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A gnosias da m úsica ou am usias receptivas

No documento Neuropsicologia - Roger Gil.pdf (páginas 170-174)

As am usias receptivas assinalam a incapacidade de reconhecer as m elo­ dias, assim com o suas características m usicais de base, tais com o podem ser inventariadas no teste de Seashore: altura tonal, intensidade, ritm o, duração, tim bre e m em ória m elódica. Esses distúrbios podem surgir na au­ sência d a afasia e até na ausência de um a agnosia p ara os ruídos, do m esm o modo que esta últim a pode surgir sem amusia, o que defende a especificidade do tratam ento cerebral das m ensagens musicais. Porém , a especificidade não afasta o caráter com posto dos m ecanism os de reconhecim ento m usical, que faria intervir a análise de sua organização m elódica e de sua organização tem poral precedente (ritm o, com passo) e que perm itiria o acesso a um a representação m em orizada de um léxico ou reper-tório. U m a outra classifica­ ção propõe distinguir três níveis de desintegração: o não reconhecim ento da m úsica com o tal entre os outros sons, o não reconhecim ento das caracte­ rísticas estruturais da m úsica (altura tonal, tim bre etc., ver supra) e, fin al­ m ente, a im possibilidade de id en tificar um a m elodia conhecida, que pode existir na ausência dos distúrbios precedentes. A m úsica é, com o a lingua­ gem , um sistem a codificado, que possui um pólo receptivo e um pólo ex­ pressivo, um modo falado, cantado e escrito. Enfim , a exploração do conhe­ cim ento m usical é dificultada pela diversidade dos conhecim entos e das aptidões musicais: é isso o que m ostra o teste de Seashore, concebido para descobrir talentos m usicais na população escolarizada.

Provavelm ente, é a grande diversidade das com petências em pregadas pela m úsica que explica o caráter confuso, senão contraditório, das observa­ ções dos afásicos. C om certeza, um a am usia pode acom panhar urna afasia, m as a preservação do reconhecim ento dos ritm os, do tim bre e das m e-lodias tam bém foi encontrada. Os afásicos de Broca ou de W ernicke podem , assim , diferenciar um acorde em tom m aior de um acorde em tom m enor, descobrir os erros feitos na execução de m elodias conhecidas, reconhecer, por m últi­ pla escolha, um a m elodia apresentada anteriorm ente. Foi isso o que m os­ trou a observação de afásicos m úsicos, cujo caso m ais conhecido é, sem dúvida, o de M aurice Ravel. E ssas constatações podem , então, significar que a preservação do reconhecim ento m usical é com patível com um a afasia e que poderia, então, depender do hem isfério direito. O estudo do teste de Seashore antes e depois de um a lobotom ia tem poral mostrou um a queda dos escores dos subtestes de duração, de tim bre, de intensidade e de m em ória m elódica, depois da lobotom ia direita. A superioridade do ouvido esquerdo, no teste de escuta dicótica de m elodias, estaria invertida nos m úsicos, b e­ neficiando o ouvido direito. U sando de prudência, podem os afirm ar que um não reconhecim ento da música com o música, considerada então com o um “chiado, um ruído” , deriva de um a lesão hem isférica direita. A percepção das características estruturais das partituras m usicais depende, sem dúvida, dos dois hem isférios. Se parece estabelecido que a percepção do ritm o este­ ja , norm alm ente, assegurada pelo hem isfério esquerdo, a apreciação do

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contorno m elódico estaria reservada ao hem isfério direito, e a análise du altura tonal seria mais um a função do hem isfério esquerdo. Isso explicaria o caso de um violinista que, depois de um infarto silviano esquerdo, perdeu o ouvido absoluto, ou seja, a possibilidade de reconhecer as notas sem referência a um a nota de base. Q uanto à capacidade de identificar um a m elodia, ela seria eletivam ente alterada nas lesões do hem isfério esquerdo, m esm o se for verdade que ela pode ser preservada em alguns afásicos e perturbada por ocasião de certas lesões do hem isfério direito. A recepção da m úsica livra-se de um a especialização hem isférica m uito categórica e, pelo m enos, está claro que os dois hem isférios estão envolvidos. A diversidade das situações clíni­ cas, sem dúvida, dependeria de m últiplos fatores: lateralização hem isférica am bígua e variável das inúm eras com petências em pregadas? D iversidade das aptidões m usicais? Im plicação preferencial de um ou de outro hem isfé­ rio em função da aprendizagem m usical? É verdade que, para aptidões iguais, a discrim inação de duas alturas tonais, de duas m elodias, certam ente não representa o m esm o processo para o não m usicista, para o m elom aníaco e para o m usicista tarim bado, porque essas tarefas podem proceder de qualida­ des perceptivas puras ou fabricadas por um a form ação que reforce essas qualidades (um ouvido pode ser “educado”) e que pode subm etê-las a repre­ sentações sem ânticas cada vez m ais verbalizadas. R econhecer a m elodia de um a canção ou de um concerto subtende processos diferentes em função dos sujeitos. E sem dúvida, há o papel desem penhado pela em oção estética, pouco m obilizado nas investigações neuropsicológicas, que são m ais cen­ tradas nos inventários técnicos de aptidões m usicais do que no processo ecológico, porque o papel da m úsica é, antes de qualquer coisa, o de com uni­ car em oções, diversam ente sentidas de um indivíduo para o outro, em fun­ ção da cultura, da própria história e dos gostos pessoais.

Entretanto, seria artificial enfocar as am usias “receptivas” sem abordar as desordens de expressão musical. Já é aceito que a expressão m elódica contínua preservada na afasia e que os doentes podem cantar com palavras a estereotipia na afasia de Broca, cantarolar as palavras na afasia W ernicke, com o é possível constatar que a expressão m elódica pode favorecer a expressão verbal nesses dois tipos de afasia, o que, aliás, desperta um interesse reeducativo. A hemiplegia esquerda pode apresentar tanto um a perturbação na expressão musical canta­ da quanto um a aprosódia, o que contrasta com a capacidade de dizer as palavras. A capacidade de expressão m usical é, então, atribuída ao hem isfério direito.

A m úsica pode ser ouvida e cantada; tam bém pode ser lida e escrita, graças a um sistem a codificado verbalizado: pautas, claves, notas e regras de solfejo, cujas perturbações acom panham as afasias, as agrafias e as alexias. Porém , é verdade que existem observações excepcionais de agrafia musical sem agrafia verbal e alexia musical sem alexia verbal. A m anipulação de instrum entos de m úsica pertence ao dom ínio de com petências apráxicas. Foi descrita um a apraxia especificam ente musical, sendo que aapraxia instrumental bimanual

não perm ite mais tocar (piano ou acordeão): esse distúrbio foi observado depois de lesões do hem isfério direito, do lobo temporal esquerdo e dos dois hemisférios.

150 S u r d e z c o rtic a l e a s a g n o s ia s a u d itiv a s

A g n o s i a s p a r a l i n g ü í s t i c a s : a g n o s i a s d a p r o s ó d i a e m o c i o n a l e f o n o a g n o s i a

As agnosias paralingüísticas reúnem as agnosias que afetam não as m ensa­ gens verbais em si, mas o meio afetivo e a identificação de quem fala. A incapacidade de reconhecer as entonações em ocionais da linguagem falada é um a agnosia auditivoverbal afetiva ou u m aaprosódia receptiva: ela surge por ocasião de lesões do hem isfério direito (consultar capítulo 17).

\ fonoagnosia, observada nas lesões têmporo-parietais direitas está para a voz

assim como a prosopagnosia está para os rostos. Ela tam bém resulta de lesões do hem isfério direito, o que confirma que os componentes lingüísticos e não lingüísticos da linguagem falada não dependem do mesmo hemisfério.

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