com o processo de materialização de ideias e conceitos em objetos significativos, assemelhando-se ao que ocorre com produtos considerados lucrativos. A diferença entre arte e comércio não está, por fim, ou primariamente, nos fatos visíveis, mas sim nos critérios espirituais (BENDIXEN, 2010).

Assim a simples transferência de conceitos, métodos e ferramentas de gestão de negócios para as artes esbarra em problemas que são originários das diferenças cruciais que existem entre administração de atividades que envolvem a produção de commodities e aquelas atividades que se relacionam à produção artística de mensagens simbólicas e estéticas. Um desses problemas se relaciona com a definição de prioridade entre o conteúdo e a forma, ou seja, o conflito ou a tensão entre, por exemplo, a aparência estética de um produto e a subordinação do seu conteúdo aos objetivos comerciais. Nas companhias comerciais, o sucesso usualmente é declarado com resultados financeiros verbalizados em lucros. A realização de lucros é o conteúdo que subordina as atividades de produção e de vendas sob o conceito de gestão, de maneira a garantir o alcance dos objetivos monetários. Já no caso das organizações artísticas, o sucesso geralmente está relacionado ao âmbito espiritual, imaginativo, emocional, à expressiva qualidade de um objeto cuja aparência se harmoniza com a mensagem a ser comunicada para o público (BENDIXEN, 2010).

Apesar desses aspectos, observa-se, em diferentes estudos, (GAMEIRO; MENEZES; CARVALHO, 2003; GOULART; MENEZES; GONÇALVES, 2003; PIMENTEL et al., 2007; HOFFMANN; DELLAGNELO, 2007; NOGUEIRA, 2007; SOUZA; CARRIERI, 2011) uma corrente subsunção da cultura ao mundo dos negócios, com a adoção de práticas transpostas deste, cujo objetivo se adequa a uma perspectiva de sociedade moderna baseada em uma flexibilização de conteúdo cuja meta é adequar-se a padrões de consumo, processo no qual as organizações são induzidas a adotar novas estruturas e processos de gestão capazes de aumentar sua capacidade

competitiva. Essas mudanças conduzem as organizações culturais a alterações em seus pressupostos, como a racionalidade subjacente as suas práticas e objetivos.

Há de se considerar que as organizações artísticas buscam se distanciar, na medida do possível, dessa fria e desapaixonada abordagem econômica puramente objetiva e racional. Pressupõe-se que o horizonte do pensamento meramente racional é frequentemente muito estreito para abarcar a amplitude da inspiração e da imaginação. Autores como Bendixen (2010) defendem que a pura racionalidade é voltada para a construção, não para a criação de alguma coisa, sendo que a criatividade vai além do horizonte da razão nua. Nessa perspectiva, ao se tratar da administração de uma organização artística, deve-se considerar que ela deve ser construtiva e ao mesmo tempo consciente da possibilidade que possui de destruir, entre outros aspectos, o clima mental de criatividade, ao insistir, por exemplo, na razão da pura ordem e controle ou ainda quando tenta obter o estrito comando (BENDIXEN, 2010).

Em face das características da área cultural, a sutileza relacionada à questão da integração entre arte e gestão, se é que tal integração é possível, está, no mínimo, em se ter consciência acerca de quais são as prioridades da atividade artística. É preciso considerar que a administração de organizações artísticas não envolve criar arte ou a tentativa de substituir a criatividade do artista por quadros prescritivos, padrões ou caminhos ótimos para realização de projetos nem tentar exercer a função de orientadora ideológica da produção artística, cujo objetivo seja o da prescrição para atingir certos objetivos financeiros. Conforme Bendixen (2010), o gerir artístico envolveria o respeito ao papel independente que as artes exercem na sociedade e a necessidade de uma liberdade estética e substancial para a produção artística.

A perspectiva da administração de organizações artísticas é atuar mais como uma atividade focada em servir as artes, posicionando-se mais ou menos em segundo plano dentro do espaço das práticas artísticas, exercendo um papel de suporte. É a atividade que cobriria o espaço existente entre o esforço do artista em obter a maestria na sua atividade e a sua sobrevivência econômica, sem, contudo, cair nas armadilhas existentes nesse meio (BENDIXEN, 2010).

Conforme Carreira (2002), é necessário criar condições que permitam a condução da atividade artística dentro de um contexto que possibilite a conquista de condições criativas perenes, que consolidem projetos idealizados por grupos, e não o seu fracasso. Isso envolve a consciência de que alguns aspectos burocráticos devem ser adotados, não significando a expansão desse modelo a todas as atividades do

grupo, mas a consciência de que a ordem em alguns domínios se faz necessária, evitando-se, talvez, a geração de conflitos (BENDIXEN, 2010).

De forma resumida, dois princípios básicos parecem permear o conceito fundamental de um sistema prático de administração de um setor como o das artes. O primeiro e principal consideraria a prioridade do conteúdo sobre a forma, em que a gestão nem é parte do conteúdo nem da forma, mas sim um conjunto de habilidades e ferramentas instrumentais que fornecem um quadro funcional para as atividades artísticas. O segundo, por sua vez, é de que o todo é mais do que a soma de suas partes, servindo como um guia para se entender que a criação artística é algo mais amplo que o usual, não sendo normalmente acessível para a investigação analítica e a construção geralmente utilizada nos modelos tradicionais de administração e gestão de negócios (BENDIXEN, 2010)

No setor artístico, ao administrador cultural caberia o papel de atuar como um artesão, procurando exercer sua atividade de maneira a encontrar soluções para os problemas práticos, fazendo uso de uma comunicação permanente entre o pensar e agir, a qual muitas vezes leva ao emprego do princípio de tentativa e erro, não constituindo essa sua única alternativa A proposta é a de manter a atividade artística, não desperdiçando possibilidades criativas, o que poderia ocasionar o desgaste pessoal daquelas pessoas envolvidas e comprometidas com a aventura artística. Ao fazê-lo, pode-se considerar que se está contribuindo para evitar o desperdício da oportunidade de apoiar o fazer cultural (CARREIRA, 2002; BENDIXEN, 2010).

Considerando-se esses aspectos relacionados com a administração artística, observa-se que esta difere das organizações comerciais, em especial quanto à questão de se priorizar o conteúdo sobre a forma, o que resulta na necessidade de lidar com o conflito entre a eficiência econômica e a criatividade artística.

Esse tipo de tensão é bastante natural e comum, já que provavelmente nenhuma atividade artística pode ser realizada sob as condições de um paraíso financeiro, no qual o artista não dá nenhuma atenção para a escassez de recursos financeiros. É possível observar, por exemplo, que muitos grupos que decidem viver exclusivamente da renda obtida com o trabalho teatral se deparam com a realidade e as adversidades de um mercado de trabalho restrito que os obriga a optar por modalidades espetaculares que os desvirtuam de suas pretensões iniciais, como o teatro para crianças, comédias ou espetáculos institucionais, propostas aceitas pelo mercado de consumo e empregadas

como forma de garantir a sua sobrevivência. O cotidiano acaba por impor adaptações consideradas inesperadas, resultado de um equilíbrio difícil de ser mantido (CARREIRA, 2002; BENDIXEN, 2010).