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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA

2.2 ANÁLISE DO DISCURSO MULTIMODAL

2.2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional

Sendo utilizada como uma ferramenta analítica para a linguagem verbal neste estudo, com vistas à ADM e à ACG, a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014) merece destaque. Conceitualmente, a GSF considera a gramática como um sistema de escolhas potenciais não arbitrariamente motivadas e procura explicar as implicações comunicativas de uma seleção dentro desse sistema a fim de analisar as motivações que promovem escolhas lexicogramaticais particulares. Para tal, a GSF (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014) compreende a língua como tendo três metafunções: a) Ideacional: concentra-se nas representações das experiências dos indivíduos; b) Interpessoal: concentra-se na interação dos indivíduos e c) Textual: concentra-se na organização da mensagem dos indivíduos (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1994; 2004; 2014). As próximas três subseções desta dissertação descrevem as três metafunções da GSF, focalizando, dentro de cada uma, nos aspectos utilizados neste estudo por questões de tempo e espaço.

2.2.1.1 A Metafunção Ideacional

A metafunção ideacional, a qual se concentra em representações de experiências, pode ser mapeada através do Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Sobre a metafunção ideacional, Fuzer e Cabral9 (2014, p. 39) afirmam que

quando o indivíduo expressa a sua experiência do mundo material ou de seu mundo interior ( o de sua própria consciência), está usando o componente experiencial da metafunção ideacional da linguagem [...] A forma prototípica da experiência exterior corresponde a ações ou eventos, ou seja, coisas que acontecem , e atores fazem coisas ou levam-nas a acontecer. Já a experiência [interior] se constitui de lembranças, reações, reflexões e estados de espírito que se verificam no nível da consciência. Adicionalmente a esses dois âmbitos da experiência, o ser humano é capaz de fazer relações entre um e outro fragmento de sua experiência, seja através de identificação ou de caracterização.

O Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY;

MATTHIESSEN, 2004; 2014) consiste de Participantes, Processos e Circunstâncias, os quais são os componentes das orações. Há diferenças sobre o que se considera transitividade na gramática tradicional e na GSF. Na primeira, “transitividade refere-se à relação dos verbos com os seus complementos” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 40), por sua vez a segunda considera transitividade a “descrição de toda a oração, a qual se compõe de processos, participantes e eventuais circunstâncias” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 40).

Os Participantes são as pessoas ou coisas representadas na língua e envolvidas ou afetadas por um Processo. Os Processos podem ser de seis tipos: Material, Comportamental, Mental, Verbal, Relacional e Existencial. As Circunstâncias servem para realçar e especificar os Processos em termos de localização, modo, contingência, ângulo, razão e assim por diante (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). O Quadro 1 a seguir sistematiza os componentes do Sistema de Transitividade:

9

As informações contidas na obra de Fuzer e Cabral (2014) são baseadas na extensa literatura prévia escrita por Halliday (1985; 1994) e HALLIDAY; MATTHIESSEN (2004; 2014) e em pesquisas próprias cuja base está na mesma literatura.

Quadro 1– Os componentes do Sistema de Transitividade e seus conceitos

Componentes Definição Categoria gramatical

realizadora típica

Processos São os elementos centrais da

configuração, indicando a

experiência e se

desdobrando através do

tempo.

Grupos verbais

Participantes São as entidades envolvidas

– pessoas ou coisas, seres animados ou inanimados -, as quais levam à ocorrência do processo ou são afetadas por ele.

Grupos nominais

Circunstâncias Indicam, opcionalmente, o

modo, o tempo, o lugar, a causa, o âmbito em que o processo se desdobra.

Grupos adverbiais

Fonte: Adaptado de Fuzer e Cabral (2014, p. 41).

Os Processos são o centro da oração de acordo com uma perspectiva ideacional, pois “a oração é, em primeira instância, sobre o evento ou estado em que os Participantes estão envolvidos” (THOMPSON, 2004). Uma prova para isso é o fato de que se nomeiam os Participantes de uma oração a partir da identificação do Processo. Sem a identificação do Processo, não é possível classificar os Participantes de maneira apropriada. A Figura 2 a seguir demonstra os seis tipos de Processos identificados pela GSF (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). As palavras que aparecem fora do círculo são as que se referem à nomenclatura dos tipos de Processos:

Figura 2 – Tipos de Processos e seus possíveis significados

Fonte: SOUZA; MENDES, 2012, p. 541 (adaptado de HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 172).

As seis variedades de Processos juntamente com seus Participantes mais representativos são exploradas a seguir. Tipos de Processos originam tipos de orações. Assim, uma oração que contém um Processo material pode ser chamada de oração material GSF (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). As orações materiais podem ser definidas como as orações de “fazer e acontecer” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Os Processos materiais que se desenrolam nessas orações são um dos tipos mais salientes de Processos e constituem uma das categorias mais diversas dentro do Sistema de Transitividade (THOMPSON, 2004). Tais Processos referem-se a ações físicas: “correr, atirar, arranhar, cozinhar, sentar-se, e assim por diante” (THOMPSON, 2004, p. 90). O Participante que provoca um Processo material recebe o nome de Ator. A oração material pode conter apenas esse Participante, ou apresentar uma Meta – Participante afetado ou criado pelo Processo Material (THOMPSON, 2004).

Exemplo 1

Michelangelo Pintou a Divina Comédia.

Ator Processo Material Meta

Exemplo 2

Surgiram mercados alternativos.

Processo Material Ator

Fonte: Fuzer e Cabral (2014, p. 47). Exemplo 3

He had been shaving.10

Ator Processo Material

Fonte: Thompson (2004, p. 90).

Os Processos mentais são processos de sentir, desejar, pensar e perceber, não sendo tipos de ação (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). As orações mentais são aquelas que “se referem à experiência do mundo de nossa consciência” (FUZER, CABRAL, 2014, p. 54). Os Processos que as constituem sempre envolvem pelo menos um Participante humano ou humanizado, o qual vivencia o Processo (HALLIDAY & MATTHESSEN, 2014). Tais Participantes são denominados Experienciadores, já os Participantes que constituem o complemento desses Processos, denominam-se Fenômenos. Processos mentais indicam “afeição, cognição e desejo” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 54).

Exemplo 4

Em determinado

momento,

(eu) tive que decidir e

confiar

nas pessoas com

quem trabalho.

Circunstância Experienciador

(elíptico)

Processos mentais Fenômeno

Fonte: http://www.superpride.com.br/2017/05/max-riemelt-do-sense8-fala-como-e-fazer-cenas- de-nu-frontal.html

Exemplo 5

She could hear his voice.

Experienciador Processo mental Fenômeno

Fonte: Thompson (2004, p. 92)

10 É importante a apresentação de exemplos em língua inglesa, a qual é a língua em que o corpus dessa pesquisa se

Orações relacionais estabelecem entre seres/entidades, por isso possuem pelo menos dois Participantes (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Tais orações dividem-se em dois tipos principais: atributiva e identificativa. A primeira tem como Participantes o Portador/Possuidor e o Atributo/Posse e denota a atribuição/posse de uma característica/algo a alguém/alguma coisa; por sua vez, a segunda possui o Identificado e o Identificador como seus Participantes e designa/determina identidade. (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014; FUZER; CABRAL, 2014; THOMPSON, 2004).

Exemplo 6

A Netflix ainda não revelou se a série “13 Reasons Why” terá continuação. Oração projetante do tipo verbal

Portador/Possuidor Processo relacional atributivo

Atributo/Posse

Fonte: http://www.superpride.com.br/2017/05/a-historia-de-hannah-ainda-nao-acabou-diz- roterista-de-13-reasons-why.html

Exemplo 7

(...) ela ainda é o centro disso tudo.

Identificado Circunstância Processo relacional

identificativo

Identificador

Fonte: http://www.superpride.com.br/2017/05/a-historia-de-hannah-ainda-nao-acabou-diz- roterista-de-13-reasons-why.html

Exemplo 8

His immediate objective was the church.

Identificador Processo relacional

identificativo

Identificado Fonte: Thompson (2004, p. 99)

Orações verbais são compostas pelos chamados processos do dizer (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014; THOMPSON, 2004). Tendo tal característica, esses Processos são capazes de atribuir discursos e informações a fontes exteriores, como é o caso do texto jornalístico (FUZER; CABRAL, 2014). Os Participantes mais recorrentes nesses tipos de orações são os Dizentes, quem fala, e a Verbiagem, o que é dito. Também podem aparecer Participantes como o Receptor, a quem é Verbiagem é dirigida, e o Alvo, entidade atingida pelo Processo verbal. Além desses Participantes, Processos verbais são capazes de projetar outras orações, que funcionam como Participantes e recebem os nomes de Citação ou Relato. Citação é a oração

projetada geralmente introduzida pelo recurso das aspas, enquanto o Relato é a oração projetada pelo Processo diretamente sem tal recurso (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Em língua portuguesa, o Relato é introduzido pelas conjunções que ou se (FUZER; CABRAL, 2014). Exemplo 9

Conforme a Polícia Militar (PM),

a avó da vítima contou que o homem se aproveitou de que ela havia tomado remédio

para dormir e abusou

sexualmente da criança, que é neta dela.

Circunstância Dizente Processo

verbal

Oração projetada: Relato

Fonte: http://g1.globo.com/ro/ariquemes-e-vale-do-jamari/noticia/mulher-atira-tres-vezes-no- marido-ao-descobrir-que-ele-estuprou-neta-dela-de-9-anos-em-ro.ghtml

Exemplo 10

Ele afirmou: “Claro que é algo que me preocupa

porque não sei em que outro contexto esse material vai ser usado por aí. (...)”

Dizente Processo verbal Oração projetada: Citação

Fonte: http://www.superpride.com.br/2017/05/max-riemelt-do-sense8-fala-como-e-fazer-cenas- de-nu-frontal.html

Exemplo 11

I explained to her the meaning.

Dizente Processo verbal Receptor Verbiagem

Fonte: Thompson (2004, p. 102) (adaptado)

Processos Comportamentais estabelecem-se entre os Processos Materiais e Mentais, apresentando traços de ambos (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). As orações comportamentais (Ex. 12 e 13) referem-se “especificamente a processos humanos fisiológicos” (THOMPSON, 2004, p. 103). Tais orações costumam ter apenas um Participante, o qual é humano, o Comportante (THOMPSON, 2004). Às vezes, o Processo comportamental apresenta o Comportamento (Ex. 14), que funciona como um complemento do Processo (FUZER; CABRAL, 2014; THOMPSON, 2004).

Exemplo 12

Dizente (elíptico) Processo comportamental Circunstância

Fonte: http://www.superpride.com.br/2017/05/ex-pastor-evangelico-conta-como-saiu-do-

armario-apos-tentar-curar-gays.html

Exemplo 13

He Stared in amazement.

Dizente (elíptico) Processo comportamental Circunstância

Fonte: Thompson (2004, p. 104) Exemplo 14

Ele Deu um abraço.

Dizente (elíptico) Processo comportamental Comportamento

Fonte: sugestão da Professora Dra. Sara Regina Scotta Cabral após a defesa da dissertação. As orações existenciais representam algo que existe ou acontece (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Essas orações têm menor recorrência nos discursos se comparadas a outras; seu Participante típico é o Existente (FUZER; CABRAL, 2014), o que se pode observar nos exemplos 15 e 16.

Exemplo 15

Mas já Não Há caminhos pra voltar.

Elemento Textual Elemento

Interpessoal

Processo Existencial Existente

Fonte: Bem que se quis, Marisa Monte (https://www.letras.mus.br/marisa-monte/26825/)

Exemplo 16

I know There ‘s Something in the wake of

your smile. Oração mental projetante Processo Existencial Existente Circunstância

Fonte: Listen to your heart, Roxette (https://www.letras.mus.br/roxette/34460/)

O Quadro 2 a seguir apresenta um resumo dos Processos e seus principais Participantes.

Quadro 2 – Processos e seus Participantes

Tipo de Processo Participantes

Material Ator, Meta, Escopo, Atributo e Beneficiário

Mental Experienciador e Fenômeno

Relacional Portador/Possuidor e Atributo/Posse

ou

Identificador e Identificado

Verbal Dizente, Verbiagem, Receptor e Alvo

Comportamental Comportante e Comportamento

Existencial Existente

Fonte: Autor. Com base em HALLIDAY; MATTHIESSEN (2014), Fuzer e Cabral (2014) e Thompson (2004).

Outro elemento do Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014) são as Circunstâncias. Para Fuzer e Cabral, “As Circunstâncias adicionam significados à oração pela adição do contexto em que o processo se realiza. São usualmente realizadas por grupos adverbiais ou por grupos preposicionais e podem ocorrer livremente em todos os tipos de processos” (2014, p. 53). Thompson afirma que “Circunstâncias [...] essencialmente codificam o pano de fundo no qual o Processo se desenrola” (2004, p. 109). Dessarte, podemos afirmar que as Circunstâncias são capazes de englobar a oração inteira. Imaginemos a oração como uma esfera com três camadas: a primeira é representada pelos Processos, o centro; a segunda camada envolve a primeira, é representada pelos Participantes engajados nos Processos, já a terceira camada, a mais externa, envolve a segunda e, consequentemente, a primeira, sendo representada pelas Circunstâncias onde Processos e Participantes se encontram.

O Quadro 3 a seguir apresenta tipos e subtipos de Circunstâncias. Logo em seguida, alguns exemplos em orações são mostrados.

Quadro 3 – Tipos de Circunstâncias e seus subtipos

Tipos Subtipos Exemplos