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3. A Prática Pedagógica do PROEJA

4.5. Os Fundamentos e os Procedimentos da Análise de Dados

4.5.1. A Hermenêutica de Gadamer

A hermenêutica como instrumento de interpretação, no modelo atual, teve a marcante contribuição de Gadamer (2007 a e b), mas são os estudos sobre a fenomenologia de Husserl que possibilitam a Heidegger constituir novas concepções da hermenêutica até chegar a Gadamer.

Conta-nos Gadamer que, em seu primeiro contato com Heidegger, deparou-se com um jovem filósofo revolucionário assistente de Husserl, em Freiburg, um pequeno homem moreno que não correspondia a suas expectativas. Quando começou a conversar com ele e viu os olhos dele, compreendeu que ―a fenomenologia tinha alguma coisa a ver com a visão‖, pois os olhos de Heidegger mostravam não apenas perspicácia penetrante, mas, antes de tudo, e também, fantasia e força intuitiva. Gadamer admite que levou muito tempo até aprender a desenvolver em si, com os limites de suas possibilidades, essa força intuitiva fenomenológica, que considerava, na época, quase totalmente desconhecida. Depois desse encontro, ele passou a

frequentar a preleção semanal ministrada por Heidegger sobre ontologia, os seus pró- seminários e seminários (GADAMER, 2007a, p. 11).

Podemos perceber, a partir do depoimento de Gadamer, que a hermenêutica não é apenas um saber. Trata-se de um conjunto de saberes que envolve o fazer, os sentidos, as emoções e a intuição do pesquisador/pesquisado, características que precisaremos desenvolver ao longo da pesquisa e sempre; contudo, no momento, nos limitaremos à apropriação dos elementos cognitivos para um estudo introdutório.

Na sua origem, o fenômeno hermenêutico não é, de forma alguma, um problema de método. O que importa a ele, em primeiro lugar, não é a estruturação de um conhecimento seguro, que satisfaça aos ideais metodológicos da ciência – embora, sem dúvida, se trate também aqui do conhecimento e da verdade. Ao se compreender a tradição, não se compreendem apenas textos, mas também se adquirem juízos e se reconhecem verdades. Mas que conhecimento é esse? Que verdade é essa? (GADAMER, 1999, p. 31).

A hermenêutica não está a serviço da ciência, pois não é somente um método, mas uma teoria filosófica de interpretação que possibilita a compreensão do sujeito/objeto de estudo em sua tradição e essência. Assim, a interpretação, para Gadamer, começa sempre com conceitos prévios que vão sendo substituídos por outros mais adequados num movimento do sentido, do compreender e do interpretar. O termo ―hermenêutica‖ foi usado inicialmente por Heidegger, mas o sentido dele foi mantido e ampliado por Gadamer (GADAMER, 1999, p. 25).

Nunes Junior (2003) enfatiza que Gadamer atentou para a necessidade de ―abertura à opinião do outro ou à do texto", o que significa que tinha ―a noção de alteridade do texto‖, pois "quem quer compreender um texto, em princípio, tem que estar disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si‖. Isso não significa ser neutro ou se anular diante do texto, pois a leitura implica nossas opiniões prévias, mas sem serem arbitrárias. A compreensão, para Gadamer, ocorre a partir de nossos preconceitos (ou pré-juízos), que são muito mais, do que meros juízos individuais, a realidade histórica do nosso ser. Tais preconceitos, que estruturam a compreensão, não são arbitrários. Diz Gadamer:

"A compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade quando as opiniões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias. Por isso faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto à sua

legitimação, isto é, quanto à sua origem e validez.‖ (NUNES JUNIOR, 2003, p. 4).

Talvez, diante da falta de conhecimento do que significa hermenêutica, considere-se complicado e até mesmo inalcançável o fazer hermenêutico. Contudo, Gadamer (1999) nos esclarece que o fenômeno da compreensão perpassa não somente tudo o que diz respeito ao mundo do ser humano, mas tem vitalidade independente também no terreno da ciência e resiste à tentativa de deixar-se ser reinterpretado como método da ciência. Ou seja, por ultrapassar o campo da tradição e estar no campo da essência humana, a hermenêutica está protegida da própria ciência que queira transformá-la puramente em método. Entender e interpretar os textos não é somente um empenho da ciência, já que pertence claramente ao todo da experiência do homem no mundo. ―Na sua origem, o fenômeno hermenêutico não é de forma alguma um problema de método‖ [...]. ―Não existe nenhum método específico para as ciências do espírito (GADAMER, 1999, p. 31, 45).

Diríamos que a hermenêutica possibilita uma leitura do mundo através do próprio mundo. O mundo como um grande texto, com todo um conteúdo a ser lido por ele mesmo, pois é ele que se sabe, se diz, se conhece, portanto potencialmente capaz de se compreender. Mas, na maioria das vezes, é todo esse conjunto que possibilita compreender que o investigador poderá atrapalhar-se caso não adote determinada postura.

Ousamos destacar, para a constituição de uma tomada de postura hermenêutica com base em Gadamer (1999), os pontos a seguir:

 precisamos estar cientes de nossas capacidades ligadas aos sentidos, às emoções, ao raciocínio, às intuições, ao conjunto de experiências vividas, pois elas nos possibilitam a interpretação;

 a materialidade a ser interpretada ultrapassa o conjunto de textos verbalizados, pois toda uma construção que envolve raciocínio, sentidos, emoções e experiências pessoais entra no jogo;

 apesar de não conhecermos há muito tempo as pessoas que se expressam e se comunicam conosco, nem sabermos muito sobre suas vidas, o pouco que dizem é suficiente para compreendermos o que nos propusermos a entender e, por mais diferentes que sejam as histórias delas, todas têm algo em comum entre elas e com nós mesmos;

 ao assumirmos a postura de intérpretes, articulando nossas capacidades no sentido de compreender os outros, precisamos, muitas vezes, colocar-nos no lugar desse outro;  a compreensão que buscamos, portanto, vai se dar a partir da interação das nossas

próprias possibilidades com as materialidades apresentadas, porém trata-se de uma perspectiva dentre as muitas possíveis.

Por conseguinte, compreendemos que o nosso caminho, agora, deve ser o que nos leva a construir o sentido da expressividade discente. Mais uma vez, Quintás (2004), filósofo espanhol, com sua compreensão fenomenológica-hermenêutica, vem em nosso auxílio. Ele destaca a diferença entre significado e sentido. ―O sentido se dá num nível de realidade distinto e superior em possibilidades ao nível em que ocorre o significado, mas ambos os níveis podem e devem colaborar e se complementar, isto é, integrar-se‖. Enfatiza a importância de nos acostumarmos a mover a atenção em dois níveis: o do significado e o do sentido. Tipo de atenção a que chama ―bifrontal‖, suspensa entre duas ou mais realidades de grau diverso. Seguindo essa compreensão, inferimos que os fatos são indispensáveis, trazem significado, mas não são suficientes. É preciso que haja sentido, pois é o sentido que contribui para desenvolver a personalidade de um ser humano. Nosso viver não pode ser apenas um fato, precisa ser um acontecimento, um marco na existência. Nossa vida precisa ter sentido, não apenas significar. Quintás brinda-nos com vários exemplos para mostrar essa diferença, e, dentre esses exemplos, destacamos dois: 1) perguntamos a alguém se são oito horas da noite e esse alguém responde afirmativamente; 2) o sacerdote pergunta a um dos cônjuges se ele(a) deseja casar-se com o(a) outro(a) e a resposta é afirmativa. No primeiro caso, o ―sim‖ apenas significa, não compromete o interlocutor. Já no segundo, a resposta é um ―acontecimento‖, orienta a existência de uma determinada maneira (QUINTÁS, 2004, p. 57).

Assim, caminhamos em busca do conhecimento, do sentido de ressignificar; de dar sentido às escolhas, ao estudo, ao existir.

Quintás (2004, p. 152) destaca que, para conhecer, dentre outras necessidades, há de se ter respeito à realidade estudada. Quanto mais se deseja unir-se a uma realidade, mais se deve respeitá-la naquilo que ela é chamada a ser. O respeito é a distância que permite conhecê-la. Esse filósofo apresenta-nos o triângulo hermenêutico representado abaixo, nos vértices cuja base (1, à esquerda e 2, à direita) encontram-se a ―imediatez‖ e a ―distância‖, respectivamente, e, no vértice superior, a ―presença‖. A imediatez e a distância unem-se e complementam-se para ascender à presença.

3. Presença

1. Imediatez 2. Distância

Nessa perspectiva, passamos à interpretação e à compreensão dos dados.