• Nenhum resultado encontrado

2. Da Prática Pedagógica à Ressocialização Discente do PROEJA

2.2. Noção de Ressocialização

2.2.1. Conteúdos da Ressocialização

A questão dos conteúdos, para Souza (2007), é o ponto em que a proposta pedagógica reúne e potencializa a organização da práxis pedagógica. Compreendemos, assim, que os conteúdos da ressocialização são os pedagógicos propostos por Souza, ou seja, os de caráter educacional, instrumental e operativo. Os educacionais são constituídos pela compreensão, interpretação, explicação das contradições, ambiguidades, conflitividades e possibilidades do contexto histórico cultural em que vivemos. Ou seja, eles são de nós próprios, dos outros com quem convivemos, das instituições, assim como de nossas relações com a natureza, com as instituições e entre nós. Os conteúdos instrumentais, os mais explorados na escola, mesmo de forma nem sempre efetiva, são aqueles compostos pela aprendizagem das linguagens verbais, matemáticas e artísticas, como meios de expressão dos conteúdos educacionais dos contextos vividos. Os conteúdos operativos, dependentes, de uma certa forma, dos dois anteriores, são constituídos pelo desenvolvimento da capacidade de projetar intervenções em diferentes âmbitos, do pessoal ao internacional, pela elaboração de planos, programas, projetos para encaminhar a solução dos problemas estudados como conteúdos educativos (SOUZA, 2007, p. 222-223).

Souza (2007) aponta para o debate sociofilosófico da diversidade cultural perguntando sobre ―as possibilidades do diálogo entre as diferentes culturas (interculturalidade)‖. Reconhece que estamos imersos em situações complexas e plurais, com o risco de estarmos diante da fragmentação da humanidade, ao invés da multiculturalidade, razão da dificuldade

intelectual e política de assumirmos posturas diante delas. Para esse autor, trata-se de uma questão de sobrevivência, especialmente em países pobres, onde a concentração de renda se desenvolve em meio à grande e crescente miséria. Souza cita Rodrigues-Ledesma (1998, p. 111-112 apud SOUZA, 2007, p. 322), para quem ―a complexidade do problema significa, entre outras coisas, um ponto cardeal: o reconhecimento e a aceitação da existência de outro equiparável em valor e valores a nós próprios‖. Souza destaca, ainda, a função da academia que, segundo ele, deveria contribuir para a redução das desigualdades e exclusões provocadoras de violências e antagonismos que estão se tornando insuportáveis. Chama-nos a atenção para a posição de Hall (2006, p. 8) e propõe para o termo ―cultura‖ e a expressão ―diversidade cultural‖ um processo de recognição a fim de que se compreenda a noção filosófica de identidade/sujeito individual e social na pós-modernidade/mundo, em que a pluriculturalidade poderia proporcionar a interculturalidade. Nessa troca se configurariam sociedades nacionais e uma grande sociedade internacional multicultural. Nelas os indivíduos desenvolveriam o potencial de suas identidades e o prazer da convivência com os diferentes, num crescimento material e simbólico (transculturalidade) (SOUZA, 2007, p. 314-336).

Percebemos nessa visão de Souza a própria recognição/reinvenção no macrocampo pedagógico, o mundo. Grande objetivo a se alcançar, contudo, isso se dará, em parte, à medida que a recognição/reinvenção dos sujeitos que o compõem ocorre.

Não consideramos que se trata de uma questão simples, pois a grande questão humana é perceber-se e sentir/saber o sentido da própria vida. O exercício, porém, é a própria existência, favorecido pelas oportunidades de melhor pensar, sentir e fazer nos múltiplos contextos das diferenças.

Carvalho (2004, p. 93-97) contribui com o debate sobre os conteúdos da ressocialização quando nos faz refletir sobre a questão do entendimento do campo discursivo da EJA associado aos discursos construídos no processo de colonização europeia no Brasil, desde as missões jesuíticas ao processo de desconstrução marcado, inicialmente, pelo Movimento Modernista, em 1920, até as últimas décadas. Para essa autora, estudos que abordem a relação currículo, cultura e diferença ainda são pouco significativos, e o currículo é um dos dispositivos pedagógicos mais significativos da instituição escolar.

Souza (2007, p. 352) entende que à práxis pedagógica cabem o desafio duplo da formação contínua do educador e a provocação ao educando para que supere a visão escolástica de escola e de sociedade, como de si mesmos, de suas culturas e religiões. Esse autor destaca que a construção de sua proposta se deu pelas análises, experiências refletidas nos seus mais de quarenta anos, os últimos vinte no interior do Núcleo de Ensino, Pesquisa e

Extensão em Educação de Adultos e Educação Popular (NUPEP/UFPE). Para ele, a proposta de educação popular, EJA, de acordo com a legislação, é similar à da França, analisada por Canário (2000, p. 25-26, apud SOUZA 2007, p. 353) que defende a necessidade de o sujeito discente adulto transformar-se num coprodutor de sua formação. Para isso, Canário considera que os dispositivos educativos deveriam ser coproduzidos com os discentes e que se deveria romper com a lógica da disciplina. O trabalho educativo seria direcionado menos para a aquisição de conteúdos e mais para a compreensão do meio ambiente físico e social, e para a construção de estratégias adequadas de ação. Nesse sentido, a noção de experiência é fator central; portanto, a educação centra-se no sujeito que aprende. É construída, assim, uma pedagogia da pessoa como totalidade, não apenas para as aquisições acadêmicas, mas para a sua vida como um todo. Dessa forma, o trabalho do educador volta-se para as representações e valores, e aprender corresponde a passar de representações como imagens concretas para conceitualizações abstratas que permitem estabelecer relações entre os dados empíricos e os conceitos. Ou seja, o sujeito discente exercitaria a possibilidade própria humana de conceituar.

Acreditamos que se somam a essa pedagogia as questões da própria possibilidade humana de aprender, que nos parece estar para além do meio ambiente físico e social.

Temos, portanto, como desafio nodal, que parece coincidir com a proposta do NUPEP/UFPE, a contribuição da educação para a construção da pessoa como totalidade, sendo o jovem ou adulto produtor de sua formação humana (SOUZA, 2007, p. 354).

Assim, para o autor, o processo de humanização é tarefa do ser humano de forma organizada no tempo e no espaço, e nós somos os protagonistas.

Identificamos no processo apresentado por Quintás os três tipos de conteúdos (instrumentais, educativos e operativos) considerados por Souza, mesmo que por ele não sejam assim nomeados. Quintás diz que precisamos conhecer o veículo expressivo (conteúdo instrumental) não só para ler as palavras como para ler o mundo. Somos seres de encontro; estabelecer âmbitos é, pois, a nossa meta (conteúdo operativo). Portanto, nossa ação no mundo é interventiva. E, por fim, saber que somos seres de encontro com os âmbitos, que temos possibilidades de agir interventivamente para a criação de novos e melhores âmbitos nos leva a compreender, interpretar, explicar as contradições, ambiguidades, conflitividades e possibilidades das realidades com as quais vivemos (conteúdo educacional) (QUINTÁS, 2004, p. 18-19; SOUZA, 2007, p. 222-223).