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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

4 ECONOMIA CRIATIVA

4.1 ECONOMIA DA CULTURA E INDÚSTRIA CULTURAL

Ao se tratar da questão da relação entre economia e cultura, deve- se considerar inicialmente que essa aproximação não é algo novo, que tenha ocorrido somente recentemente. Um dos primeiros registros encontrados sobre o assunto está relacionado à Europa no século XIX, quando a submissão de artistas e escritores aos preceitos da lógica mercantil desencadeou um mercado da cultura (MIGUEZ, 2009).

Apesar de a relação entre cultura e economia já ocorrer há algum tempo, inicialmente essa discussão não despertou interesse dos economistas, tendo permanecido no ostracismo por um longo período. Nesse sentido a relação não era considerada na grande maioria dos estudos acerca da economia, apesar de eventuais incursões nesse campo, de forma pontual, por alguns estudiosos e pesquisadores da área da economia (MIGUEZ, 2009).

Esse descrédito da economia em relação à cultura pode ser visto, por exemplo, na observação de Adam Smith e David Ricardo, no século XVIII, acerca dos gastos com as artes, destacando que estas em nada contribuíam para a composição da riqueza de uma nação, já que poderiam ser consideradas como trabalho improdutivo, relacionado às atividades de lazer. Apesar dessa visão, conforme destaca Benhamou (2007), Adam Smith, um dos fundadores da economia política clássica, entendia que as artes e espetáculos artísticos eram importantes para o combate à melancolia, o que a linguagem atual da economia definiria como uma externalidade positiva das artes.

Outro registro acerca dessa relação pode ser encontrado nas observações efetuadas por Alfred Marshall, em 1891, em sua obra

intitulada Princípios da Economia, na qual ele destaca a impossibilidade de valoração das obras de arte, tendo em vista que estas eram consideradas objetos únicos no seu gênero e não possuíam equivalentes ou concorrentes. Marshall, no entanto, considerado um dos fundadores da teoria econômica neoclássica, ressaltou que a música poderia ser considerada uma exceção à teoria da utilidade marginal decrescente, já que, de forma distinta do que ocorre com outros bens, o gosto pela música (desejo de consumir música) aumenta de forma proporcional em relação ao tempo despendido por um indivíduo para escutar música (BENHAMOU, 2007; MIGUEZ 2009).

Miguez (2009) chama a atenção ainda para alguns eventos ocorridos durante o século XIX que são marcantes com relação à economia da cultura. O primeiro se refere a um conjunto de três palestras realizadas por John Ruskin entre os anos de 1857 e 1859. Nessa oportunidade, o pensador e crítico de arte britânico realizou uma discussão acerca da ordem econômica aplicada ao mundo das obras de arte. O segundo evento se refere às observações realizadas por Marx e Engels em suas obras, nas quais os autores pontuam questões sobre a produção das obras de arte e a economia.

O fato é que durante o século XIX e até a metade do século XX foram poucas, se não raras, as vezes em que os economistas efetuaram abordagens acerca do campo da cultura, restringindo-se muitas vezes à discussão da chamada “alta cultura” (a qual envolve as belas-artes, a literatura e as artes chamadas performáticas – teatro, dança, ópera e música clássica). Essa atenção despendida pelos economistas foi direcionada a questões relacionadas ao mecenato público e privado e aos processos relativos à formação dos preços das obras de arte, ou, ainda, dizia respeito a um interesse pessoal acerca do mundo das artes, não revelando interesse na investigação de fatores relacionados à dimensão econômica expressa pelas obras de arte (BENHAMOU, 2007; MIGUEZ, 2009).

Um dos exemplos que podem ser citados acerca da questão anteriormente exposta sobre o interesse pessoal diz respeito a John Maynard Keynes, teórico econômico, que, em virtude de sua paixão por obras de arte, das quais era inclusive colecionador, sustentava no início do século XX a tese da importância do financiamento público das artes, o que o levou a incentivar o Governo Britânico a criar o Arts Council

England, tendo sido ele seu primeiro presidente (MIGUEZ, 2009).

Esse distanciamento dos economistas fez com que a cultura popular ficasse fora do escopo dos teóricos da economia, assim como as indústrias culturais. Essas últimas foram estudadas durante a primeira

parte do século XX dentro do âmbito da economia industrial, a despeito da sua acelerada expansão e diversificação em virtude do surgimento de diversas inovações tecnológicas, como aquelas que propiciaram revoluções na fotografia, cinema, rádio, edição e fonografia, possibilitando a produção e a distribuição em larga escala de conteúdos com forte conteúdo cultural. Nesse período, o que se observava era o que no máximo poderia ser chamado de economia das artes (MIGUEZ, 2009).

O aumento do interesse das ciências econômicas pelo campo da cultura sob a perspectiva de uma economia da cultura se amplia e ganha corpo a partir da metade dos anos 60 do século XX. Conforme Françoise Benhamou (2007, p. 18), podem ser destacados três fatores que contribuíram de forma decisiva para o deslocamento de uma economia das artes para uma economia da cultura e seu respectivo reconhecimento institucional:

[...] o surgimento de uma propensão a gerar fluxos de rendas ou de empregos, a necessidade de avaliação das decisões culturais e, no plano teórico, a evolução da economia política para campos novos (economia das atividades sem fins lucrativos, revisão do pressuposto da racionalidade, economia das organizações, economia da informação e a incerteza).

A economia da cultura, portanto, demandou um longo período até se estabelecer e foi caracterizada por um desinteresse inicial por parte dos economistas. Além desses aspectos relativos à historicidade, outro ponto importante diz respeito ao seu significado, ou seja, aos fatores que estão envolvidos na sua constituição. Conforme Scott (1999), a economia da cultura envolve todos aqueles setores do capitalismo moderno que atendem às demandas dos consumidores por diversão, ornamentação e autoafirmação, entre outras. Esses setores envolvem diversas indústrias, como as de artesanato, moda, mídia, entretenimento e indústrias de serviços, como joalheria, perfumaria, vestuário, filmes, músicas gravadas ou serviços turísticos. Esses produtos e serviços possuem um valor simbólico mais elevado do que propriamente uma finalidade utilitária (SCOTT, 1999).

A importância da economia cultural reflete “uma fase de convergência do capitalismo global em que bens e serviços estão

tornando-se ‘estetizados’ e a cultura e o lazer estão tornando-se ‘comodizados’” (JEFFCUTT, 2009).

Como ciência, a economia da cultura, considerando-se os seus estudos, envolve a lógica das relações econômicas, que se referem à visão dos fluxos e das trocas, como se dá a criação, produção e distribuição, como se comporta a demanda por bens culturais. Ela envolve ainda as questões relativas às diferenças entre valor e preço, assim como o reconhecimento do capital humano, mecanismos de incentivos, subsídios, fomento, intervenção e regulação, entre outros (REIS, 2009).

A economia da cultura, portanto, compreende mais do que somente as relações de troca do mercado, ela engloba outros aspectos que devem ser considerados, já que o seu ponto central está localizado na sociedade e nas pessoas, tendo raízes na filosofia moral. Ela envolve a ética, suscitando, dessa maneira, questionamentos como: o que é mais importante, uma justiça distributiva ou a eficiência alocativa? Esse tipo de demanda envolve a escolha pela forma de como se dará o emprego dos recursos, se de maneira mais eficiente ou se é preferível utilizá-los de forma mais justa. Isso está diretamente relacionado com as escolhas a serem feitas quando, por exemplo, da elaboração de políticas públicas, para as quais são necessárias definições claras que auxiliem os planejadores públicos (GALLOWAY; DUNLOP, 2007; REIS, 2009).

Porém, é preciso ter em mente que as práticas que têm prevalecido são aquelas fundamentadas na definição e nos domínios e métodos da economia contemporânea, refletindo principalmente o paradigma neoclássico dominante na economia. Esse paradigma tem provido um arcabouço compreensível e coerente que tem sido objeto de extensivas e minuciosas pesquisas empíricas para representar e analisar o comportamento de indivíduos, empresas e mercados (THROSBY, 2003).

A questão é que essa perspectiva de análise, empregada na economia, tem se expandido continuamente e o modelo de tomada de decisão baseado no racionalismo utilitário, operando dentro de mercados competitivos, tem nos últimos anos prevalecido e sido aplicado a uma variedade cada vez maior de áreas do comportamento humano, incluindo casamentos, crimes, religião, dinâmicas familiares, divórcio, filantropia, políticas e leis, como também para a produção e consumo de artes (THROSBY, 2003).

Apesar do imperialismo intelectual, a economia neoclássica é de fato bastante limitada em seus pressupostos, os quais são resumidos a sua mecânica, que é vista ultimamente como restrita em seu poder de

explanação. Isso tem sido objeto de uma vigorosa crítica dentro e fora da disciplina. Além disso, a sua supremacia pode ser desafiada se adotada uma visão mais ampla acerca da economia. Em comum com todas as grandes áreas do conhecimento, a economia não envolve somente um simples paradigma, existem diversas escolas do pensamento que oferecem alternativas ou maneiras contestáveis de analisar o funcionamento da economia ou as ações dos agentes econômicos individuais, o que parece ser o caso, ao se tratar da economia cultural (THROSBY, 2003).

Reis (2009), ao analisar o conceito de economia da cultura, sugere que é preciso fazer uma diferenciação entre bens e serviços e criações e tradições. É necessário caracterizar aquelas atividades que possuem um preço, ou seja, que podem ser precificadas, existindo uma percepção agregada, e aquelas que se caracterizam por possuir um valor que é individual, ou seja, um valor considerado pelas pessoas que muitas vezes não pode ser traduzido em um preço para comercialização.

Há de se considerar que a economia envolve as relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, e que, conforme Reis (2009), ao se abordar a economia da cultura, é necessário ter conhecimento acerca das relações entre esses três atores, entendê-las, compreendendo claramente os papéis e responsabilidades de cada um e a forma como os seus objetivos individuais podem ser trabalhados de maneira a se tornarem convergentes e sinérgicos.

O fato é que ao se tratar da inserção de atividades culturais na perspectiva de uma economia de mercado, é preciso se compreender as implicações que podem advir de tal associação, tendo-se em vista as diferenças existentes entre esses campos, principalmente quando se compara a circulação de bens e serviços culturais em face de quaisquer outras commodities produzidas dentro do sistema econômico, o que remete à necessidade de se observar alguns aspectos.

O primeiro deles estaria relacionado ao entendimento de que a formação ou a diferenciação dos tipos de economias ocorre em função do caráter das relações de produção existentes entre as pessoas, por essa razão se observa diferentes nomenclaturas, como economia escravista, economia feudal ou capitalista, entre outras (RUBIN, 1980).

No caso da economia capitalista, por exemplo, o seu surgimento se deu no século XVI através do comércio mundial e do mercado mundial, a partir da circulação das mercadorias, e esse é o seu ponto de partida. Os seus pressupostos históricos estão baseados na produção e na circulação de mercadorias, no comércio, sendo que o dinheiro é uma das primeiras formas de aparição do capital (MARX, 1997).

Um das características do sistema capitalista é que, a partir do seu advento, o trabalhador deixa de ser o proprietário dos meios de produção, deixa de produzir para a sua própria subsistência; ele passa a produzir para o capitalista, possuidor do capital, que contrata a sua força de trabalho (SOUZA, 1999).

Outro aspecto a ser considerado acerca da lógica da economia mercantil-capitalista se refere às observações feitas por Polanyi (2012) sobre o paradigma intelectual dominante baseado na crença da eficácia da competição de mercado, fundação sobre a qual o sistema capitalista está apoiado (THROSBY, 2003).

Sobre essa questão, há de se fazer uma ressalva para compreender que o problema não está na economia, pois é impossível imaginar ou ainda cogitar a sobrevivência de alguma sociedade sem a existência desta, qualquer que seja a espécie, pois a economia está presente em todas as sociedades. O erro está em pensar na possibilidade da existência e manutenção de mercados capitalistas autorregulados e, mais ainda, que estes resultem em um modelo cuja função possa ir além de um papel incidental na vida econômica, tornando-se um ordenador de toda a vida de uma sociedade (POLANYI, 2012).

A economia de mercado, se desenvolvida sem controle, de acordo com suas próprias leis, pode resultar em grandes e permanentes males, tanto para o homem quanto para a natureza, já que esses interagem no processo de produção. Isso ocorre porque tal interação passará a ser organizada de acordo com a autorregulação do mercado de permuta e troca, fazendo ingressar nessa órbita tanto o homem como a natureza, sujeitando-os também à oferta e procura, fazendo com que sejam manuseados como mercadorias, como bens produzidos para a venda (POLANYI, 2012).

Polanyi (2012) chama a atenção para o fato de que a causa de degradação, tanto de um povo como de uma classe social, não é resultado da exploração econômica, como para muitos parece evidente, mas sim resultado da desintegração do ambiente cultural das vítimas. É possível que o processo econômico seja um veículo para a destruição, como quando se confrontam capacidades econômicas distintas, as quais possivelmente resultarão na subjugação do mais fraco. O ferimento letal, porém, estará naquele imputado às instituições nas quais a sua existência social se encontra inserida, sejam povos ou classes sociais. “O resultado é a perda do autorrespeito e dos padrões, seja a unidade um povo ou de uma classe, quer o processo resulte do assim chamado ‘conflito cultural’ ou de uma mudança na posição de uma classe dentro dos limites de uma sociedade” (POLANYI, 2012, p. 176).

Nesse processo, a degradação será resultado do vácuo cultural que se formará e o qual as pessoas passarão a vivenciar, gerando o tédio, que surgirá em virtude da perda de suas habilidades e das condições políticas e sociais da sua existência, ocasionando o próprio desperdício de suas vidas. Engana-se aquele que pensa que a vivência em um vazio cultural possa ser preenchida pelas necessidades econômicas, com estas suprindo o vazio e tornando a vida mais suportável (POLANYI, 2012).

Além disso, nessa perspectiva, o motivo que leva as pessoas a trabalharem acaba por não ser resultado de uma resposta do organismo a uma situação externa, mas sim determinado culturalmente (POLANYI, 2012).

O fato de uma economia de mercado ser imposta a uma comunidade organizada, indiferentemente se de forma forçosa ou não, de modo inteiramente diverso, é o que destroça as instituições; tanto o trabalho como a terra são transformados em mercadorias, o que, mais uma vez, é apenas a lógica abreviada para a liquidação de toda e qualquer instituição cultural existente em uma sociedade orgânica (POLANYI, 2012).

Nesse sentido, a separação do trabalho das demais atividades da vida e a sua subordinação às leis do mercado equivalem ao aniquilamento de todas as formas orgânicas da existência, substituindo estas por um tipo diferente de organização, com características atomista e individualista (POLANYI, 2012).

Cabe esclarecer que ao se falar de mercado não se deve ter em mente somente uma perspectiva, o termo pode assumir diferentes conotações. Neale (1976) explica que frequentemente se supõe que a existência de um sistema de mercado se refere ao sentido moderno de mercado, aquele criador de preços, na perspectiva dos economistas, no entanto existem outros significados, aqueles que poderiam ser relacionados à visão do historiador e do antropólogo.

Considerando-se, no entanto, a visão predominante dos economistas, o mercado é visto como sendo um mecanismo que produz preços. Os preços por sua vez exercem no mercado a função de regular a oferta de produtos de acordo com a demanda e de canalizar a demanda de bens de acordo com a oferta disponível. O mercado, portanto, pode ser definido como um mecanismo de oferta-demanda-preço (POLANYI, 2012; NEALE, 1976).

Quando o economista utiliza o termo “mercado”, está se referindo a esse mecanismo autoequilibrado. Em síntese, um sistema de mercado autorregulado é aquele em que toda a mudança nas condições de demanda ou de oferta produz reações por todo o sistema até que todos e

cada um dos mercados alcancem um novo equilíbrio e os vendedores ofereçam exatamente a quantidade que os demandantes estão dispostos a comprar ao preço existente, sem que se produzam por nenhuma das partes mais pressões para mudar os preços (NEALE, 1976).

As mercadorias, assim, circulam pelo mercado e por este são avaliadas, as conexões e interações reais se dão com base na comparação do valor dos bens e da sua troca. A comunidade, de forma indireta, através do mercado, regula os produtos do trabalho e as mercadorias, ou seja, as coisas. Variações nos preços e na circulação dos bens de mercado determinam alterações na distribuição da atividade do trabalho dos produtores de mercadorias isolados, bem como na sua entrada ou saída em determinados ramos de produção e, consequentemente, na redistribuição das forças produtivas da sociedade (RUBIN, 1980).

Considerando-se essas determinantes, ou seja, as condicionantes do mercado e suas consequentes flutuações, os produtores, subordinados a essa lógica, irão adaptar, durante o processo de produção, as suas atividades de trabalho, de maneira antecipada, às condições que são esperadas pelo mercado. A dependência do mercado faz com que a atividade produtiva de um dependa da atividade produtiva de todos os demais membros da sociedade (RUBIN, 1980).

A troca se torna o ponto central a ser considerado pelos produtores, é “parte do verdadeiro processo de reprodução da atividade produtiva das pessoas” (RUBIN, 1980, p. 24). A coisa acaba por adquirir características sociais específicas em uma economia mercantil, com valor, dinheiro e capital não só ocultando as relações de produção entre as diferentes pessoas envolvidas como também as organizando e servindo como elo entre elas (RUBIN, 1980).

Esse processo de equiparação dos produtos, uns aos outros na troca, como valores, faz com que os diferentes trabalhos também sejam equiparados, como modalidades de trabalho, provocando a unificação da atividade produtiva das pessoas (RUBIN, 1980).

Quando essa relação de troca é estabelecida, com a transferência de coisas entre as diferentes classes sociais, em uma combinação específica de elementos técnicos de produção, ocorre a reificação das relações de produção entre as pessoas. Os indivíduos passam a se relacionar uns com os outros em função de determinadas relações de produção e não como membros de uma sociedade, nem como pessoas que ocupam um lugar no processo social de produção, mas sim como proprietários de determinadas coisas, como representantes sociais de distintos elementos da produção (RUBIN, 1980)

Considerando-se essas premissas, Bourdieu (2003) critica o emprego desses postulados de uma economia capitalista para o estudo de economias arcaicas, cujas singularidades e imbricações das práticas econômicas com as demais práticas sociais são distintas, algo inclusive característico dessas formações sociais, o que também é questionado por Polany, Arensberg e Pearson (1976).

Nesse sentido, Bourdieu (2003), tratando dos bens simbólicos, destaca o fato de que nesse caso a formação de um mercado de obras de arte conduziu a um processo de diferenciação no que se refere, entre outros aspectos, às classes sociais, ou seja, passaram a existir dois tipos de obras de arte, as eruditas e as do grande público. Isso aconteceu em função de um processo de autonomização das artes, que ocorreu de modo correlato ao desenvolvimento do capitalismo e que resultou na diferenciação do público e consequentemente da produção artística, dissociando-se a arte como simples mercadoria da arte como pura significação, a qual passou a ser destinada a uma burguesia especializada. Essa dissociação surgiu como um revide à possibilidade de submissão da produção artística ao mercado, na perspectiva de uma arte livre, ou seja, a arte se pôs superior, considerando ser o “criador” o único capaz de reconhecer o receptor ideal do seu trabalho (BOURDIEU, 2003).

Dessa tentativa de generalização e enquadramento é que surgem as premissas históricas que permitem legitimar a concepção de estrutura social resultante. Esta decorre da aplicação de regras de uma economia capitalista a formações sociais em que, por exemplo, o trabalho não é diferenciado entre rentável e simbólico, originando uma sociedade que passa então a diferenciar o mercado material do simbólico. Essa diferenciação acaba por incidir também no trabalho material e no trabalho simbólico, transfigurando as relações de classes e exigindo um trabalho institucionalmente organizado (MICELI, 2003).

Dessa lógica deriva, portanto, a autonomização da produção intelectual e artística que resulta na constituição de uma categoria