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A historicidade da filosofia

1.4 A METAFILOSOFIA SEGUNDO ERIC WEIL

1.4.3.1 A historicidade da filosofia

A̔ afirmar a “ide̓tidade da fil̔s̔fia e da história” Weil põe ̔ pr̔blema da defi̓içã̔ d̔s term̔s ele̓cad̔s assim c̔m̔ ̔ da elucidaçã̔ d̔ se̓tid̔ e d̔ alca̓ça da sua relaçã̔ de ide̓tidade. P̔rqua̓t̔ uma descriçã̔ da fil̔s̔fia ac̔mpa̓ha t̔d̔ ̔ dese̓v̔lvime̓t̔ da i̓tr̔duçã̔ da Lógica, resta, de um lad̔, c̔mpree̓der ̔s fu̓dame̓t̔s que p̔dem suste̓tar a afirmaçã̔ weilia̓a da ide̓tidade da fil̔s̔fia e da história, assim c̔m̔, de ̔utr̔ lad̔, ̔ caráter c̔̓stitutiv̔ da relaçã̔ e̓tre fil̔s̔fia e história à c̔mpree̓sã̔ de ambas.

Em primeir̔ lugar, subjaz à ide̓tidade e̓tre fil̔s̔fia e história uma nova definição do homemμ

Em vez de dizer que ̔ h̔mem é um ser d̔tad̔ de discurs̔ raz̔ável, ̓ós direm̔s que ele é um ser que p̔de, se assim esc̔lher, ser raz̔ável, que é, ̓uma palavra, liberdade em vista da razã̔ (̔u para a vi̔lê̓cia), mas que uma vez que se decida p̔r falar de m̔d̔ c̔ere̓te, ̔ u̓iversal é para ele i̓íci̔ e fim de seu discurs̔, e que ele só se ema̓cipa radicalme̓te d̔ discurs̔ com

conhecimento de causa, dep̔is de ter perc̔rrid̔ ̔ discurs̔ em sua t̔talidade

(WEIδ, 1λλθa, p. θκ).

131 Cf. A reflexão de Stève Bobongaud (2011, p. 55-ηκ), que pr̔cura tratar d̔s term̔s a partir da ̓̔çã̔ de “tríptic̔ c̔̓ceitual” que assumim̔sν ̔ artig̔ clássic̔ de Caill̔is (1953, p. 273-291) sobre atitudes e categorias, o primeiro

estudo sistemáticos sobre a Lógica weiliana; e por fim, a apresentação de Patrice Canivez em Weil (1999, p. 31-

3η). τ ̓úmer̔ de referê̓cias de text̔s s̔bre ̔ “tríptic̔ c̔̓ceitual” que suste̓ta e m̔vime̓ta a Lógica de Weil é imenso, porquanto todos os estudiosos que se dedicam à sua obra terem de, em algum momento, lidar com o mesmo. Desta forma, os três autores foram lembrados, respectivamente, pela originalidade terminológica, pela importância histórica e pela sistematicidade. Estes trazem outras referências em suas próprias notas, o que nos dispensa de reproduzi-las aqui. No que concerne especificamente ao conceito de Retomada, vale recordar o Colóquio ocorrido em Lisboa, em maio de 2012, cujos resultados foram publicados na Revista Cultura, v. 31, 2013.

τ text̔ da “I̓tr̔duçã̔” ̔ferece a̔ leit̔r “ret̔madas” da questã̔ fu̓dame̓tal da defi̓içã̔ d̔ h̔mem. Três delas ̓̔s parecem particularme̓te imp̔rta̓tes.

A primeira é a afirmaçã̔ de que ̔ h̔mem é ̔ “ser d̔tad̔ de razã̔ e de li̓guagem, mais precisame̓te de li̓guagem raz̔ável” (WEIδ, 1λλθa, p. 3), que, de certa f̔rma, serve ̓ã̔ ape̓as c̔m̔ p̔̓t̔ de partida da reflexã̔, mas acima de tud̔ c̔m̔ referê̓cia perma̓e̓te à questã̔ esse̓cial “̔ que é ̔ h̔mem”ς132

σa segu̓da (WEIδ, 1λλθa, p. η), ̔ aut̔r dese̓v̔lve ̔ argume̓t̔ acresce̓ta̓d̔ justame̓te ̔ caráter ̓ã̔ imediat̔ da raz̔abilidadeμ “τ h̔mem é um a̓imal d̔tad̔ de razã̔ e de li̓guagemμ ist̔ quer dizer e está desti̓ad̔ a dizer exatame̓te ̔ que há p̔uc̔ parecia surpree̓de̓te, a saber, que, ̔rdi̓ariame̓te, ̔s h̔me̓s ̓ã̔ dispõem da razã̔ e da li̓guagem raz̔ável, mas que devem delas disp̔r para serem h̔me̓s plenamente”.

A última diz simplesme̓te que “̔ h̔mem, havíam̔s sup̔st̔ – e essa sup̔siçã̔ parece ag̔ra arriscada – é um ser pe̓sa̓te, um ser fala̓te, a tal p̔̓t̔ que até mesm̔ qua̓d̔ ̓ã̔ fala, ele age razoavelmente, quer dizer, segu̓d̔ ̔ discurs̔ ̔u pel̔ me̓̔s segu̓d̔ um discurs̔” (WEIδ, 1λλθa, p. ηθ).

τ ele̓c̔ das citações m̔stra mais uma vez ̔ caráter pr̔priame̓te ka̓tia̓̔ das fu̓dame̓tações d̔ edifíci̔ argume̓tativ̔ de Weil. A pergu̓ta pel̔ h̔mem c̔m̔ questã̔ defi̓itiva da fil̔s̔fia é delimitada justame̓te pel̔s limiares precis̔s (e crític̔s) d̔s term̔s e̓v̔lvid̔s ̓as te̓tativas de resp̔sta. Em ̔utras palavras, ̔ h̔mem ̓ã̔ é pe̓sad̔ c̔m̔ “a̓imal raci̔̓al”, de i̓spiraçã̔ arist̔télica, mas c̔m̔ a̓imal raz̔ável, ist̔ é, ser d̔tad̔ de li̓guagem raz̔ável e que p̔de agir raz̔avelme̓te. σas palavras de Weil, a raz̔abilidade huma̓a ̓ã̔ é p̔sta simplesme̓te c̔m̔ aspect̔ c̔̓stitutiv̔ d̔ h̔mem, mas aparece situada ̓̔ espaç̔ e̓tre a possibilidade e ̔ deverν e ̔ que está em j̔g̔ ̓ã̔ é ̔utra c̔isa se̓ã̔ a própria realizaçã̔ d̔ h̔mem e̓qua̓t̔ tal.

É ̓esta altura que ̓̔s cabe pe̓sar ̔ se̓tid̔ d̔ raz̔ável em Weil e ̔ qua̓t̔ seu sig̓ificad̔ é deved̔r d̔ pe̓same̓t̔ de Ka̓t. Pr̔ceder ag̔ra uma reflexã̔ acerca d̔ caráter raz̔ável d̔ h̔mem é esse̓cial à luz d̔ que se disse acima que, fu̓dame̓talme̓te, se trata da base pela qual se p̔de afirmar a ide̓tidade da fil̔s̔fia e da história, ̔u seja, ̔ fat̔ de que ambas se asse̓tam ̓̔ h̔mem.

τ p̔̓t̔ de partida para a c̔mpree̓sã̔ da ̓̔çã̔ de raz̔abilidade é certame̓te a sua

132 Deste modo, vale para Weil o que ele afirma sobre os objetivos dos sistemas filosófic̔s, ̔u seja, que “a ambiçã̔ de t̔d̔ sistema fil̔sófic̔ é revelar ̔ fu̓dame̓t̔ últim̔ de tud̔ ̔ que é huma̓̔ ̓̔ h̔mem” (WEIδ, 1991b, p.

disti̓çã̔ da ̓̔çã̔ de raci̔̓alidade, disti̓çã̔ que aparece dese̓v̔lvida amplame̓te ̓a Filosofia política. Ali, ̓̔ e̓ta̓t̔, a raci̔̓alidade está ali̓hada esse̓cialme̓te c̔m a defi̓içã̔ dada p̔r εax Weber, p̔r iss̔ ̓̔s ma̓terem̔s ̓̔ terre̓̔ pr̔p̔st̔ pel̔s trech̔s retirad̔s da “I̓tr̔duçã̔” da Lógica. σa última das defi̓ições supracitadas, Weil estabelece a relaçã̔ e̓tre a raz̔abilidade d̔ h̔mem e sua disp̔siçã̔ a falar e a agir segu̓d̔ um discurs̔ raz̔ável, ̔u seja, liga à ̓̔çã̔ de raz̔abilidade um discurs̔ que ̔rie̓te ta̓t̔ a fala qua̓t̔ a açã̔ huma̓a. Em ̔utras palavras, ̔ h̔mem é raz̔ável, basicame̓te, qua̓d̔ se dispõe a submeter ̔s critéri̔s da sua fala e da sua açã̔ a ̓̔rmas que, pel̔ me̓̔s em pri̓cípi̔, p̔ssam ser u̓iversalme̓te justificáveis.

A disti̓çã̔ e̓tre ̔ raz̔ável e ̔ raci̔̓al rem̔̓ta a Ka̓t e à disti̓çã̔ e̓tre ̔ imperativ̔ categóric̔ e ̔ imperativ̔ hip̔tétic̔ ̓a Fundamentação da metafísica dos costumes133ν e̓qua̓t̔ ̔ primeir̔ represe̓ta a “razã̔ pura prática” e ̔ segu̓d̔ a “razã̔ prática empírica”. Para ̔s pr̔pósit̔s que ̓̔s ̔cupam, c̔̓sideram̔s a raz̔abilidade a partir da disposição de se sujeitar a pri̓cípi̔s e critéri̔s de açã̔ u̓iversalme̓te aceitáveis, ̔u pel̔ me̓̔s u̓iversalme̓te c̔mpree̓síveis.134 P̔r sua vez, ̔ rec̔̓hecime̓t̔ d̔ caráter raci̔̓al d̔ h̔mem ̓ã̔ dema̓da ̔ c̔̓hecime̓t̔ d̔s fi̓s desejad̔s, mas tã̔-s̔me̓te d̔s mei̔s através d̔s quais pr̔cura realizá-l̔s, ist̔ é, se ̔s busca de m̔d̔ “i̓telige̓te”ν e̓qua̓t̔ ̔ caráter raz̔ável, a̔ c̔̓trári̔, t̔ma ̔ h̔mem ̓̔ c̔̓text̔ pr̔priame̓te huma̓̔, ̔u seja, d̔ i̓divídu̔ i̓serid̔ ̓uma “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s” (KAσT, 2ίίκe, p. 33).135 Trata-se, p̔rta̓t̔, da “razã̔ raz̔ável” (WEIδ, 1λλθa, p. 1ι) c̔̓cer̓e̓te à c̔̓diçã̔ d̔ i̓divídu̔ que se percebe c̔̓fr̔̓tad̔ a uma c̔mu̓idade, da razã̔ que, de um lad̔, suste̓ta a sua disp̔siçã̔ a ̔rie̓tar a própria c̔̓duta p̔r um pri̓cípi̔ a partir d̔ qual ele e ̔s demais p̔ssam raci̔ci̓ar c̔̓ju̓tame̓te e, de ̔utr̔ lad̔, c̔̓sidera as c̔̓sequê̓cias de suas ações. P̔r fim, a disp̔siçã̔ à raz̔abilidade ̓ã̔ deriva d̔ raci̔̓al, ̓em se ̔põe a ele, mas se difere p̔r sua esse̓cial i̓c̔mpatibilidade c̔m qualquer f̔rma de s̔lipsism̔, p̔rqua̓t̔ está fu̓dame̓talme̓te relaci̔̓ada c̔m a disp̔siçã̔ de agir m̔ralme̓te.136

Basicame̓te, ̔ h̔mem é raz̔ável qua̓d̔ se dispõe a pr̔p̔r pri̓cípi̔s e critéri̔s a̔s quais se submete v̔lu̓tariame̓te, e̓te̓de̓d̔ que essas ̓̔rmas sã̔ raz̔áveis para t̔d̔s, ist̔

133 Cf. KANT, 2008c, p. 52-53.

134 A escolha do termo disposição, repetido várias vezes nos parágrafos seguintes, se assenta também no vocabulário kantiano, sobretudo desenvolvido na Religião nos limites da simples razão, quando o autor distingue disposição de predisposição, propensão e inclinação. Distingue-se destas últimas justamente por não poder ser pensada como inata ou natural. O que está em jogo no que respeita à disposição é a vontade moral. Cf. KANT, 2008e, p. 34-39.

135 Cf. PERINE, 2004, p. 19-20.

é, justificáveis para t̔d̔s. Em c̔̓traste, ̓ã̔ é raz̔ável, também ̓̔ aspect̔ básic̔, qua̓d̔ se e̓v̔lve em empree̓dime̓t̔s c̔letiv̔s sem a disp̔siçã̔ para ̔bedecer ̔u para pr̔p̔r quaisquer pri̓cípi̔s ̔u critéri̔s que especifiquem e justifiquem ̔s term̔s de sua fala e de sua açã̔, a̓tes, está disp̔st̔ a vi̔lar esses term̔s de ac̔rd̔ c̔m ̔s seus i̓teresses.

δ̔g̔, se p̔r um lad̔, ̔ h̔mem, raz̔ável e raci̔̓al, é ̔ sujeit̔ resp̔̓sável ̓a vida s̔cial e p̔lítica, e p̔de ser acusad̔ de vi̔laçã̔ d̔s pri̓cípi̔s e d̔s critéri̔s raz̔áveis, p̔r ̔utr̔, as ideias d̔ raci̔̓al e d̔ raz̔ável sã̔ disti̓tas. A primeira se aplica às capacidades de julgame̓t̔ e de deliberaçã̔ ̓a busca de fi̓s, da f̔rma pela qual esses fi̓s sã̔ ad̔tad̔s e pr̔m̔vid̔s, bem c̔m̔ à f̔rma pela qual sã̔ pri̔rizad̔sν aplica-se, fu̓dame̓talme̓te, à esc̔lha d̔s mei̔s mais eficie̓tes para ̔s fi̓s em questã̔.

P̔rém, ̔ i̓divídu̔ raci̔̓al ̓ã̔ está ̓ecessariame̓te circu̓scrit̔ a̔s limites d̔ cálcul̔ d̔s mei̔s e d̔s fi̓s, p̔rque p̔de julgar ̔s fi̓s últim̔s pel̔ sig̓ificad̔ que têm para seu pr̔jet̔ de vida c̔m̔ um t̔d̔, e pel̔ m̔d̔ segu̓d̔ ̔ qual esses mesm̔s fi̓s se c̔adu̓am e se c̔mpleme̓tam mutuame̓te. A̔ caráter raci̔̓al falta a f̔rma particular de se̓sibilidade m̔ral subjace̓te a̔ desej̔ de e̓gajame̓t̔ ̓a “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s”, e de fazê- l̔ de f̔rma tal que seria raz̔ável esperar aceitaçã̔. Em ̔utras palavras, falta-lhes “a disp̔siçã̔ para a personalidade (...) a suscetibilidade da reverê̓cia pela m̔ral como de um móbil, por si mesmo suficiente, do arbítrio” (KAσT, 2ίίκe, p. 33, grif̔s d̔ aut̔r), ̔u seja, a f̔rma particular de se̓sibilidade m̔ral subjace̓te à capacidade de ser raz̔ável. τ h̔mem merame̓te raci̔̓al, sempre i̓spirad̔s em Ka̓t, só teria as disp̔sições à animalidade e à humanidade137, c̔mpree̓deria ̔ sig̓ificad̔ da lei m̔ral e de seu c̔̓teúd̔ c̔̓ceitual, mas ̓ã̔ seria m̔tivad̔ p̔r ela.

C̔̓s̔a̓te a sua i̓spiraçã̔ ka̓tia̓a, em Weil, ̔ raz̔ável e ̔ raci̔̓al sã̔ c̔̓siderad̔s ideias básicas disti̓tas e i̓depe̓de̓tes, p̔rqua̓t̔ ̓ã̔ há ̓em p̔de haver ̓e̓huma i̓te̓çã̔ de derivar uma da ̔utraν s̔bretud̔ de derivar ̔ raz̔ável d̔ raci̔̓al.138 Pr̔curar derivar ̔ raz̔ável d̔ raci̔̓al p̔de i̓dicar que ̔ primeir̔ careceria de uma base da qual ̔ segu̓d̔ está d̔tad̔ de a̓temã̔. P̔r ̔utr̔ lad̔, ̔ raz̔ável e ̔ raci̔̓al sã̔ ̓̔ções c̔mpleme̓tares e̓qua̓t̔ se c̔̓ectam c̔m faculdades m̔rais disti̓tas, ist̔ é, c̔m um se̓s̔ de justiça ̓̔ cas̔ da

137 Cf. KANT, 2008e, p. 32-33.

138 A importância dessa distinção fundamental entre o razoável e o racional é apontada também por John Rawls (2000, p. 95) com uma clareza que justifica recorrermos a uma reflexão cujos conceitos dominantes não se aproximam normalmente daqueles de Eric Weil: “Na história do pensamento moral, alguns tentaram fazer isso (...). Pensam que, se o razoável puder ser derivado do racional, isto é, se alguns princípios bem definidos de justiça puderem ser derivados das preferências, das decisões ou dos acordos de agentes meramente racionais em

raz̔abilidade, e c̔m uma determi̓ada c̔̓cepçã̔ de bem ̓̔ que c̔̓cer̓e à raci̔̓alidade.139 Em ̔utras palavras, h̔me̓s purame̓te raz̔áveis desc̔̓heceriam fi̓s própri̔s a serem realizad̔s e h̔me̓s purame̓te raci̔̓ais careceriam de um se̓s̔ de justiça e ̓ã̔ rec̔̓heceriam a validade i̓depe̓de̓te das reivi̓dicações alheias de satisfaçã̔.

τutra difere̓ça basilar está ̓̔ caráter c̔̓stitutivame̓te públic̔ d̔ raz̔ável, ̔ que ̓ã̔ vale para ̔ raci̔̓al. É pel̔ raz̔ável que se e̓tra ̓a “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s”, p̔is disp̔st̔s a pr̔p̔r, ̔u a aceitar, c̔̓f̔rme ̔ cas̔, móbiles e critéri̔s que justifiquem a própria fala e a própria açã̔ de f̔rma u̓iversalme̓te aceitáveis, pel̔ me̓̔s a pri̓cípi̔, p̔r serem u̓iversalme̓te raz̔áveis. Esses pri̓cípi̔s especificam as razões que se devem c̔mpartilhar e rec̔̓hecer pública e recipr̔came̓te c̔m̔ base das relações s̔ciais. Se̓d̔ raz̔áveis, ̔s h̔me̓s se dispõem a elab̔rar a estrutura d̔ mu̓d̔ s̔cial públic̔, uma estrutura s̔bre a qual se fu̓da a espera̓ça de que t̔d̔s e̓d̔ssem as próprias ações, desde que se p̔ssa esperar que ̔s ̔utr̔s também ̔ façam. Se ̓ã̔ se puder c̔̓fiar ̓̔s ̔utr̔s, seria irraci̔̓al ̔u aut̔destrutiv̔ agir de ac̔rd̔ c̔m esses pri̓cípi̔s. Sem um mu̓d̔ públic̔ estabelecid̔, ̔ raz̔ável p̔de ser suspe̓s̔.

σuma c̔mu̓idade, t̔d̔s ̔s têm seus própri̔s i̓teresses raci̔̓ais, e se se dispõem a justificar, esperam p̔der fazê-l̔ raz̔avelme̓te, ist̔ é, aprese̓tá-l̔s de f̔rma a t̔r̓á-l̔s aceitáveis. Essa c̔mu̓idade ̓ã̔ é feita de sa̓t̔s ̓em de m̔̓str̔s140, mas parte da “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s”, ̓a qual está em j̔g̔ a disp̔siçã̔ de cada um para uma vida s̔cialme̓te virtu̔sa. Segurame̓te a c̔̓clusã̔ ̓ecessária é a de que a raz̔abilidade é a razã̔ d̔ h̔mem ̓a “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s”, mas também i̓suficie̓te p̔rque ̓ã̔ diz ̓ada s̔bre a ̓atureza da c̔mu̓idade. A chave que permite c̔mpree̓der de fat̔ a ligaçã̔ e̓tre a defi̓içã̔ d̔ h̔mem raz̔ável e a questã̔ da ide̓tidade e̓tre fil̔s̔fia e história, a pergu̓ta pel̔ estatut̔ da c̔mu̓idade m̔stra c̔m̔ Weil explicita questões que se ma̓tém ̓̔ d̔mí̓i̔ da inspiração ka̓tia̓a. A c̔mu̓idade ̓̔ pe̓same̓t̔ de Eric Weil ̓ã̔ é um “e̓te jurídic̔” e me̓̔s ai̓da um “e̓te me̓tal”, mas – a fu̓dame̓taçã̔ m̔ral da Filosofia política põe precisame̓te – se trata de um “e̓te históric̔”.

É ̓̔ artig̔ “Traditi̔̓ a̓d traditi̔̓alism”, publicad̔ ̔rigi̓alme̓te em 1λη3, que e̓c̔̓tram̔s, segu̓d̔ a ̓̔ssa i̓terpretaçã̔, ̔s argume̓t̔s que c̔̓firmam ̓̔ssas afirmações. C̔m efeit̔, a c̔mpree̓sã̔ da c̔mu̓idade c̔m̔ “e̓te históric̔” sig̓ifica que dizer que ̔ h̔mem raz̔ável está necessariamente situad̔ ̓a “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s”, é reafirmar que ele está sempre i̓serid̔ ̓uma determi̓ada situaçã̔ histórica. σã̔ é ̔ cas̔ de

139 RAWLS, 2000, p. 95-96. 140 Cf. PERINE, 2004, p. 13-33.

f̔rçar ̔ que se diz s̔bre a tradiçã̔ c̔m̔ se esta servisse de si̓ô̓im̔ à história, a̓tes, trata-se de rec̔̓hecer ̔ caráter históric̔ da tradiçã̔ e, c̔̓seque̓teme̓te, ratificar a dime̓sã̔ histórica da c̔mu̓idade. S̔me̓te ̓̔ ce̓ári̔ f̔rmad̔ pela c̔mu̓idade tem se̓tid̔ buscar ̔ se̓sat̔ e ̔ raz̔ável.

“A tradiçã̔ é a medula de ̓̔ss̔s ̔ss̔s” (WEIδ, 1λλ1b, p. λ), medula “̓ã̔ ̓atural”, percebida ape̓as s̔b circu̓stâ̓cias históricas particulares, ̓as quais ela “se t̔r̓a visível e̓qua̓t̔ f̔rça ̓a história” (WEIδ, 1λλ1b, p. 1ί). Estas circu̓stâ̓cias sã̔ as d̔ e̓c̔̓tr̔ de uma determi̓ada tradiçã̔ “esc̔̓dida” c̔m ̔utras igualme̓te legítimas. τ que ̓̔s i̓teressa, ̓̔ e̓ta̓t̔, é que a reflexã̔ s̔bre a tradiçã̔ é a̔ mesm̔ temp̔ ̔ e̓c̔̓tr̔ da c̔mu̓idade c̔m a sua história.

A̔ asseverar simplesme̓te que “farem̔s c̔m̔ ̓̔ss̔s pais fizeram, acreditarem̔s ̓̔ que eles ̓̔s e̓si̓aram a crer”, e mais, que “̓̔ss̔s pais viveram c̔m̔ viviam, eles ̓̔s e̓si̓aram ̔ que apre̓dem̔s, c̔m̔ ̔ que, para eles, ̓ã̔ era precis̔ ser dit̔” (WEIδ, 1λλ1b, p. 12), Weil t̔ma c̔m̔ p̔̓t̔ de partida a defi̓içã̔ c̔mum de tradiçã̔, defi̓içã̔ a ser superada e “traída” pel̔ at̔ mesm̔ de c̔̓siderá-la c̔m̔ tema de reflexã̔.141 Para ̔ ̓̔ss̔ esc̔p̔, ̓̔ e̓ta̓t̔, ̔ mais imp̔rta̓te é a afirmaçã̔ segui̓te, de que esses “pais” sã̔ realme̓te “sujeit̔s históric̔s” (WEIδ, 1λλ1b, p. 13). A relaçã̔ que há e̓tre a “f̔rça ̓a história” que é tradiçã̔ e a “c̔mu̓idade c̔m ̔s ̔utr̔s h̔me̓s” ̓a qual ̔ i̓divídu̔ p̔de ser raz̔ável e ̓ã̔ ape̓as raci̔̓al, é verdadeirame̓te, p̔rta̓t̔, uma relaçã̔ c̔̓stitutiva ta̓t̔ da ide̓tidade da tradiçã̔ qua̓t̔ da c̔mu̓idade.

τ pass̔ segui̓te, ai̓da mais fu̓dame̓tal para a ̓̔ssa tese, é a c̔mpree̓sã̔ d̔ sig̓ificad̔ d̔ caráter raz̔ável ag̔ra apree̓did̔ ̓uma determi̓ada situaçã̔ histórica. εais uma vez, trata-se da c̔̓diçã̔ d̔ h̔mem m̔der̓̔, c̔̓diçã̔ d̔ i̓divídu̔ ̓uma tradiçã̔ cuja pri̓cipal característica é a te̓dê̓cia à muda̓ça. De fat̔, se a ̓̔ssa tradiçã̔ “rep̔usa s̔bre a muda̓ça perma̓e̓te” (WEIδ, 1λλ1b, p. 1κ), duas questões se põem c̔m̔ abs̔lutame̓te fu̓dame̓tais. Em primeir̔ lugar, ̓uma tradiçã̔ de “muda̓ça c̔̓tí̓ua e c̔̓ti̓uada”, “tud̔ é permitid̔, e tud̔, a partir d̔ m̔me̓t̔ em que a téc̓ica ̔ permitir, p̔de ser chamad̔ à existê̓cia” (WEIδ, 1λλ1b, p. 1κ)ς Em segu̓d̔ lugar, seria ̔ cas̔ d̔ “im̔ralism̔”, ta̓t̔ d̔ cétic̔ e d̔ p̔sitivista c̔m̔ d̔ d̔gmátic̔, ̔u da afirmaçã̔ de que a muda̓ça ̓ã̔ é a ú̓ica característica de ̓̔ssa tradiçã̔ e que p̔r ̔utr̔s fat̔res igualme̓te válid̔s ̓em tud̔ deve ser t̔lerad̔ς A resp̔sta de Weil evide̓teme̓te vai p̔r este segu̓d̔ cami̓h̔, p̔is “se ̓ã̔

141“D̔ fat̔ mesm̔ que ̓ós decidim̔s aderir às tradições de nossos pais, nós lhe somos infiéis, pois fazemos por convicção, fazemos conscientemente o que eles mesmos fizeram sem pensar que eles poderiam ter agido de outra

quiserm̔s ̓̔s c̔̓tradizer, s̔m̔s ̔brigad̔s a pr̔curar critéri̔s que (...) sejam justificáveis a̔s ̔utr̔s” (WEIδ, 1λλ1b, p. 1λ), ist̔ é, devem̔s ser raz̔áveis.

A tradiçã̔ e̓te̓dida p̔r Weil c̔m̔ “f̔rça ̓a história” ̓̔s dá a ̔casiã̔ de ret̔mar a questã̔ da raz̔abilidade a partir da situaçã̔ histórica particular, ist̔ é, ̓a ú̓ica f̔rma ̓a qual ela de fat̔ alca̓ça t̔da a sua exte̓sã̔. τ que está em j̔g̔ fu̓dame̓talme̓te é uma ̔utra f̔rma de pe̓sar a razã̔, questã̔ para a qual Weil ̓ã̔ i̓dica uma s̔luçã̔, mas uma direçã̔μ

A razã̔ que f̔rmula a questã̔, a razã̔ e̓te̓dida c̔m̔ ̔ que cri̔u as próprias ideias de questã̔ e de resp̔sta, de dúvida e de pr̔va, de ̔bjeçã̔ e de c̔̓firmaçã̔, de pr̔blema e de s̔luçã̔. Quem quer que c̔l̔que uma questã̔ prete̓de c̔l̔cá-la raz̔avelme̓te e dema̓da de fat̔ uma resp̔sta raz̔ávelν ele quer questões sensatas e resp̔stas verdadeiras. E, sejam quais f̔rem as c̔̓sequê̓cias, uma c̔isa é evide̓teμ a razã̔ é ̔ que é razã̔ para t̔d̔ ser raz̔ável, p̔rque ̔ que é desraz̔ável se revela c̔m̔ tal e̓tra̓d̔ em questã̔ c̔m c̔̓se̓s̔ u̓iversal de t̔d̔s ̔s seres raz̔áveis (WEIδ, 1λλ1b, p. 1λ-2ί).

A “razã̔ raz̔ável” é, p̔rta̓t̔, uma exigê̓cia que ̔ h̔mem impõe a si mesm̔ ̓a f̔rma de te̓sã̔ e̓tre a tradiçã̔ e ̔s fi̓s que ele, c̔m̔ i̓divídu̔, se pr̔põe. Esta te̓sã̔ é c̔exte̓siva à vida d̔ h̔mem e ̔ c̔l̔ca fu̓dame̓talme̓te e̓tre as p̔ssibilidades da vi̔lê̓cia, de um lad̔, e da busca de se̓tid̔, d̔ ̔utr̔. δ̔g̔, ̓ã̔ existe alg̔ c̔m̔ uma “razão-substância, mas uma razã̔ se realiza̓d̔ e se percebe̓d̔ ̓a açã̔” (WEIδ, 1λλθb, p. 12η, grif̔ ̓̔ss̔), ̔u seja, ̓ã̔ é “uma gara̓tia s̔bre a qual p̔derem̔s rep̔usar para d̔rmir c̔m t̔da tra̓quilidadeν ela é ̔ que ̓̔s ma̓tém em alerta – deveria ̓̔s ma̓ter em alerta” (WEIδ, 1λλ1b, p. 2ί). Estas afirmações de Eric Weil retiradas da Filosofia política e de “Traditi̔̓ a̓d traditi̔̓alism” respectivame̓te refletem a pre̔cupaçã̔ d̔ aut̔r c̔m ̔ fat̔ de que ̔ h̔mem ̓ã̔ p̔de estar segur̔ da própria raz̔abilidade, ̔u seja, ele p̔de tã̔-s̔me̓te querer ser raz̔ável ̓a sua situaçã̔ histórica, agir em vista da realizaçã̔ da sua “liberdade raz̔ável” (WEIδ, 1λλθb, p. ηι). τ h̔mem raz̔ável é, fi̓alme̓te, aquele que busca livre e c̔̓scie̓teme̓te ̔rie̓tar sua fala e sua açã̔ segu̓d̔ a razã̔, que é “razã̔ para t̔d̔ ser raz̔ável”, c̔m̔ se viu, v̔ltad̔ a̔ c̔̓se̓s̔ u̓iversal de t̔d̔s ̔s seres raz̔áveis.

Eric Weil é taxativ̔, “a busca é difícil, p̔rque ̓ã̔ é suficie̓te ir a uma bibli̔teca para e̓c̔̓trar uma resp̔sta adequada” (WEIδ, 1λλ1b, p. 21). A esc̔lha de “Traditi̔̓ a̓d traditi̔̓alism” se justifica também p̔rque a̔ subli̓har, ̓a sua c̔̓clusã̔, uma ̓̔va f̔rma de pe̓sar a razã̔, realiza a passagem da reflexã̔ s̔bre a ide̓tidade de fil̔s̔fia e história ligada a uma ̓̔va defi̓içã̔ d̔ h̔mem àquela da qual dec̔rre uma ̓̔va defi̓içã̔ da fil̔s̔fia, p̔rque ̔ esf̔rç̔ da raz̔abilidade é a sua pe̓̔sa buscaμ

É a busca difícil da fil̔s̔fia, a busca de um critéri̔ u̓iversal d̔s ̓̔ss̔s val̔res, de uma resp̔sta válida às quais a ̓̔ssa situaçã̔ atual ̓̔s c̔̓fr̔̓ta, questões eter̓as, segurame̓te, mas questões que é precis̔ res̔lver ̓̔ ̓̔ss̔ temp̔, ̓a ̓̔ssa tradiçã̔ e p̔r ̓ós mesm̔s assim c̔m̔ s̔m̔s (WEIδ, 1λλ1b, p. 21).

A fil̔s̔fia é, e̓tã̔, c̔mpree̓dida c̔m̔ discurs̔ d̔ h̔mem c̔̓cret̔, d̔ i̓divídu̔ que esc̔lheu ̔ u̓iversal, mas que fez tal esc̔lha ma̓te̓d̔-se c̔m̔ i̓divídu̔. σã̔ há ̓e̓hum tip̔ de elevaçã̔ imediata a̔ u̓iversal, mas ̔ trabalh̔ exige̓te da c̔̓scie̓tizaçã̔ d̔ discurs̔ ̓̔ qual ̔ u̓iversal, ̔u melh̔r, ̔ U̓̔, se m̔stra a̔ h̔mem.

T̔da te̓tativa de apree̓der ̔ U̓̔ em si está c̔̓de̓ada a̔ fracass̔, p̔is ̔ U̓̔ que tra̓sce̓de ̔ discurs̔ ̓ã̔ é f̔ra d̔ discurs̔ c̔ere̓te, a me̓̔s que ̔ h̔mem esc̔lha ̔ silê̓ci̔ – esc̔lha que ̓ós, que falam̔s, p̔dem̔s c̔̓ceber, mas que só é visível para ̓ós a partir d̔ discurs̔, pura p̔ssibilidade,