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3. A Prática Pedagógica do PROEJA

4.6. Análise dos Dados das Entrevistas

4.6.2. Descrição e Interpretação dos Dados

4.6.2.2. Descrição e Interpretação dos Dados da Segunda Entrevista

D2 tem 54 anos, é casado, pai de 6 filhos, maquinista ferroviário aposentado há 12 anos; atualmente só estuda, mas passou 30 anos fora da escola, de 1974 a 2004. Antes de entrar no PROEJA, em 2006, cursou o ensino fundamental e o ensino médio, não tendo concluído este último. No primeiro semestre de 2010, encontrava-se no 7º período do curso de Refrigeração e Ar-Condicionado.

Durante onze minutos e nove segundos, D2 relata-nos que fez o vestibular1 para o PROEJA com dois dos seus filhos, mas os dois não foram aprovados. No ano seguinte, os dois filhos passaram no vestibular em outras instituições. Hoje, um está no quinto período de Geografia e a filha, terminando Pedagogia. Declara não se sentir completamente realizado porque ainda pretende fazer Engenharia Mecânica para completar o seu curso. Ressalta o sentido de estudar no IFPE, que considera ―de uma grande aceitação em nível de Estado‖, e também o fato de o PROEJA ter aberto ―as portas pra gente de mais idade‖, apesar de se sentir ―um pouco prejudicado‖ devido ao fato de os ―professores não terem um tratamento melhor‖ para com os discentes do PROEJA.

O discente destaca no Programa o ensino técnico, porém, ao declarar que pensou que iria aprender uma coisa antes de entrar e está aprendendo outra, dá como exemplo que no IFPE aprende-se ―a tratar as pessoas muito melhor‖ e destaca a qualidade do ensino. Porém expressa, mais uma vez, decepção quando diz que não gostou de ter vindo ―para um Programa dum colégio que é tido como um dos melhores aqui de Pernambuco‖ e ter sido ―um pouco menosprezado..., até dentro de sala de aula, devido ao fato de os professores não saberem tratar os alunos‖, pois ―a maior parte dos nossos adultos têm acima de trinta anos e é diferente você tratar criança, adolescente e adulto‖.

Considera que os conhecimentos da área técnica são todos novos, mas ressalta que os conhecimentos que tem de ―experiência de vida‖ dão até para ―fazer um livro e ainda sobram‖.

D2 diz que sente que ―melhorou até a maneira de falar‖. Sentia ―um certo constrangimento‖ ao falar com ―pessoas como professor, como uma pessoa formada‖, e, hoje, mais confiante, ―conversa normalmente como qualquer outra pessoa‖.

Ao ser perguntado por um aspecto negativo no que passou a fazer ou a sentir que estivesse ligado à participação no PROEJA, o discente pediu para pensar um pouco, mas,

1 O vestibular do IFPE ocorre geralmente no início e no meio do ano e é organizado pela CVEST – Comissão de

depois de apenas alguns segundos, para argumentar a sua resposta, referiu-se ao fato de os discentes do PROEJA receberem uma bolsa de cem reais, já que uma boa parte dos alunos ―depende dessa bolsa para frequentar as aulas‖. Alguns dos seus colegas viriam de Boa Viagem até o CEFET de bicicleta ―se não fossem esses cem reais‖. Como houve um atraso no pagamento da bolsa, ele promoveu uma manifestação ―muito grande‖. Destaca a sua experiência em sindicato e o fato de saber ―fazer, sem precisar menosprezar ninguém, mas ter atitude de mobilizar o pessoal‖. Considera isso negativo pelo fato de estar numa escola e ser obrigado a tomar uma atitude para reivindicar a bolsa em prol dos seus colegas que estavam ―deixando de vir para aula por não terem o dinheiro para pagar a passagem‖. Ao mesmo tempo, reconhece que foi positivo, pois, ―por conta desse manifesto‖, passou a ser conhecido pelos professores e adquiriu ―até um certo respeito‖.

Responde que lhe inspiram confiança no curso os ―excelentes professores na área técnica, apesar de não terem material pra darem aulas melhores‖. Critica a organização curricular, que oferece disciplinas, no início do curso, necessárias na prática no quinto e sexto períodos, quando os conteúdos já têm sido esquecidos. Como exemplo cita termodinâmica, oferecida no primeiro e segundo períodos, mas necessária à prática do quinto período.

Este sujeito revela o desejo de não deixar mais de estudar e declara que pretende criar uma cooperativa de refrigeração e climatização entre os mais velhos, para oportunizar-lhes estágio, pela dificuldade que os de mais idade têm de consegui-lo.

No momento em que foi oportunizado ao entrevistado falar sobre o que quisesse, ele voltou a se referir ao tratamento dispensado aos discentes do PROEJA, agora envolvendo outros sujeitos além dos professores. Conta-nos que a sua turma foi a primeira, tendo sido os discentes ―menosprezados dentro do colégio‖. Refere-se ao fato de os discentes do PROEJA terem ―uma certa idade‖ e terem sido ―jogados dentro de uma escola que só tinha jovens, adolescentes e crianças, praticamente porque se tratava do ensino médio e fundamental‖. Reforça que os professores não estavam habituados a estar com os discentes adultos, ―aí a dificuldade foi muito maior‖. Considera que as turmas que estão entrando no momento já têm menos dificuldades devido ao fato de já se conhecer ―como é o PROEJA‖. Relata algumas dessas dificuldades, como: a dos discentes assistirem às aulas depois de terem trabalhado o dia todo; alguns professores não compreenderem o discente que cochila e mandarem-no sair da sala; se o telefone tocar e o discente sair para atender, na volta ―não tem direito de entrar na sala‖. Para D2, os professores acham que estão ensinando a crianças e adolescentes, e ressalta que só há gente adulta e ―de responsabilidade‖.

Perguntamos ao entrevistado como ele se sentiu ao participar da entrevista e ele respondeu que se sentira muito bem, pois achava que alguém devia ter entrevistado o discente do PROEJA antes para que se pudesse falar das vantagens e das dificuldades do curso. Acrescenta a dificuldade que considera ―uma grande dificuldade‖, a da ―área técnica-prática‖, pois, para ele, o discente do PROEJA sai da escola um ―técnico-teórico‖ porque os equipamentos que se têm na escola são superados, não são de última geração. Para ele, um curso com a parte técnica melhor deveria ter ―equipamentos de última geração‖.

Conta-nos, por fim, do seu desejo de fazer o curso de medicina, que só concluiria aos sessenta e dois anos. já o curso de engenharia, como está em sua área, facilitaria a conclusão.

Conclui dizendo que Engenharia Mecânica completa o curso de Refrigeração e Ar- Condicionado.

Apesar de D2 considerar que não houve confronto entre os conhecimentos anteriores e os novos e dizer que não tinha conhecimentos técnicos anteriores, percebemos que o discente, ao declarar que a expectativa sobre o que pensava em aprender no curso teria sido superada em relação à quantidade e à qualidade, pois na escola se ―aprende a tratar as pessoas muito melhor‖, já mostra que houve, sim, o confronto de conhecimentos.

Quanto às suas atitudes, permanece com o plano de não parar de estudar, contudo não pretende mais fazer medicina, pois consegue fazer novas leituras sobre suas possibilidades e as do contexto.

Ao mobilizar os colegas para cobrar da Escola o pagamento da bolsa, acionou antigos conhecimentos de sua experiência como sindicalista para uma intervenção no campo escolar, o que demonstra uma volta a atitudes antigas pela leitura da necessidade do contexto. Planeja criar uma cooperativa de refrigeração e climatização entre os mais velhos do curso, por terem dificuldades para estagiar. Essa é atitude de intervenção decorrente da leitura do contexto e de suas possibilidades. Reivindica tratamento adequado à situação do aluno da EJA.

Sente-se quase realizado por estudar em uma das melhores escolas do Estado, só não completamente porque pretende cursar engenharia ainda. Mostra certa decepção ao dizer que os professores não sabem tratar o aluno da EJA. Superou o sentimento de constrangimento que tinha ao conversar com pessoas com nível escolar superior ao seu. Sensibiliza-se com a situação dos colegas que dependem do pagamento da bolsa. Sente que adquiriu respeito de professores da escola ao mobilizar manifestação. Confia no conhecimento dos professores. Sente falta, no 5º e 6º períodos, de conteúdos de certas disciplinas oferecidas no início do curso.

D2 realiza recognição e reivenção, ou seja, a ressocialização permanente, inclusive para além do campo pessoal. Sensibiliza-se com os que sofrem, mobiliza-se e convoca os que estão sofrendo a mobilizar-se também. Certamente, ele não passou a agir assim pelo fato de ser aluno do PROEJA, contudo os novos conhecimentos proporcionaram-lhe mais possibilidades de acionar os conhecimentos que já faziam parte da sua vida e lançar-se em busca de mais informações e vivências.