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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA

2.1 ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO

A Análise Crítica de Gênero (ACG) (MOTTA-ROTH, 2006; 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015) constitui-se como uma ferramenta teórico-metodológica para a análise de gêneros discursivos e seu papel dentro do contexto em que estão. A ACG caracteriza-se como um aparato analítico misto, pois envolve preceitos de três outras teorias: Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992; 2003), Análise de Gênero (SWALES, 1990; ASKEHAVE; SWALES, 2001) e Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; HASAN, 1989; HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). A ACG (MOTTA-ROTH, 2006; 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015) (re)pensou e (re)organizou os preceitos de suas três teorias basilares de modo que elas servissem conjuntamente para formar um mecanismo de análise da linguagem em contextos de uso.

Realizações na linguagem são feitas através de atos discursivos (MOTTA-ROTH, 2008) e tais realizações conjecturam valores e ideologias concebidos socialmente. Esse pensamento da ACG reflete a perspectiva da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992; 2003) de linguagem como prática social, compreendendo o discurso como uma maneira de representar e agir no mundo. Dessa mesma forma, a ACG faz alusão à “relação dialética entre discurso e estrutura social” (FAIRCLOUGH, 1992, p. 64); em outras palavras, a estrutura social é condicionada pelo discurso e é consequência dele e, simultaneamente, o discurso é delineado e delimitado pela própria estrutura social.

Nesse sentido, a Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992; 2003) dá à ACG uma visão crítica de dois elementos principais: texto e contexto, de modo que o

pesquisador apure o texto que manifesta a linguagem com um olhar permanente para seu contexto (MOTTA-ROTH, 2008). Tal viés da ACG é crucial no presente estudo, pois ele orienta a pesquisa para um lado social, ou seja, não permitindo que o pesquisador “esqueça” que a linguagem ocorre dentro de um espaço-tempo envolvido por uma estrutura social detentora de uma ideologia3 que é produtora de seu discurso e (re)construída por ele mesmo. Assim, a compreensão da estrutura social da qual o JoVE faz parte é fundamental para o entendimento dos dados da análise, pois ela deve estar refletida de alguma maneira na composição dos AAVPPs. A investigação do contexto do presente estudo é feita através de uma análise documental, isto é, uma análise de textos encontrados no próprio sítio eletrônico do periódico que descrevem seu funcionamento4.

A Análise de Gênero (SWALES, 1990; ASKEHAVE; SWALES, 2001), outra orientação basilar da ACG, concebe gênero como algo novo e de forma inovadora que compreende uma classe de eventos comunicativos nos quais a linguagem possui papel significante e indispensável5. Dessa forma, pode-se dizer que a necessidade de comunicar algo concebe um gênero, e o surgimento deste acontece a partir de uma necessidade social a qual é realizada na forma de um texto (que pode ser multimodal) a fim de efetivar uma nova função/um novo propósito. Analisar um gênero demanda reconhecimento de padrões entre exemplares do mesmo tipo (SWALES, 1990; ASKEHAVE; SWALES, 2001), investigando como eles são constituídos e descrevendo sua organização retórica.

De acordo com Hendges (2008, p. 103), organização retórica é “o padrão organizacional das informações em um texto”. Hendges detalha a definição de padrão organizacional

(...) Esse padrão organizacional é formado por um conjunto de componentes funcionais interligados, mas, ao mesmo tempo, autossuficientes, ordenados com maior ou menor rigor, os quais sistematizam as informações de um gênero em um todo coerente. Quando somados, tais componentes materializam a forma e função (propósito comunicativo) do gênero (HENDGES, 2008, p. 103)

3 Entende-se por ideologia as interpretações/significações/ construções da realidade e hegemonias (soberanias sobre

as sociedades) propagadas via discurso (FAIRCLOUGH, 1992).

4

A análise documental será detalhada no capítulo 3.

Nesse sentido, a Análise de gênero concede à ACG aspectos textuais, ou pistas linguísticas, que devem auxiliar na identificação de uma organização retórica, a qual realiza um propósito comunicativo. Esse direcionamento da ACG é de extrema relevância no presente trabalho uma vez que ele auxilia na compreensão de recorrências no texto, neste caso de relações intersemióticas, que configuram a organização retórica dos AAVPPs, além de fomentar a investigação da comunidade discursiva em que o gênero circula (ASKEHAVE; SWALES, 2001).

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) (HALLIDAY; HASAN, 1989; HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), outro suporte da ACG, consiste em uma ferramenta de análise que considera a linguagem como prática social que reflete seu contexto de produção e possui três linhas de significados (metafunções): ideacional,

interpessoal e textual6 (HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Dessa

forma, a LSF possui um olhar descritivo e não normativo para com a linguagem. Assim, a LSF alinha-se à ACG, dado que esta deixa clara a necessidade de uma análise textual inseparável da análise contextual. Por conseguinte, a LSF torna-se uma coerente ferramenta analítica dentro da ACG, já que ela por si só é capaz de revelar pistas sobre o contexto de produção de textos.

Então, o que é fazer uma Análise Crítica de Gênero? Em síntese, a ACG (MOTTA- ROTH, 2006; 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015) reuniu três teorias que fundamentaram alguns princípios norteadores para esse aparato teórico-metodológico misto:

a. Usando a Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992; 2003), os pesquisadores devem estender a análise ao nível mais abstrato da linguagem, a ideologia, revelando relações de poder e aspectos sociais e políticos ‘por trás’ dos textos;

b. Usando a Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; HASAN, 1989; HALLIDAY, 1985; 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), os pesquisadores devem analisar textos de modo que encontrem neles padrões léxico-gramaticais e semânticos a partir de uma ferramenta sistêmica: a Gramática Sistêmico-Funcional;

c. Usando a Análise de Gênero (SWALES, 1990; ASKEHAVE; SWALES, 2001), os pesquisadores devem investigar a recorrência de padrões retóricos em blocos linguísticos

funcionais em vários exemplares do gênero abordado, bem como o contexto onde tais gêneros circulam.

Reunindo esses princípios norteadores, podemos dizer que fazer Análise Crítica de Gênero é fazer Análise Crítica do Discurso em vários exemplares de um mesmo gênero utilizando categorias descritivas sistêmico-Funcionais e investigando o contexto de produção, consumo e distribuição desses gêneros a partir de metodologia de cunho etnográfico.

Como mencionado anteriormente, nesta mesma seção, utilizamos o conceito de gênero proposto por Swales (1990) para esta pesquisa. No entanto, agregamos a esse conceito considerações feitas por Van Leeuwen (2005), que trata o gênero discursivo como essencialmente multimodal. Multimodal significa uma produção a partir da associação de “escolhas variadas disponíveis historicamente entre os diferentes modos de significado7” (THE NEW LONDON GROUP, 2000, p. 29). Os textos multimodais contêm “uma interação complexa de texto escrito, imagens e outros elementos gráficos ou sonoros, organizados em entidades coerentes a partir do layout8” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 17). No âmbito deste trabalho, tais considerações tornam-se indispensáveis, visto que lidamos com um gênero substancialmente multimodal.

Por isso, o ponto de vista teórico da Análise do Discurso Multimodal (ADM) é aliado à ACG para a composição dessa pesquisa e deve ser aliado a outras pesquisas em ACG que vão para além do recurso semiótico verbal em textos. A ADM vincula-se à teoria Sistêmico- Funcional por também ser de cunho descritivo e não normativo. Além disso, a ADM instiga a análise da multiplicidade dos recursos semióticos do discurso usados na comunicação entre pessoas (O’HALLORAN, 2004a). As fundamentações da ADM serão apontadas na próxima seção.