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Max Weber: os limites da objetividade histórica

2.1 A EVOLUÇÃO DA CRÍTICA DA RAZÃO HISTÓRICA

2.1.3 Max Weber: os limites da objetividade histórica

De fato, diferentemente de Dilthey e de Rickert, Weber não coloca no centro o problema das condições de possibilidade da objetividade da verdade histórica. Há uma real mudança de perspectiva sobre a problemática fundamental, pois se passa da pergunta sobre a fundamentação da objetividade histórica àquela sobre os seus limites.190

Max Weber, ao se afastar do terreno do discurso transcendental e se concentrar preponderantemente no aspecto met̔d̔lógic̔, busca “expl̔rar cie̓tificame̓te a imp̔rtâ̓cia cultural geral da estrutura econômico-social da vida humana e de suas f̔rmas históricas de ̔rga̓izaçã̔”(WEBER, 1965, p. 145), aspirando por uma determinação do sentido para a verdade objetivamente válida no campo da vida cultural em geral.191

Interpretando o pensamento weberiano, Aron aponta como ideias essenciais: a “̓egaçã̔ da metafísica e [a] afirmaçã̔ da causalidade, subjetividade e ̔bjetividade da seleçã̔ das relações” (ARτσ, 1969, p. 219).192 Com efeito, Weber introduz, com a sociologia compreensiva, uma abordagem que se concentra na vida cultural compreendida nas instituições. Essas “ciê̓cias da cultura” ambici̔̓am ab̔rdar “̔ sig̓ificad̔ cultural d̔s fe̓ôme̓̔s da vida” (WEBER, 1965, p. 159), ligando-os ao conceito de valor, ou, mais precisamente, c̔mpree̓de̓d̔ “̔ c̔̓ceit̔ de cultura” c̔m̔ “um c̔̓ceit̔ de val̔r” (WEBER, 1λθη, p. 1ηλ). A influência de Rickert é evidente193

, porquanto Weber retoma a distinção entre natureza e cultura e mantém os conceit̔s de “relações de val̔r”, da “infinita diversidade da realidade” e da “causalidade singular”.194 Para Weber, os fenômenos da vida designam eventos históricos

190 Astor Diehl (1λλθ, p. 24) põe a questã̔ ̓estes term̔sμ “É possível discutir Weber como historiador e quais os fundamentos que ele próprio discutiu e propôs? Ou, ainda, podemos dizer, como Heuss afirmou, ser Weber um pesquisador da História? Independentemente da nossa resposta à pergunta, vale a pena, em seguida, insistir sobre os limites da própria ciência histórica: O que diferencia o historiador, propriamente dito, de um economista, de um cientista político? Quais seriam os limites entre a ciência histórica, no sentido estrito, e a sistematização da História

U̓iversalς”.

191 “A̔s ̔lh̔s de Weber, o saber positivo deve ser válido para todos (quer dizer, para todos os que querem a verdade). Problema que se coloca é este: o julgamento histórico é susceptível de uma validade universal? Em que

medidaς” (ARτσ, 1969, p. 218).

192 “A aceitaçã̔ d̔ hist̔ricism̔, de que ̔ pr̔cess̔ históric̔ ac̔m̔da um se̓tid̔ ̔bjetiv̔ em si, que se p̔de clarear, gradativamente, pelos processos exegéticos dos historiadores, foi denominada por Weber de ‘falsificaçã̔

r̔mâ̓tica’. Para ele, a questã̔ d̔ se̓tid̔ da História t̔r̓ara-se um conteúdo sem objetivo; somente por meio de

ultimas e supremas ideias de valor, nas quais nós ancoramos o sentido do nosso estar aí, br̔tam, d̔s ‘ilimitad̔s

ac̔̓tecime̓t̔s u̓iversais sem se̓tid̔’, perspectivas para ̔bjet̔s históric̔s de trabalh̔ ‘chei̔s de sig̓ificaçã̔’”

(DIEHL, 1996, p. 37, grifo do autor).

193“σ̔ seu c̔̓ju̓t̔, a ̔p̔siçã̔ que Weber utiliza corresponde à oposição formal de Rickert: assim, na natureza e no universo dos homens, se se quiser escrever um história, tem-se que rec̔rrer à ‘relaçã̔ de val̔res’, pel̔ me̓̔s para constituir o objeto do qual se traçará o futuro. Ao mesmo tempo, Weber retoma a oposição material natureza- cultura, e pode-se facilmente citar os textos em que a relação aos valores parece servir para isolar o mundo dos

sig̓ificad̔s ̓̔ i̓fi̓it̔ das c̔isas a̓ô̓imas” (ARτσ, 1969, p. 221). 194 Cf. WEBER, 1965, p. 483.

únicos e o significado atribuído a estes acontecimentos representa a relação dos fenômenos culturais com as ideias de valor.

A história é parte das “ciê̓cias da cultura” e não pode pretender um conhecimento objetivo, uma vez que essas ciências tendem às questões de valor. No caso de Weber, a problemática ganha uma caráter específico pela i̓tr̔duçã̔ da disti̓çã̔ e̓tre “juíz̔s de val̔r” e “relações de val̔r”. Se o objeto histórico, para Rickert, depende da universalidade dos valores, em Weber, ele é determinado a partir das relações entre os fatos, aceitando a subjetividade da escolha de valor. Em outras palavras, só no domínio da explicação causal se pode garantir a objetividade195

, e, desta forma, o conhecimento do significado cultural e das relações de causalidade da realidade concreta podem ser tomados como o fim último da ciência da cultura.

Admitindo-se a natureza arbitrária da seleção, reconhece-se que fenômenos sociais e econômicos dependem de estados espirituais e que o seu conhecimento só pode ser determinado pelo imbrincamento das condições do sujeito agente com o interesse subjacente à decisão do historiador. Mas, porquanto a relação entre os fatos e a regularidade das conexões causais é objetiva, ela pode ser posta como princípio fundamental da seleção, segundo o qual, a individualidade é integrada no sistema da lei como extensão do seu desenvolvimento e o caráter acidental fica desprovido de qualquer importância para a pesquisa histórico-científica.196 Não se pode negar que todas as seleções dependem do arbítrio e começam pela curiosidade, ou seja, a toda escolha subjaz unicamente o interesse sobre os eventos do passado e sobre os seus efeitos.197

Aron (1969, p. 224) tenta elencar os critérios weberia̓̔s para a esc̔lhaμ “a eficácia (causalidade), o valor e o mei̔ de c̔̓hecime̓t̔”. Em primeir̔ lugar, a esc̔lha de um determinado objeto requer que o mesmo sirva como ponto de partida e como base para o conjunto completo da pesquisa. Em segundo lugar, dada a infinita curiosidade do espírito, o conhecimento da história será sempre parcial, pois tratará da relação entre uma mente finita e uma realidade infinita nas suas possibilidades, do que segue que qualquer conhecimento

195 “À semelha̓ça de Rickert, observa as ligações dos fenômenos históricos sobre os valores culturais, considerando esta tarefa específica do pensamento histórico. A singularidade dos indivíduos históricos – aqui Weber segue a terminologia de Rickert – assenta-se sobre o fato de que o desenvolvimento histórico geral, sob a

perspectiva da cre̓ça adquire e busca cert̔s val̔res da cultura” (DIEHδ, 1996, p. 36). 196 Cf. WEBER, 1965, p. 151-156.

197 O que aparece mui claramente na interpretação de Taboni (1997, p. 242-243)μ “[Em Weber], a elaboração científica da história, ou seja, a aplicação do procedimento objetivista de impostação causal aos fatos do conteúdo delimitado pela escolha subjetiva é, de fato e paradoxalmente, uma construção científica erguida sobre um

fu̓dame̓t̔ extra cie̓tífic̔” e acresce̓ta mais abaix̔μ “C̔m p̔ucas palavras, em Weber, é ̔ pesquisad̔r que dá

um sentido ao que escolheu segundo a fé que ele nutre em determinados conteúdos culturais – os quais, portanto, se tornam para ele Wertideen, ideias de valor – precisamente porque, enquanto conteúdo da sua fé, ele não pode

reflexivo pode dar conta apenas de uma pequena parte da realidade.198 Quando um determinado objeto “aparece” para o historiador, ele é reconstruído, ou seja, busca-se retomar as formas de análise do valor e das relações entre os fatos que originaram o seu “tip̔ ideal”. Por último, nas ciências do espírito, a relação entre os fatos e a explicação causal é essencialmente diferente daquela entre as leis da física e as explicações nas ciências naturais, porque as ciências da cultura se concentram nos fatos singulares que tentam compreender. Isso evoca um aspecto capital da metodologia weberiana que afirma que as verdades históricas devem parecer “i̓teligíveis”, porquanto, para as ciências da cultura, trata-se da compreensão, abordagem do significado dos fatos e das ações humanas, enquanto a explicação causal, procura determinar a relação de causalidade entre os fatos.

Os estudos culturais procuram o sentido e os motivos do comportamento humano e, para tanto, retorna-se à “compreensão” na acepção do Diltheyμ “̔ mét̔d̔ cie̓tífic̔ de lidar com os juízos de valor não pode se limitar à compreensão, para reavivar os objetivos desejados e os ideais que servem como sua fundamentação, ele se oferece para nos ensinar também o resgaste de um julgame̓t̔ ‘crític̔’ s̔bre eles” (WEBER, 1965, p. 125). Concernentemente à explicação da causalidade, afirma-se que para estabelecer o seu nexo é preciso averiguar a validade da conexão entre os eventos. Ou seja, é preciso compreender antes de explicar.

Quando Weber pergunta como um juízo baseado no entendimento pode ser válido u̓iversalme̓te, “estima que a verdade geral de uma relaçã̔ c̔mpree̓sível tra̓sce̓da uma concepção restritiva, embora a compreensão seja sempre parcial, e sua única compreensão jamais possa valer u̓iversalme̓te, é sempre precis̔ rec̔rrer à verificaçã̔ causal” (δI, 2012, p. 53). Verifica-se mais uma vez a importância das compreensões parciais da causalidade para a crítica da razão histórica. Com efeito, se Dilthey estabelece o método específico das ciências do espírito concentrando-se na diferença entre explicação e compreensão, Weber muda a ênfase e insiste sobre a sua complementaridade.

A “análise de valor” corresponde à compreensão, e o “tipo ideal”, ao instrumento para estabelecer as relações causais, ou seja, trata-se do aparato que dá a medida adequada à noção de lei no campo das ciências da cultura, pois mesmo que existam leis sociais gerais, estas serão as menos procuradas, porque o problema da causalidade dos fenômenos históricos não trata de leis, mas de conexões causais concretas. No entanto, as causas que determinam um acontecimento jamais são explicadas exaustivamente, podem apenas ser descritas de diferentes maneiras sempre fragmentadas. Por isso, é preciso compreender oessencial para sistematizar e

caracterizar suas relações singulares, é justamente neste domínio que se dá a importância da noção de “tipo ideal”. De fato, Max Weber, em vez de procurar reduzir tudo a leis universais, articula a noção de tipo por que “̔s ‘eve̓t̔s i̓dividuais’ só p̔dem se ali̓har c̔m̔ ‘tip̔s’, ist̔ é, c̔m̔ ilustrações das leis” (WEBER, 1965, p. 175), acentuando determinados elementos da realidade, propondo a construção do tipo ideal, que não é uma descrição exaustiva da realidade, mas uma orientação na compreensão do desenvolvimento das hipóteses que tentam explicá-la. A própria realidade é feita de relações complexas cuja compreensão requer a tomada de um ângulo preciso. Dito isto, o conceito de tipo ideal tem a função de dar oferecer ferramentas para a visão do mundo, Weltanschauung, mantendo sempre um caráter “utópico”.199

O conceito de tipo ideal é, portanto, um instrumento auxiliar da inteligibilidade que enfatiza um ou mais aspectos dos fenômenos, dependendo justamente da maior ou menor capacidade de compreendê-los num determinado discurso. É o que Weber faz, por exemplo, com a análise do capitalismo como um tipo social que inclui uma série de relações interpretadas a partir de um conceito – sem o qual o capitalismo seria incompreensível. O autor sublinha na natureza do capitalismo sua peculiar relação com o protestantismo, apresentando uma panorama parcial que permanece no nível fenomênico e não toca aquele transcendental. Metodologicamente, o tipo ideal, acentuando elementos conceptuais essenciais, se põe como meio através do qual se julga o acidental. Na verdade existem muitos tipos ideais possíveis, quase todos os conceitos das ciências culturais são mais ou menos tipos ideais, cada um represe̓ta̓d̔ uma t̔talidade parcial, c̔m̔, p̔r exempl̔, ̔ c̔̓ceit̔ de “i̓tercâmbi̔ ec̔̓ômic̔”.200

Para alcançar a universalidade, Rickert se vale de um universo de valores universais, Weber, por sua vez, se preocupa com a condição da seleção real, portanto, com uma verdade parcial baseada numa regressão causal, parcial e analítica; o primeiro afirmando a consciência transcendental, o segundo, a subjetividade concreta. Weber não procura unificar os objetos a partir de seus significados, para ele, os valores não têm o mesmo peso que tinham para Rickert, nem para a análise de valores, nem para a constituição do objeto, porque o significado se

199 Cf. WEBER, 1965, p. 180.

200 A teoria de Marx é considerado por Weber como uma construção de um tipo-ideal, mas que anseia possuir “uma validade empírica ̔u c̔m̔ ‘f̔rças age̓tes’ reais (que quer dizerμ metafísica) ̔u ai̓da c̔m̔ tendências, etc.” (WEBER, 1λθη, p. 2ίί). Para Weber, ̔ tip̔ ideal se baseia ̓uma “descriçã̔ fe̓̔me̓̔lógica da c̔̓diçã̔ huma̓a” ̓ã̔ quer desc̔brir ̔ pri̓cípi̔ geral de explicaçã̔ da história, c̔m̔ εarx, serve s̔me̓te para medir e

comparar a realidade sem cair no racionalismo dogmático. Sua validade repousa sobre a constituição do objeto de pesquisa, ele não substitui a análise causal da realidade. Na verdade, ele existe para ser superado. Se a busca da realidade resultam numa conclusão coerente com o tipo ideal, este realizou sua missão. Para Weber, a maturidade

da ciê̓cia sig̓ifica “exceder ̔ tip̔ ideal, atribui̓d̔-lhe uma validade empírica ou o valor de um conceito ge̓étic̔” (WEBER, 1λθη, p. 2ί2).

encontra na infinidade do objeto, e uma vez que ele muda conforme o devir huma̓̔, “a imp̔ssibilidade de dem̔̓strar juíz̔s de val̔r está ̓̔ ce̓tr̔ d̔ pe̓same̓t̔ de Weber” (ARON, 1969, p. 258).

Para Weber, com efeito, a objetividade está no nexo de causalidade. Isto compreende, em primeiro lugar, uma regra de sucessão e, em segundo lugar, uma conexão entre os diferentes eventos. O foco pode variar entre um e outro dependendo das circunstâncias. Sobre a causalidade, Weber aponta para dois pontos essenciais, antes de tudo, não há uma causa na história, e a regressão causal isolando este ou aquele antecedente particular, toca somente um significado parcial da causalidade. Para ele, é sempre uma totalidade que conduz ao efeito real, totalidade da qual o tipo ideal é uma racionalização. Adverte-se, assim, o perigo de confusão, “a ̓ecessidade de ma̓ter c̔m precauçã̔ ̔ seu caráter típic̔ ideal ̓̔ m̔me̓t̔ de utilizá-los e não confundir tipo ideal e história” (WEBER, 1965, p. 205). É preciso tomar consciência dos limites da sua validade; não há começo absoluto, isto é, o “primeiro motor” não existe, porque o retorno às causas não pode ser exaurido.

A subjetividade da seleção, a ideia de valor, o pressuposto do tipo ideal, a objetividade das relações de acordo com a ideia de valor, são os principais elementos de uma lógica original:

A validade objetiva de todo conhecimento empírico tem como fundamento (...) o seguinte princípio: a realidade dada é ordenada de acordo com categorias que são subjetivas neste sentido específico, elas constituem o pressuposto do nosso saber e estão ligadas com a pressuposição do valor da verdade que só o conhecimento empírico pode fornecer-nos (WEBER, 1965, p. 334).

De acordo com o pensamento weberiano, o tipo ideal deve ser usado em vista de uma conclusão objetiva sobre o comportamento humano, o que pressupõe a racionalidade deste mesmo comportamento. Mas quando se trata de comportamentos irracionais ou inconscientes, os problemas são postos de outra forma, compreende-se o agente pela ação, como se este sempre realizasse a sua vontade agindo conforme uma consciência completa da própria ação. Para Weber, o recurso à psicologia é errado, porque é preciso primeiro circunscrever o domínio do compreensível, onde se pode conceber a racionalidade de uma ação, seja p̔r “raci̔̓alidade subjetiva pela fi̓alidade”, seja p̔r “raci̔̓alidade estreitame̓te ̔bjetiva” (WEBER, 1965, p. 334), e ̔s pr̔cess̔s “irraci̔̓ais” que tendem a uma finalidade ainda não percebida, devem ser considerados contrários ao tipo ideal, e, por conseguinte, acidentais. A predominância de ações racionais sobre outros tipos de ação é óbvia.

A noção de tipo ideal está ligada à racionalização do mundo moderno. De um lado, essa raci̔̓alizaçã̔ ̔u “dese̓ca̓tame̓t̔ d̔ mu̓d̔”, sig̓ifica, e̓tre ̔utras c̔isas, que a ação tem quase sempre uma finalidade não-natural. De outro lado, nesse contexto o tipo racional deve ser tomado como hipótese cuja validade tem de ser verificada. Sobre esse recurso Aron tem uma visão positiva, embora com ressalvas importantes. Em primeiro lugar, de acordo com a aplicação a fenômenos diferentes, é bem provável que o tipo racional venha a assumir significados diferentes. P̔r exempl̔, “̔s alemães são disciplinados, os alemães são hoje a̓imad̔s p̔r um ̔bscur̔ patri̔tism̔, ̔s alemães querem a paz” (ARτσ, 1969, p. 232), todos esses juízos têm um valor diferente e mesmo contraditórios, dependendo das circunstâncias, mas Weber não aprofunda distinções lógicas. Em segundo lugar, a lógica do tipo ideal também implica que todo historiador tente responder à pergunta que ele mesmo escolheu, e uma vez posta a questão, resta apenas encontrar resposta nos fatos. As relações causais estabelecidas, mesmo se decorrem dos mesmo sujeitos atuando no conjunto dos fatos, são ou verdadeiras ou falsas. Isso quer dizer que se conseguirmos fornecer fatos para apoiar um modelo, este modelo poderia ser científico e assim afirmar sua validade universal. E, de fato, essa objetividade hipotética, aos olhos de Aron, se baseia sobre um princípio de seleção simples. Uma vez que a reconstituição histórica é orientada pela pergunta posta ou pelo valor preferido, ela certamente será marcada pelos princípios de seleção do historiador, e consistirá um único ponto de vista, que pode ser legítimo e fértil, mas não necessariamente verdadeiro universalmente. Desta forma, na doutrina de Weber, a suspeita de relativismo é onipresente. Esse ponto será também aquele pelo qual Weil rejeitará a filosofia da história weberiana.

“σa ev̔luçã̔ da história d̔ pe̓same̓t̔ ̔cide̓tal, dep̔is da ̓egaçã̔ de um desti̓̔ humano garantido de antemão, representado pelo racionalismo absoluto de Hegel, é o relativism̔ que d̔mi̓a” (δI, 2012, p. 58), ficando excluído do domínio da ciência qualquer possibilidade de juízo de valor. Weber segue essa esteira, contribuindo muito particularmente pela forma de específica de pensar o conceito de “avaliaçã̔”, cujo significado na obra weberiana assume o sentido de uma aprovação ou desaprovação a partir da mera apreciação fenomênica. Trata-se do ideal da “̓eutralidade axi̔lógica”, ou seja, que uma vez no campo da ciência, deve-se, entre outras coisas, abrir mão de qualquer concepção preconcebida do mundo. Para Weber, existe, portanto, uma nítida separação entre a elaboração lógica e o desenvolvimento empírico dos fatos, assim como entre as formas de avaliá-los. A ciência é tão- somente dedução lógica e inferência, já o juízo de valor, escolhas e decisões livres. “Sempre que um cientista envolve o seu próprio juízo de valor, ele não tem mais a compreensão completa ̓̔s fat̔s” (WEBER, 1987, p. 91), tanto mais quanto a objetividade deve ser assegurada não

por um pressuposto transcendental, mas pela fixação rigorosa dos objetivos, do método e, finalmente, dos resultados da ciência. Assim, por um lado, a ciência deve guardar sua neutralidade axiológica, posta à parte sua função de apresentar empiricamente a realidade ou mesmo a tendência de evoluir, ele não pode nos dizer como viver, nem como se deve organizar a sociedade, nem a finalidade da existência humana, todos estes pontos revelam uma preferência de valores. Por outro lado, esses diferentes valores entram em conflito uns com os outros, como a guerra dos deuses, é o nosso destino para viver em conflito perpétuo.201 O propósito de Weber está, em parte, em salvaguardar no rigor da ciência pela pureza de pensamento racional, bem como reconhecer o terreno da liberdade da escolha dos valores, o que deveria impedir a interferência do determinismo na ação livre e assegurar a dignidade da ciência e não emaranhá-la no caso de conflito de valores.

Esse procedimento encontra muitas dificuldades, algumas incontornáveis, ele pode levar à irracionalidade da escolha de valores, assim como a uma “ciência dese̓raizada”. Embora a separação da ciência da esfera dos valores possa salvaguardar a diversidade dos valores e garantir a liberdade de escolha, pode também retirar da escolha uma base racional, como se tudo que concerne à liberdade começasse pela arbitrariedade e desembocasse no niilismo e no voluntarismo segundo o modelo de Nietzsche. Consoante o pensamento weberiano, a suposição de que a ciência não se relaciona com as questões de valor é precedida pela premissa da independência da investigação científica, que visa somente o mundo do fenômenos, estritamente obrigada a obedecer às suas leis internas; e o mundo, antes de ser integrada no domínio humano, é em si mesmo desprovido de qualquer ordem evidente. Mas se a ciência é um sistema fechado e racional, ela continua irracional em suas bases, porque seus fundamentos estão no mesmo nível dos fatos, é possivelmente por que alguém a preferiu em detrimento de outras possibilidades.

É a subjacência da liberdade, essa instância extra científica, que serve de base à crítica ao determinismo, assim como funda inclusive uma impostação política:

201 Na mui célebre conferência A ciência como voca ção, Max Weber não declina da dificuldade dos valores, antes ̔s expõe ̔ mais clarame̓te p̔ssívelμ “Qual é, afi̓al, ̓esses term̔s, ̔ se̓tid̔ da ciê̓cia e̓qua̓t̔ v̔caçã̔, se