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TRÊS CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Três observações servirão ao mesmo tempo de conclusão do que se disse e como introdução ao próximo momento da nossa reflexão. As duas primeiras são retomadas do excele̓te text̔ de Giusi Strummiell̔, “Fil̔s̔fia e metafil̔s̔fia i̓ Eric Weil”, a terceira é justamente a que fará a ponte ao que se dirá depois. Com outras palavras, desenvolve aquilo que Weil estabelece na Filosofia moral – a que já ̓̔s referim̔s acimaμ “a fil̔s̔fia da história ̓ã̔ é só p̔ssível, mas c̔̓stitui uma exigê̓cia da fil̔s̔fia”.

Em primeiro lugar, à apresentação da filosofia de Weil como metafilosofia talvez se oponha a acusação de uma excessiva abstração, incompatível com o projeto weiliano como um todo. Essa objeção, segundo o que foi estabelecido por Giusi Strummiello (2016, p. 115) não c̔mpr̔mete esse expedie̓te, p̔is ̓ã̔ se trata de um pr̔cedime̓t̔ “merame̓te descritiv̔”, mas “fu̓dame̓talme̓te prescritiv̔”, c̔̓cer̓i̓d̔ à ̓atureza da tarefa d̔ filós̔f̔. τ caráter autorreferencial da filosofia afirma sobretudo que ela só pode se justificar internamente, isto é, depois de uma escolha livre e imotivada. Porém, esse mesmo caráter é circunscrito pela referência externa à ambição filosófica do desaparecimento da violência. Por isso, a comparação do projeto da Lógica com a Fenomenologia do espírito de Hegel não se sustenta porquanto a primeira desconhece uma forma de parousia do espírito. A filosofia de Weil é sempre um esfoço aberto e finito, nunca arrematado e sempre a se renovar. Aqui se encontra outra dimensã̔ d̔ seu “ka̓tism̔ pós-hegelia̓̔”. A te̓dê̓cia a̔ sistema é uma exigê̓cia sempre aberta e por isso mesmo sua a coerência reconhece a irredutibilidade dos diversos discursos humanos particulares. Ao definir a filosofia como ciência do sentido, Weil se refere à sua função sistemática de construção do sentido como coerência de todas as atitudes reais:

A filosofia se define como a ciência do sentido. É ciência não porque explore

um camp̔ limitad̔ e “̔bjetivame̓te” u̓̔ – tal limtação e tal objetividade

devem antes de tudo legitimar o seu sentido diante ddo seu tribunal – mas porque constitue o sentido enquanto coerência de todas as atitudes reais, e assim se constitui no sentido. É ciência porque é por sua essência o sistema no qual entra todo sentido concreto (os loucos não existem para a filosofia) e não é nunca fechado porque o sistema filosófico, na sua forma lógica, é o sentido formal do sentido concreto (WEIL, 1996a, p. 420).

A filosofia é ciência porque visa à edificação de um sistema que abrigue todos os sentidos concretos, mas, sobretudo, porque continua como uma possibilidade do homem.161 Ela

não impede a liberdade efetiva de elaborar discursos sensatos, nem impõe uma determinada forma de vida, apenas define as condições da vida razoável.162 “A fil̔s̔fia sistemática c̔m̔ lógica é a articulação num único discurso dos discursos particulares, que se autocompreende nesta compreensão, fugindo, assim, do risco de não se reconhecer como discurso entre outros discursos, e evitando prevalecer sobre eles e se imp̔r” (STRUεεIEδδτ, 2006, p. 116-117). No discurso weiliano, o indivíduo é sempre uma realidade finita, singular e livre. A síntese entre exigência de sistema e exigências do finito, entre coerência do discurso e as reinvidicações do indivíduo, é uma síntese de ordem prática. Trata-se de desenvolver um discurso coerente que não se feche sobre si mesmo e que permita tornar coerente a realidade.

Em segundo lugar, ainda se pode acusar a existência de um excesso de confiança na ação da filosofia sobre a realidade. Ou seja, poder-se-ia sustentar a circunscrição do projeto weiliano ao horizonte da modernidade, por um exagerado otimismo acerca as possibilidades de transformação da realidade por parte da filosofia. No caso de Weil, essa oposição ganha ainda ̔utr̔ aspect̔, já que ̔ “̔timism̔ m̔der̓̔” seria vist̔ em retr̔specçã̔. Para ̓ós, ̓̔ e̓ta̓t̔, não se trata da questão de estabelecer se é ou não possível considerar Weil um pensador atual, mas do modo de conceber o estatuto e o papel da filosofia. Com efeito, opondo ao sentido e ao discurso o insensato, Weil se mantém, de certa forma, no horizonte próprio do Esclarecimento, hegemônico no cenário filosófico até o início do século XX.163

Mas a atitude de Weil excede os limites dos projetos modernos porquanto não aconselha nem desaconselha concretamente. A Lógica não responde sobre o papel do homem concreto, que se encontra numa situação determinada e com um discurso. A prescritividade é, portanto, fraca, geral, insuficiente para vincular algum conteúdo determinado, porque o campo da lógica é o domínio metafilosófico, que concerne formalmente à reflexão da filosofia sobre si mesma. As suas respostas pressupõem sempre a sua aceitação por parte dos indivíduos concretos. Com outras palavras, a filosofia não explica nada nem guia ninguém que não tenha se decidido pela razoabilidade da própria vida nem queira compreender o sentido das próprias atitudes.

A filosofia pressupõe a si mesma. Ela é o fundamento não-fundado e o absoluto que se escolhe no temp̔, i̓capaz de levar a realidade a um fu̓dame̓t̔, a um abs̔lut̔. “A fil̔s̔fia

162“A fil̔s̔fia que se c̔̓stitui c̔m̔ liberdade ̓a forma do sentido, não interrompe a liberdade de criação concreta de sentido (a filosofia não ensina um maneira de viver, define a vida razoável, mas nem pode nem deseja impô-

la)” (WEIδ, 1λλθa, p. 42ί-421).

163“τ pr̔jet̔ de Weil é certame̓te ‘m̔der̓̔’ ̓a medida em que fala da fil̔s̔fia c̔m̔ sistema e lhe atribui a tarefa de dar um sentido ao insensato, mas, por outro lado, Weil não é ingênuo a ponto de de não se dar conta da finitude, da contingência, da impossibilidade tanto de uma fundamentação ontologicamente objetiva, quanto de

quer compreender o que é, pelo que é; não se propõe mostrar a necessidade porque sabe que tal projeto é absurdo: trata-se do Todo e o Todo é sem hipótese, sem fundamento, sendo esse mesm̔ fu̓dame̓t̔ de t̔da p̔ssibilidade e de t̔da ̓ecessidade” (WEIδ, 2ίί3a, p. 3λ).

Weil é consciente do fato de que à insensatez que nos circunda não se pode afrontar apelando a uma hipotética capacidade de base da filosofia. A filosofia é uma escolha livre, precária, i̓fu̓dada, “irraci̔̓al”, ̔u a̔ me̓̔s a-racional. Por outro lado, o reconhecimento dessa origem subjetiva do exercício filosófico não comporta um aviltamento das suas prerrogativas e das suas funções. A-racional na sua raiz, ela conserva como meta a coerência absoluta, e com essa a possibilidade de reencontrar uma estrutura coerente no que nos circunda. Nascida da liberdade e da contingência, a filosofia mira a necessidade, sem negar as suas origens e o seu caráter; logo, não se trata do sacrifício do intelecto ou de uma indulgência nos confrontos com a realidade, pois, embora seja objetivamente infundada, a filosofia não acompanha a realidade na sua falta de fundamento e de sentido. Ao contrário, a metafilosofia chama a filosofia à construçã̔ pacie̓te, c̔m ̔ hegelia̓̔ “esf̔rç̔ te̓s̔ d̔ c̔̓ceit̔” (HEGEδ, 2ί13, p. ηκ), de uma barreira c̔̓tra a vi̔lê̓cia e c̔̓tra a i̓se̓satez. “Exatame̓te p̔r iss̔, Weil nunca será um pensador da moda, mas permanece uma das figuras mais sérias e mais sóbrias d̔ pa̓̔rama fil̔sófic̔ d̔ sécul̔ que acab̔u de ser tra̓sc̔rrid̔” (STRUεεIEδδτ, 2006, p. 119).

Em terceiro lugar, a metafilosofia de Weil acentua o caráter essencialmente histórico da filosofia. Concernentemente ao que nos interessa, o nosso texto contrapunha a história como dimensão constitutiva da filosofia ao seu caráter eminentemente científico e comunicável. A filosofia pode ser rejeitada na sua cientificidade e e na sua comunicabilidade, mas, mais profundamente ainda, essa rejeição tem uma natureza ambivalente, pois, se de um lado ela é externa à filosofia pela possibilidade sempre presente da sua recusa pela violência, de outro lado, ela é interna, porquanto a filosofia não é uma ciência nem uma doutrina a ser comunicada. No que concerne à história, porém, a lógica é absolutamente singular. Ela se distingue porquanto a dimensão histórica da filosofia é sempre atual, parte do exercício filosófico. Dessa relação entre filosofia e história é que surge o problema da filosofia da história, isto é, se do homem que quer compreender o mundo se exige que compreenda as raízes históricas do mundo a ser compreendido, a pergunta pela história é natural e inerente ao exercício especificamente filosófico; ponto de vista irrecusável desde Hegel. Para Weil, o terreno próprio dessa temática é a filosofia prática, e exatamente por isso vemos tanto na Filosofia política quanto na Filosofia moral as referências explícitas à questão.

Mais uma vez: se a filosofia da história é uma exigência para a filosofia, esta deve lidar c̔m ̔ fat̔ de que “cada um p̔de, c̔m̔ se diz, dar se̓tid̔ à história”, e ai̓da que “̓ada p̔de ̔brigar a mudar ̔ ‘se̓tid̔ da história’ um h̔mem pr̔̓t̔ a assumir ̔s riscos tão reais que c̔mp̔rta esse se̓tid̔ ‘pess̔al’” (WEIδ, 1λλκa, p. θ2), resta saber ̔s critéri̔s que ̔ filós̔f̔ dispõe para pe̓sar s̔bre esse “se̓tid̔”.

A filosofia de Weil é antípoda do niilismo. Portanto, a questão se põe concretamente c̔m̔ “crítica da razã̔ histórica”, ist̔ é, pergu̓ta pelas c̔̓dições de p̔ssibilidade d̔ conhecimento histórico, sem, contudo, se reduzir a uma relfexão metodológica sobre o estatuto epistemológico da história. Antes, Weil busca uma perspectiva autenticamente filosófica que se mantenha aferrada às duas noções basilares do exercício da filosofia, a saber, a exigência da “c̔̓stâ̓cia ̓̔ pe̓same̓t̔” e da “u̓iversalidade” c̔m̔ fu̓dame̓taçã̔ (WEIδ, 1λλκa, p. θ2).

2 A PERGUNTA PELA DA HISTÓRIA: DA CRÍTICA À LÓGICA

A exaustiva repetiçã̔ de que ̔ sécul̔ XIX f̔i ̔ “sécul̔ da história” p̔de dar à afirmação um caráter banal, sem deixar, porém, de exigir um aprofundamento para que se encontre o seu significado e a sua relevância. Com efeito, o status quaestionis do pensamento filosófico, sobretudo nos três quartos finais do século XIX, só pode ser compreendido à luz da renovação provocada na vida intelectual europeia pela questão da história. Mas, se de uma forma geral, a expressão vale para todo o pensamento europeu, é ainda mais sentida entre os pensadores alemães. De fato, na Alemanha, as reações à “abstraçã̔” da Aufklärung se realizam no pensamento sobre as manifestações do espírito, isto é, sobre a direito, a política, as línguas, ̔s mit̔s, as le̓das e a arte, c̔m a pre̔cupaçã̔ fu̓dame̓tal de “m̔strar ̔ que era próprio de cada época da cultura, e como este próprio, ou essa diferença específica, se refletia em todas as dimensões de sua existência” (CτδδIτT-THÉLÈNE”, 1995, p. 17).164

A nosso ver, a compreensão da tese de que a filosofia weiliana pode ser lida no seu c̔̓ju̓t̔ c̔m̔ uma fil̔s̔fia da história, sem, c̔̓tud̔, articular uma “fil̔s̔fia particular”, se beneficia enormemente pelo conhecimento da evolução da reflexão sobre a história. De um lad̔, este pr̔cedime̓t̔ permite i̓serir Eric Weil” ̓̔ u̓ivers̔ mais ampl̔ da reflexã̔ s̔bre a história e, de outro, ao confrontá-lo com este mesmo universo torna possível sublinhar, noutra perspectiva, sua inspiração kantiana tanto quanto a originalidade do seu pensamento.165

Necessita-se, mais uma vez, de uma série de observações preliminares de diferentes ordens, em todas elas, no entanto, nos deparamos com um nível de leitura filosófica da história. Em primeiro lugar, parte do interesse de Weil pela questão da história pode ser justificado pelo perfil da sua formação. De fato, no início do século XX, o pensamento alemão estava ainda

164 O manifesto de Marx e Engels na última tese sobre Feuerbach é igualme̓te c̔̓hecida e claraμ “τs filós̔f̔s só interpretam o mundo de diferentes maneiras, do que se trata é de transformá-l̔” (εARX – ENGELS, 2001, p. 103).

165 Concordamos, não sem reservas, com o que afirma o intérprete italiano Pier franco Taboni (1997, p. 225): “trata-se do grande interesse de Eric Weil e do grande mérito do seu trabalho que, rico como poucos nestes últimos

decênios por argumentos discutidos e sugestões profusas, pode ser fundamentalmente definido como uma ininterrupta pergunta s̔bre ̔ que é a história”.

aferrado às duas questões que se impuseram no fim do século XVIII, mas sobretudo no século XIX, ou seja, a pergunta pelo estatuto epistemológico das ciências humanas em geral e da história em particular.166

Em segundo lugar, se a filosofia da história orbita, fundamentalmente, ao redor da filosofia hegeliana167

, em Weil, porém, ela se coloca também no espaço da inspiração kantiana – hipótese que a nossa tese quer confirmar – isto é, da arquitetônica de uma “crítica da razã̔ histórica”. Trata-se, concretamente, do emprego do conceito de Kritik segundo a acepção kantiana da delimitação dos domínios nos quais a pesquisa histórica pode se caracterizar como ciência autônoma e os seus enunciados legitimamente pretender o reconhecimento de uma forma real de conhecimento. Finalmente, é possível concluir destas premissas que Eric Weil, através da pergu̓ta s̔bre ̔ “i̓teresse que se tem pela história”, se insere, de certa forma, na esteira começada por Dilthey, o que se pode deduzir, ainda, da dedicatória que lhe dirige Raymond Aron na obra Introduction à la philosophie de l’histoire, na edição de 1948.168

Levando em conta que àquela altura Weil só havia publicado na França o artig̔ “De l’i̓térêt que l’̔̓ pre̓d à l’hist̔ire”, ̔ gest̔ de Ar̔̓ testemu̓ha ̔ rec̔̓hecime̓t̔ e o encontro de um possível interlocutor.

A reconstrução do caminho do desenvolvimento da filosofia crítica da história pede a apresentação – aproximativa – do pensamento de alguns dos nomes mais influentes no processo de estruturação das ciências do espírito. Não é o caso de um excurso, mas da busca de compreensão do verdadeiro sitz im leben da questão.

O fim aspirado é ambicioso, pois, a nosso ver, é a compreensão da filosofia da história subjacente à obra weiliana que permite entender uma das suas principais aporias. Resumidamente, na crítica da questão histórica, Weil se mantém fiel à inspiração kantiana, mas, mais uma vez, se mostra como um kantiano que leu e compreendeu Hegel assim como leu e compreendeu Marx, e neste caso também Nietzsche e Weber. A aporia se mostra, por exemplo, na relação complexa entre a categoria da Ação e a Filosofia política, pois se a Ação desenvolve o discurso de Marx, a Filosofia política se aproxima de Weber, o que, para nós, oferece também a oportunidade de compreender a originalidade de Eric Weil no diálogo com ambos.

O percurso inicia com Dilthey, mas tende à compreensão da filosofia da história em Max Weber e à sua crítica a Marx; enquanto a presença de Rickert se justifica pela influência sobre Weber. Impossibilitados de uma leitura exaustiva, acompanhamos preponderantemente a interpretação de Raymond Aron.

166 Cf. GADAMER, 2000, p. 365-550.

167 O testemunho de Marx e Engels em A ideologia alemã continua como referência obrigatória. 168Cuj̔ subtítul̔ é justame̓te “Essai sur les limites de l’̔bjectivité hist̔rique”.

Subjaz, no entanto, a cada linha deste segundo capítulo a distinção fundamental entre as diferentes formas possíveis de abordagem da história em função de uma mais precisa, não exata, compreensão do que significa, para a nossa interpretação da filosofia de Eric Weil, a “fil̔s̔fia da história”. Tratando-se de uma tese em filosofia, o ponto de partida não pode ser outro senão a própria definição do termo. Com efeito, somente se se compreende a filosofia como busca da sabedoria, é possível distingui-la de outras formas de abordagem da história. Em primeir̔ lugar, a fil̔s̔fia da história ̓ã̔ se ide̓tifica c̔m ̔ mer̔ “pe̓same̓t̔ s̔bre a história”, p̔rqua̓t̔ esse, c̔mume̓te, ̓ã̔ assegura a devida ate̓çã̔ à difere̓ça fu̓dame̓tal, para a filosofia, entre opinião e conhecimento. Em segundo lugar, a filosofia da história não se reduz ai̓da a uma “te̔ria da história” e̓qua̓t̔ esta última se dá c̔m̔ reflexã̔ gl̔bal s̔bre a situações que levam a̔ c̔̓hecime̓t̔ de uma “história p̔sitiva”. Em terceir̔ lugar, a fil̔s̔fia da história que queremos tocar aqui não é também uma “ciê̓cia da história”. As querelas d̔ “sécul̔ da história” se situam, em gra̓de parte, ̓a te̓sã̔ criada pela ambiguidade própria d̔ term̔, p̔is uma “ciê̓cia da história” que se espelha ̓as ciê̓cias ̓aturais ̓ã̔ p̔de ̓ã̔ se dar como pretenso caminho para ̔ “c̔̓hecime̓t̔ ge̓uí̓̔” d̔s eve̓t̔s históric̔s, d̔̓de resulta praticamente uma coleção de análises cuidadosas e judiciosas de dados históricos relevantes.169 Resta-nos, por último, nos aproximarmos do que se entende aqui por filosofia da história. Trata- se, em pouquíssimas palavras, da busca da verdade orientada à história, isto é, da tentativa de c̔mpree̓der a ̓atureza da história. P̔rqua̓t̔, em Weil, a fil̔s̔fia se defi̓e c̔m̔ “ciê̓cia d̔ se̓tid̔” (WEIδ, 1λλθa, p. 42ί), ̔u ̔ “i̓cessa̓te trabalh̔ d̔ ser razoável que quer alcançar a

169 É apenas nesse ponto que se pode observar a natureza do historicismo que, em seu estágio mais avançado, se distingue do positivismo, primeiramente pela exigência do abandono da distinção entre fatos e valores na medida em que todo entendimento, por mais teórico que seja, implica avaliações específicas; em segundo lugar, pela negação da autoridade da ciência moderna, que aparece tão-somente como uma entre as muitas formas da orientação do homem no mundo pelo pensamento; em terceiro lugar, pela recusa a ver o processo histórico como fundamentalmente progressivo, ou, falando de maneira mais geral, como racional; e por último, pela negação da relevância da tese evolucionista, através da afirmação de que a evolução do homem a partir do não homem não tem como tornar a humanidade do homem inteligível. O historicismo rejeita ainda a questão da boa sociedade por causa do caráter essencialmente histórico da sociedade e do pensamento humano. Por isso, não se reconhece a necessidade de levantar a questão da boa sociedade; pois essa questão não é, em princípio, conatural ao homem e a sua própria possibilidade é o resultado de um decreto misterioso do destino. A questão crucial concerne ao status das características permanentes da humanidade, como a distinção entre o nobre e o abjeto, admitidas pelos

hist̔ricistas mais c̔̓scie̓ci̔s̔s. “Essas permanências podem ser usadas como critérios para distinguir entre bons

e maus decretos do destino? O historicista responde à questão pela negativa. Ele menospreza as permanências em tela por causa do seu caráter objetivo, comum, superficial e rudimentar: para tornarem-se relevantes eles teriam de ser completadas, e a sua complementação não é mais comum, mas histórica. Foi o desprezo por essas permanências que permitiu, em 1933, ao historicista mais radical do seu tempo [Heidegger] submeter-se, ou melhor, dar as boas- vindas, como um decreto do destino, ao veredicto da parte menos sábia e menos moderada da sua nação na sua disposição menos sábia e menos moderada, ao mesmo tempo que falava de sabedoria e moderação. O maior evento de 1933 pareceria, ao contrário, ter provado, se essa prova fosse necessária, que o homem não pode abandonar a questão da boa sociedade, e que não pode libertar-se da responsabilidade de respondê-la submetendo-se à História

verdade” (WEIδ, 1λλθa, p. 31), ̓̔ cas̔ da fil̔s̔fia da história, se trata de uma autê̓tica historiké epistèmè que quer encontrar na história o conhecimento, o entendimento e a sabedoria para o presente.

Em Eric Weil, por último, a “ciê̓cia d̔ se̓tid̔” da história se estrutura a partir da relação entre a filosofia e a história, segundo o que ficou estabelecido no primeiro capítulo. Tal relação fica clara também pela forma idêntica com que Weil descreve o confronto delas com o conhecime̓t̔ cie̓tífic̔, p̔is assim c̔m̔ a fil̔s̔fia, “a história ̓ã̔ é ciê̓ciaν ela é ape̓as cie̓tífica” (WEIδ, 1λλθa, p. 21η). A inspiração kantiana assume um registro próprio, pois antes de pensar o sentido da história, pergunta-se pelas condições de possibilidade do conhecimento histórico, vale dizer, pelas estruturas que no homem enquanto homem permitem que este se pergunte pelo seu passado. Trata-se, concretamente, da retomada da reflexão das questões epistemológicas subjacentes a todo pretenso conhecimento histórico.