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Antes de nos determos no tema específico desta seção, qual seja, a visão dos Estados Unidos sobre a América Latina, é importante elaborarmos algumas considerações sobre a

42 No ano de 1969, em razão de desentendimentos com o governo mexicano, teve de ir para o Chile,

onde teve a companhia de outros intelectuais brasileiros exilados, bem como de outros chilenos e hispano-americanos. Em 11 de setembro de 1973, teve de migrar em razão do golpe de estado no Chile. Voltou para o México, onde seguiu lecionando e pesquisando. No ano de 1979, beneficiado pela lei da anistia, pôde retornar ao Brasil. Em 1987 foi readmitido na UnB.

autorepresentação e acerca do nacionalismo norte-americano. Este exercício será válido para a compreensão do olhar sobre os outros que vivem ao sul, isto é, sobre nós, os(as) latinos(as).

Segundo Fernando Catroga (2005), em ensaio intitulado “EUA – One Nation Under God”, neste país existe uma religião civil43 estabelecida, que auxilia na produção do consenso social. Esta religião civil é composta por um corpo de crenças e símbolos banalizados no viver coletivo: tem profetas, mártires, grandes acontecimentos e lugares de memória. Ela embasa a autorepresentação da América: uma nação que deveria servir de luz para as demais, uma nação modelar – como Deus queria que fosse uma nação.

Desse modo, o nacionalismo norte-americano é baseado na ideia de que seu povo tem um lugar e um papel especial no mundo e na história humana. Nesta sociedade, o presidente da República é visto como uma espécie de “pontífice máximo” e no Capitólio – esta réplica do Vaticano –, encontra-se a sua sede espiritual. Os EUA, inclusive, se proclamam “One Nation Under God”. Na interpretação de Catroga, as características de culto à pátria se manifestam de diferentes formas em todos os Estados-Nação modernos, mas nos EUA elas tem algumas especificidades:

Aqui, a religião civil prolonga uma velha tradição bíblica, que se plasma na sua estruturação, seja para reivindicar mitos de origem, seja para qualificar o manifest destiny do povo americano como “povo eleito”. Boa parte da sua retórica é bebida no Livro (em particular no Antigo Testamento) e tem na sermonaria o seu gênero de oratória por excelência [...]. Indo ao fundo das coisas, pode mesmo sustentar-se que ela põe em ação uma mundividência, pois contém uma arquetípica mitificação das origens (caracterização da América como um novo mundo (a “city up a hill”), iniciador de uma nova ordem do tempo (culto dos Founding Fathers); encerra uma história da salvação, que narra como Deus protege os americanos de seus inimigos; fomenta ritos (discursos, inaugurações, funerais nacionais, etc.) que elegem e promovem os seus santos (Washington, Jefferson, Lincoln, e outros), iconograficamente popularizados como heróis e mártires (em Washington D.C., as suas imagens estarão mais profusamente espalhadas do que as dos santos católicos em Roma); não dispensa, igualmente, um corpus sagrado de textos, cuja hermenêutica vai sendo renovada; enfatiza a dimensão sacrificial do serviço à Pátria (o seu modelo é o martírio de Lincoln, não raro comparado ao de Cristo) e, sobretudo o culto cívico dos mortos, no qual o cemitério de Arlington é o lugar de memória mais importante; sacraliza objetos, sendo o mais cultuado a bandeira nacional, a qual, por sua vez, também se encontra exposta nos altares das Igrejas; invoca um credo maior – a liberdade [...]. E para que tudo isto ganhe sentido e seja mobilizador, ela transporta consigo

43 Conceito apropriado de Rousseau, segundo o qual a religião civil postulava a crença num Deus

transcendente, na imortalidade da alma e no Juízo Final, premissas tidas como necessárias para a sacralização do próprio contrato social.

uma esperança simultaneamente transcendente, secular e histórica – um manifest destiny. (CATROGA, 2005, p.29-30)

Como podemos constatar, todo este discurso passa pela autoimagem da nação como sendo definida pelo progresso, pela liberdade individual e pelo empreendedorismo. A sua história é lida como sendo a expressão de um destino manifesto: ser a grande nação do futuro. Em termos concretos, reivindicava-se o direito de os Estados Unidos ocuparem todo o continente em nome da realização dos valores consignados nos seus textos fundadores.

Para tanto, o conceito de manifest destiny era estratégico. Conforme Catroga, tal noção começou a ser popularizada na década de 1840, pois ela justificava bem a política expansionista contra o México (1846-48), ao mesmo tempo que legitimava a aniquilação ou o controle dos índios, maneira de sacralizar a ofensiva a caminho do Oeste, ou melhor, a construção de uma nação do Atlântico ao Pacífico. E a sua utilização não deixou de ser permanentemente reatualizada. Assim, o autor conclui que, se ela nasceu em uma conjuntura específica, ultrapassou-a, pois condensa alguns dos componentes nucleares da ideologia americana, isto é, a reivindicação da índole excepcional da sua experiência histórica, a exaltação dos valores nacionalistas e o direito ao expansionismo. E tudo isso supõe a existência de um povo eleito para a concretizar, porque superior aos que não receberam aquela graça44. Resta saber como este discurso foi articulado e tornado palatável aos demais países da América. Para tanto, é necessário que acompanhemos as construções em torno da ideia de América Latina nos Estados Unidos, bem como dos significados atribuídos ao pan-americanismo. Veremos que, nesta tarefa, o papel dos intelectuais foi fundamental.

44 Fernando Catroga também articula a ideia de manifest destiny à de frontier, elaborado por Frederick

Jackson Turner e exposto na comunicação que, em 1893, fez à American Historical Association: “E se outros argumentos não pudessem ser invocados para justificar a analogia, relembre-se que Turner o elaborou levando em conta o contributo que a expansão para o Oeste trouxe para a formação do caráter americano […]. Mais do que uma demarcação topográfica ou geográfica, o conceito de frontier refere a existência de uma linha invisível, ‘between savagery and civilization... The American frontier is sharply distinguished from the European frontier – a fortified boundary line running through dense populations. The most significant thing about American frontier is, that it lies at the hither edge of free land.’ Como quem diz: a fronteira ‘is the line of most rapid and effective Americanization’, porque foi ela quem modelou os valores essenciais do caráter nacional americano, a saber: o individualismo, a mobilidade física e social, o espírito de inovação, o ideal de auto- realização, a persistência, o espírito de iniciativa, a atitude preventiva em relação à autoridade, o voluntarismo reflexivo e organizado, a sinceridade, o senso prático e otimista, o self-government, a fé na tecnologia, a crença nos valores rurais. E o acesso à ‘terra livre’ que ela possibilitou, tanto por parte da população americana, como de muitos imigrantes europeus, terá ajudado a implantar o respeito pelos valores individuais e pela democracia.” (CATROGA, 2005, p.68-71)

A pesquisa de Mark Berger (1995) é significativa para compreendermos a conexão entre os estudos latino-americanos na América do Norte45 e a hegemonia dos Estados Unidos na América Latina, com foco principal na crise dos anos 1980 na América Central. O autor busca, nesse sentido, expor a relação direta entre o domínio dos EUA na América Central e os estudos norte-americanos sobre a região. Em suas palavras:

O estudo profissional sobre a América Latina está embutido em uma longa tradição de vê-la através dos olhos norte-americanos. E será argumentado aqui que, devido a esta tradição, a qual repousa em poderosas ideias liberais e tem sido disfarçadas em noções de “objetividade” e comprometimento com discursos científicos e racionais, muitos especialistas em estudos latino- americanos estão, assim como os policy makers estadunidenses, indiferentes à América Latina. No coração desta indiferença repousa uma profunda relação entre conhecimento e poder. Por exemplo, a instabilidade em boa parte da América Central, atualmente e historicamente, decorre de um conjunto de fatores internos e externos; entretanto, isso pode ser, em parte, atribuído à intervenção direta e indireta de Washington ao longo dos anos, bem como ao impacto do capitalismo transnacional e norte-americano na região. Além disso, as crises recorrentes podem ser associadas ao tipo de conhecimento produzido pelos discursos profissionais dominantes, os quais buscam “entender” e objetificar a América Central e as Américas como um todo de um modo que continua a complementar a hegemonia norte-americana e a ordem liberal internacional. (BERGER, 1995, p. 19-20. Tradução nossa.)

O conceito organizador do estudo é a noção de discurso (pensado a partir de Michel Foucault e Edward Said). Berger está interessado naquilo que é silenciado e naquelas histórias que não são noticiadas. A atenção às relações entre poder e conhecimento é fundamental. Desse modo, o autor enfatiza que os estudos latino-americanos, como um conjunto de discursos e práticas profissionais que emergiram na América do Norte durante a primeira metade do século XX, facilitaram a criação e a manutenção de instituições, organizações, relações interestatais e estruturas político-econômicas que reforçam e sustentam a posição hegemônica dos Estados Unidos nas Américas.

Segundo este autor, no discurso dos intelectuais liberais é dada preferência à expressão esferas de influência e de interdependência. Nesta chave de leitura, no início dos anos 1920, os EUA teriam iniciado uma missão para ajudar a modernizar os países atrasados da América Central e do sudeste asiático. Berger, ao contrário, busca analisar o imperialismo estadunidense

45 Segundo Berger, “América do Norte” é por ele pensada como um termo político, socioeconômico e

cultural que engloba primeiramente os Estados Unidos, embora também diga respeito, em menor grau, ao Canadá. Ele o emprega como contraponto à ideia de América Latina.

na América Latina. Neste exercício, justifica o uso do conceito de imperialismo, uma vez que, a partir dos anos 1970, este deixou de ser apenas sinônimo de colonialismo (estabelecimento formal de colônias), mas passa a designar também o controle e exploração formal e informal sobre povos mais fracos por estados-nação industrializados e poderosos.

Para este autor, a própria origem do termo América Latina elucida as relações entre conhecimento e poder, além de mostrar a tendência dos EUA de verem a região de forma unitária. A representação homogeneizadora da América Latina, por seu turno, contribuiu para a conformação de visão exotizante a respeito do subcontinente. Ademais, esta América Latina homogeneizada estaria sempre precisando da proteção e da liderança dos EUA. Um elemento fundante deste discurso é a concepção de história presente nos estudos sobre América Latina desenvolvidos nos EUA: a história é vista como linear e é escrita a partir de uma narrativa ideal, a qual a compreende como uma progressão em direção ao industrialismo democrático. Em um contexto descrito pelo autor como sendo de “comprometimento com a teleologia liberal”, a história é entendida como a ascensão das nações a uma democracia liberal e ao capitalismo industrial. Neste cenário, o desenvolvimento político e econômico norte-americano é o padrão a partir do qual a história do restante do mundo deve ser medida. Esta ideia será desenvolvida no próximo capítulo, quando será analisada a coleção “Pan American Patriots”, publicação da União Pan-Americana.

Neste momento, é importante que nos detenhamos um pouco mais na compreensão da construção histórica do conceito de Latin America nos Estados Unidos. Para tanto, o estudo do cientista político João Feres Jr. (2005) é uma referência indispensável. Nele o autor pesquisa os contornos semânticos do conceito na linguagem acadêmica e na linguagem comum, valendo- se da teoria semântica dos contra-conceitos assimétricos, de Reinhart Koselleck. Segundo o estudioso, a expressão Latin America foi definida como antagônica à imagem da America do Norte gloriosa:

Minha tese principal é a de que Latin America tem sido definida no inglês americano, tanto na linguagem comum quanto nos textos especializados, como o oposto de uma auto-imagem glorificada de America. A título de introdução, demonstrarei essa tese através de um experimento semântico parcimonioso que requer um mínimo de informações históricas. Mais especificamente, tratarei de mostrar que, no inglês usado hoje em dia, há uma assimetria fundamental entre a percepção do Eu coletivo americano e do Outro Latino Americano. (FERES JR., 2005, p. 10)

As referências pejorativas para designar os americanos do centro-sul aparecem em dicionários, jornais e em discursos presidenciais desde o final do século XIX. A Latin America,

nestes discursos, aparece como herdeira de uma série de características consideradas negativas pelos Estados Unidos: religião católica, mestiçagem étnica, tradicionalismo das instituições político-sociais, machismo, acomodação em relação ao trabalho, território sem organização nem ordem.

A produção acadêmica, por sua vez, também colaborou com a divulgação de visões pré- concebidas sobre a Latin America: “dar significado a essa expressão, requer isolar, identificar e avaliar um Outro grupo humano, o que, afinal de contas, é a tarefa precípua dos Latin American Studies.” (FERES JR., 2005, p. 23). Feres Jr. apresenta, nesse sentido, as análises acadêmicas sobre a modernização da Latin America e a literatura da estabilidade política latino- americana, as quais são por ele lidas como promotoras dos interesses da política externa norte- americana durante os anos 1960. Estes acadêmicos colaboraram para justificar, junto à opinião pública dos Estados Unidos, a intervenção e o treinamento dos militares em projetos de coibição do desenvolvimento do comunismo no continente. Segundo o autor, evitar o avanço do comunismo era um meio de garantir a continuidade da influência do capitalismo na região.

A depreciação da Latin America, inclusive, foi superdimensionada, como uma forma de justificar o domínio “natural” dos Estados Unidos na condução do progresso continental. Os livros-textos utilizados nas universidades, por seu turno, também contribuíram com a reprodução de estereótipos negativos sobre a cultura latino-americana. É nesse sentido que Feres Jr. analisa o posicionamento de alguns autores:

Oposição assimétrica temporal, expressa sob forma de não-concomitância, é a primeira coisa que Keen e Wasserman ensinam aos estudantes americanos sobre a Latin America: enquanto os norte-americanos vivem apenas no presente, os Latin Americans vivem o passado no presente. A diferença entre a América do Norte e Latin America é claramente estabelecida em termos de relações diversas com o tempo histórico. Enquanto na América do Norte o passado foi deixado para trás, na Latin America sua forte influência ainda é sentida. Ao descrever a Latin America através da oposição assimétrica temporal, o autor reduz todas as experiências na região a um denominador comum, que é definido externamente como a negação da auto-imagem americana de progresso e inovação contínuos. (FERES Jr., 2005, p. 250-251)

Este olhar estigmatizador e estereotipante era marcado pela desconsideração das histórias nacionais, já que o resultado destes discursos era caracterizar a América Latina pela homogeneidade cultural e racial de seu povo. Esta unidade, por sua vez, se daria pela ligação ao passado e às tradições. Os livros-texto, por exemplo, começam suas obras afirmando que Latin America é complexa e diversa, para depois concluir que, na verdade, forma um conjunto

coerente. Além disso, a agência do processo de sua ocidentalização sempre vinha de fora. O norte construiu sua identificação como americanos, os “legítimos”, enquanto que ao centro-sul coube, ora de maneira imposta, ora endógena, a designação de latino-americanos, os “filhos bastardos”.

Para este analista, a linguagem do desenvolvimento começou no final da década de 1940. Fazia parte desta argumentação a ideia de que a América Latina era um lugar contaminado por patologias culturais marcado por um “handicap” histórico. Espaço caracterizado pela resistência à transformação histórica, exemplo de sociedade tradicional avessa à mudança. O machismo latino era lido como sintoma da baixa inclinação à modernização.

Segundo Feres Jr., não se pode falar em Latin America como conceito científico antes da consolidação dos latin american studies, o que teria ocorrido a partir da Revolução Cubana. Até a Revolução Cubana não havia muito interesse nos países do sul porque se acreditava que o comunismo não era um risco aqui. A pesquisa do autor, contudo, analisa principalmente textos da segunda metade do século XX. Esta tese entende que o fenômeno observado por Feres Jr., isto é, do amplo interesse pelos países ao sul dos Estados Unidos, é anterior à Guerra Fria. Nesse sentido, esta pesquisa se alinha mais às considerações de Ricardo Salvatore (2016).

O historiador argentino apresenta a história dos latin american studies nos Estados Unidos, localizando as raízes da disciplina na primeira metade do século XX46. Para tanto, ele enfoca o trabalho de cinco estudiosos americanos representativos da América do Sul: o historiador Clarence Haring, o geógrafo Isaiah Bowman, o cientista político Leo Rowe, o sociólogo Edward Ross e o arqueólogo Hiram Bingham.

46 O autor é enfático ao propor uma nova datação a respeito dos estudos latino-americanos nos Estados

Unidos: “Ao estudar as trajetórias intelectuais desses acadêmicos, projetos de pesquisa e opiniões de política externa, este livro revisita a questão das origens dos estudos latino-americanos de uma perspectiva diferente: uma compreensão enraizada na constituição mútua do conhecimento regional disciplinar e do esforço dos EUA para ter influência econômica e cultural sobre a América do Sul. Em primeiro lugar, até o momento, a consolidação dos estudos latino-americanos foi erroneamente datada no início dos anos 1960 e entendida como um subproduto da Revolução Cubana. Minha posição é que o aparato intelectual fundamental do campo latino-americano já estava estabelecido antes disso – na verdade, antes da Segunda Guerra Mundial. Em segundo lugar, enfatizo a conexão entre os engajamentos acadêmicos americanos e a política externa dos EUA, argumentando que as motivações para conhecer a América do Sul ‘cientificamente’ eram diplomáticas, econômicas e políticas. O avanço das disciplinas em direção ao conhecimento regional não pode ser separado das discussões sobre o papel dos EUA no hemisfério, o ideal do pan-americanismo e a virada cultural no sistema interamericano implícita na Política da Boa Vizinhança.” (SALVATORE, 2016, p.5. Tradução nossa.)

Ao rastrear o percurso destes homens, Salvatore mostra como os estudos latino- americanos se aliavam aos negócios e à política externa norte-americana. Além disso, demonstra que diplomatas, policy makers, investidores, empresários e o público estadunidense em geral utilizaram o conhecimento que estes e outros acadêmicos reuniram para construir um império benevolente informal que fomentou o crescimento da hegemonia econômica, tecnológica e cultural dos EUA em todo o hemisfério.

Segundo Salvatore, de 1900 a 1945 houve um grande interesse nos Estados Unidos pela América do Sul. Os interessados eram diversos entre si: acadêmicos da área de Humanidades e Ciências Sociais, “prospectores de negócios”, entusiastas pan-americanos, missionários religiosos, viajantes, etc. O autor analisa de modo detido o que ele chama de “engajamentos acadêmicos”, os quais promovem “intervenções disciplinares”: “Disciplinar porque eles estão enraizados em disciplinas científicas; intervenções porque eles perseguiam a hegemonia econômica, tecnológica e cultural dos Estados Unidos na região.” (SALVATORE, 2016, p.1. Tradução nossa.)

O livro de Salvatore é bastante detalhado quanto aos intelectuais por ele estudados. É interessante para esta parte desta pesquisa as considerações do autor sobre o historiador Clarence Haring. Antes de viajar para a América do Sul, ele acreditava que a partir da mecânica do comércio, dos investimentos, e das finanças, era possível encontrar as respostas para a expansão de um “Império benevolente”. Após suas viagens (nos anos de 1925-26), contudo, fica evidente para ele que os formadores de opinião pública naquela região – intelectuais, políticos, a mídia impressa, o rádio – difundiam sentimentos “anti-americanos”. Ele constata, então, que os Estados Unidos estavam confrontando um problema de má imagem na América do Sul, não por causa de desinformação e sugestões introduzidas pelos comerciantes europeus, mas por causa do surgimento de um movimento anti-imperialista nas repúblicas do sul. Até mesmo a imprensa tradicional publicava artigos críticos aos Estados Unidos: sobre as intervenções dos EUA no Caribe, em relação ao aumento da taxa de divórcio, e acerca dos linchamentos promovidos pela Ku Klux Klan.

Nesse sentido, Haring foi, possivelmente, um dos primeiros estudiosos norte- americanos a nomear os intelectuais latino-americanos que minaram o prestígio dos Estados Unidos: José Ingenieros, Rufino Blanco Fombona, Carlos Mariátegui, Manuel Ugarte, José Vasconcelos e José L. Suárez. Desse modo, nota-se que, vinte anos após a publicação do Ariel de José Enrique Rodó (1900), um texto canônico de anti-americanismo, os intelectuais sul-

americanos estavam unindo-se em defesa da cultura latino-americana, da hispanidad e do antiamericanismo.

Tudo isso reafirmou a crença de Haring de que novas pesquisas combinando história e política, opinião e penetração econômica, seriam muito benéficas para o campo das relações