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A participação das mulheres latino-americanas na Conferência Auxiliar de

3.2 As mulheres e o Pan-americanismo

3.2.2 A participação das mulheres latino-americanas na Conferência Auxiliar de

Após apresentar os resumos de alguns trabalhos apresentados em cada seção, o “Informe” que está sendo aqui analisado faz um balanço das discussões desenvolvidas naquele momento. Ao final das primeiras seções, destaca-se o entusiasmo gerado pelos temas ligados à atuação da mulher nos assuntos interamericanos. Tal interesse e entusiasmo levou à nomeação de uma comissão para preparar a organização de um grande congresso pan-americano feminino para discutir os problemas ligados à mulher “na Pan América”. A comissão seria composta pelas seguintes senhoras: Mrs. Robert Lansing, Sra. De Suárez Mujica, Mrs. David F. Houston, Mrs. Albion Fellows Bacon, Sra. Blanche Z. de Baralt, Mrs. Jennie Berliner, Mrs. Philander P. Claxton, Mrs. Charles R. Crane, Miss Kate Fowler, Sra. Flora de Oliveira Lima, Sra. Ernestina A. López de Nelson, Mrs. Percy V. Pennybacker, Sra. Carmem Torres Calderon de Pinillos, Mrs. Louis F. Post, Mrs. William Cumming Story e Mrs. Glen Levin Swiggett.

Como podemos ver, nesta lista consta o nome de Flora Cavalcanti de Oliveira Lima, esposa do diplomata brasileiro, Manuel de Oliveira Lima. Outras duas brasileiras que acompanharam as conferências foram Ruth Siqueria Campos113 e Vitalina Brazil114. No que

113 Não foram encontrados os dados biográficos desta participante.

114 Filha do cientista Vital Brazil (1865-1950), um dos fundadores do Instituto Butantan e fundador do

Instituto Vital Brazil. Segundo Sylvio Lago, ela “foi um dos mais extraordinários talentos não plenamente realizados por múltiplas circunstâncias e vicissitudes de sua vida.” (LAGO, 2007, p. 360). Sobre sua biografia, Lael Brazil afirma: “Vitalina Vital Brazil, nascida em S. Paulo, em 1 de maio de 1894, faleceu solteira no Rio de Janeiro em 10 de abril de 1983. Ainda menina começou seus estudos de piano em S. Paulo. Em 1912, viajou à Europa para complementar seus estudos, mas teve seu curso interrompido e regressou ao Brasil pelo falecimento de sua mãe em 1913. Após alguns anos em que se dedicou aos irmãos menores, voltou à Europa, onde viveu e estudou com os melhores professores e artistas de renome, só regressando em 1942 da Itália, quando da entrada do Brasil na

toca a esta iniciativa e também sobre o papel das latino-americanas na Conferência, são interessantes as considerações de Francesca Miller (1986).

Esta historiadora norte-americana, em texto intitulado “As relações internacionais das mulheres das Americas (1890-1928)” argumenta que as mulheres têm uma história diplomática, mas que foram esquecidas nas relações internacionais. A análise do sistema Pan-americano é uma oportunidade de reavaliar esta obliteração. Nesse sentido, a autora afirma que há, ainda, outro esquecimento: o das mulheres latino-americanas. Sua investigação parte do seguinte problema: o que levou à criação da Comissão Interamericana de Mulheres (1928)?

Para responder esta questão, ela considera central o tema dos Congressos Científicos realizados entre 1898 e 1916, que forneceram o fórum por meio do qual as mulheres passaram a trabalhar por questões pertinentes à condição feminina no âmbito do sistema Pan-americano. O tema que uniu as mulheres dos diferentes países foi a falta de acesso à educação. Dessa forma: “Na perspectiva das Relações Internacionais das mulheres das Américas, a importância dos Congressos Científicos reside na tradição da participação feminina nas reuniões interamericanas e no papel de liderança assumido pelas latino-americanas.” (MILLER, 1986, p. 174. Tradução nossa.).

Para além das estadunidenses, a maioria das mulheres participantes destes Congressos vinha da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai. Para a autora, isso era sintoma da progressiva profissionalização delas nestes países. Ela explica tal protagonismo ao historicizar a organização da Conferência Auxiliar de Senhoras:

Nos meses anteriores à reunião, Eleanor Foster Lansing, filha do distinto diplomata e ex-secretário de Estado John W. Foster, e esposa do Secretário de Estado Robert Lansing (cujo biógrafo escreveu que “sua vida teria sido passada em práticas locais se não fosse por seu casamento”), encontrou-se com mulheres da comunidade latino-americana, entre as quais estavam Flora de Oliveira Lima, esposa do ministro brasileiro em Washington, Amanda Labarca, uma educadora chilena que tinha participado do Congresso de Santiago em 1909, e Mme. Charles Dubé, esposa do ministro haitiano, e estabeleceu planos para a “Primeira Conferência Auxiliar Pan-Americana de Mulheres”. O envolvimento prévio das mulheres latino-americanas nos congressos deu legitimidade ao projeto. E. B. Swiggett, esposa do Diretor do Congresso Científico de Washington e secretária da Conferência Auxiliar reconheceu que “a Conferência recebeu muita inspiração e encorajamento com o interesse e participação das mulheres latino-americanas nos Congressos anteriores.’ (MILLER, 1986, p.175. Tradução nossa.)

segunda grande guerra. Pianista exímia, intérprete de renome, apresentou-se inúmeras vezes no Brasil e no exterior, alcançando grande sucesso.” (BRAZIL, 2011, p.38)

Para a autora, o resultado mais importante deste evento foi a decisão, aprovada pelo voto de mais de trezentas mulheres, de iniciar a organização de uma União Pan-Americana de mulheres. Este teria sido o primeiro passo para a criação da Comissão Interamericana de mulheres. Após o encontro de 1915-16, no ano de 1922, a cidade de Baltimore sediou a Conferência Pan-Americana de Mulheres – que contou com a participação do Secretário de Estado dos EUA e com a presença de Leo S. Rowe, da UPA. Este grupo de mulheres de diferentes países reivindicava a participação de delegadas nas Conferências Pan-Americanas, mas sem sucesso. No ano de 1928, contudo, na Conferência de Havana, elas se fizeram presentes, mesmo sem representação oficial115. No final da Conferência, estas delegadas não oficiais apresentaram o “Pacto por Direitos Iguais” para a consideração dos governos do hemisfério, defendendo a criação de um órgão oficial, a Comissão Interamericana de Mulheres, que deveria investigar a situação das mulheres nos vinte e um estados-membros. A proposta foi aprovada. A Conferência analisada aqui foi, na leitura de Francesca Miller, um dos passos iniciais para a consolidação da organização das mulheres de forma hemisférica.

A Conferência Auxiliar de Senhoras, portanto, pode ser lida de duas diferentes formas: enquanto fórum para expressar a luta pelos direitos das mulheres das Américas e como sintoma e estímulo ao pan-americanismo. Elas compreenderam que, para a promoção do pan- americanismo – que era uma aspiração principalmente do governo norte-americano, mas que recebeu o apoio de outros países das Américas – sua participação era essencial. Desse modo, a adesão ao discurso pan-americano, que, como estamos vendo, esteve fortemente marcado pelas noções de progresso e desenvolvimento, era uma oportunidade de mostrar o valor da participação feminina e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para reivindicar a melhoria das condições de vida das mulheres em uma perspectiva transnacional.

O discurso de encerramento da Conferência Auxiliar de Senhoras, intitulado “Rumo ao Internacionalismo”, é um exemplo disso. Sua autora foi Jane Addams, uma das fundadoras da Women’s International League for Peace and Freedom (WILPF). Segundo ela, a Conferência teria um grande significado no sentido de estabelecer “o mais comovente gênero de internacionalismo”. Além disso, destaca que, desde tempos imemoriais, o acordo entre os povos

115 Segundo Miller (1986), lá estavam representantes do Consejo Feminista Mexicano, da Women’s

International League for Peace and Freedom, da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, do National Woman’s Party dos Estados Unidos, da Ligue Feminine Haitien, do Clube de Madres de Buenos Aires e de diversos outros grupos. Elas foram recebidas pela Alianza Feminino de Cuba, bem como por mulheres residentes em Havana.

vinha sendo gerado, em grande parte, pela ação da mulher. Este seria, portanto, um dever excepcional das mulheres de seu tempo, as quais deveriam colaborar para a constituição de um internacionalismo mais humano, tão necessário em tempos de guerra. O caminho para este internacionalismo era, para estas conferencistas, o pan-americanismo.

Observando a história retrospectivamente a partir da posição confortável do presente, sabemos que a convocatória pacifista de Addams não surtiu muito efeito entre as diferentes nações do globo. Importa, nesta parte desta pesquisa, destacar a presença relevante que tiveram as mulheres – no caso aqui as estadunidenses e as latinas – nos debates relacionados ao pan- americanismo. Compreender a diversidade de vozes que fizeram coro a fim de promover tal ideário é significativo para analisarmos como e por que ele teve impacto nas representações da história do Brasil desenvolvidas a partir do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Este será o propósito dos próximos capítulos desta tese.

Tabela 2: A presença das mulheres nos Congressos Científicos116

Nome do Congresso e cidade Nº de Estudos Apresentados Nº geral de participantes por Congresso Nº de mulheres participantes

Nome e localidade das mulheres participantes Primeiro Congresso Científico Latino- americano (1898) Buenos Aires

121 552 5 Escalada P. Castro, médica, Buenos

Aires; Petrona Eyle, médica, Buenos Aires; Cecília Grierson, médica, Buenos

Aires; Mary O. Graham, educadora, La Plata; Virginia Moreno, educadora, La

Plata Segundo Congresso Científico Latino- americano (1901) Montevideo

202 839 Não consta Não consta

Terceiro Congresso Científico Latino- americano (1905)

120 863 10 Elena González A de Correa Morales,

Buenos Aires, Argentina; Amellia de Freitas Bevilacqua, Pernambuco, Brasil;

Condessa de Infreville, Rio de Janeiro, Brasil; Ester Pereira de Melo (inspetora

116 Dados retirados do subitem “O papel desempenhado pela mulher nos Congressos Científicos”

Rio de Janeiro de escolas), Rio de Janeiro, Brasil; Lavinia do Rego Leite de Oliveira, Rio

de Janeiro, Brasil; Ignez Sabino Pinho Maia, Rio de Janeiro, Brasil; Thomazia de Siqueira Queiroz e Vasconcellos, Rio

de Janeiro, Brasil; Constança Barbosa Rodrigues, Rio de Janeiro, Brasil; Maria

Manrupe, Montevideo, Uruguai; Anatolia Manrupe, Montevideo,

Uruguai.117 Quarto Congresso Científico Latino- americano (Primeiro Congresso Científico Pan- americano) (1908- 1909) Santiago do Chile

450 2.238 81 Petrona Eyle, médica, Argentina;

Amelia de Freitas Bevilacqua, Brasil; Elvira García García, professora de

instrução secundária, Peru; Cecília Grierson, Argentina; Dora Keen, EUA; Paulina Luisi, Uruguai; Adela Palacios,

professora, México; Adela A. De D’Amorin, Chile; Emilia Augier de Blanco, professora, Chile; Mercedes B.

de Turenne, professora, Chile; Marta Bargmann, professora, Chile; Virginia

Beltrami, professora, Chile; Amelia Catalán, professora, Chile; Corina Concha, professora, Chile; Eloisa R. Diaz, médica, Chile; Maria Duheke, professora, Chile; Adela Edwards Salas,

Chile; Margarita Escobedo Guzmán, professora, Chile; Inés Ewing B., professora, Chile; Ester Hurtado, Chile;

Ana Johnson, Chile; Guillermina Von Kalchberg de Froemel, professora, Chile; María Krestschmann de E., Chile;

Amanda Labarca, professora, Chile; Isabel Le-Brun de Pinochet, professora,

Chile; Elena López, professora, Chile; Luisa Lynch de Gormaz, Chile;

Leopoldina Malusschka de T., professora, Chile; Mercedes Mardones, professora, Chile; Rosa Padlina, Chile;

Ercilia Pérez D., Chile; Eurídice Pinochet Le-Brun, professora, Chile; Teresa R. de Andrade, Chile; Filomena

117 Sobre a participação feminina no Terceiro Congresso, somos informados de que “A senhora

Constança Barbosa Rodrigues, esposa e colaboradora do diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi honrada com a distinção de presidenta honorária do Congresso [...].” (SWIGGETT, 1916, p. 7).

Ramírez B., professora, Chile; Laura Ruitenbach Hogewoming, Chile; Ana

Swinburn de Jordan, Chile; Matilde Troupp, advogada, Chile; Adriana Valdivia, professora, Chile; Laura Vargas Ravanal, professora, Chile;

Brígida Walker, professora, Chile; María Wiegle de J., inspetora de escolas,

Chile; Laura Zagal, Chile; Leonilda Águila, professora, Chile; Eloisa Alarcón, professora, Chile; Carmen Andrade de Mancilla, diretora, Escola

Superior para Mulheres, Chile; Ana Araya, professora, Chile; Aurora M. Argomedo, professora, Chile; Genoveva

Astorga, professora, Chile; Andalicia Avila Pinochet, professora, Chile; Carolina Bahamondes, professora, Chile; Mercedes Barrera, Chile; Isabel

Bongard, professora, Chile; Teresa Cañedo de Chasse, professora, Chile;

Rafaela Casas-Cordero, professora, Chile; María Luisa Daniel, professora, Chile; María Luisa Délano, professora,

Chile; María Espíndola de Muñoz, professora, Chile; María F. de McDougall, professora, Chile; Verónica F. de Ortiz, professora, Chile; Emilia F. de Rider, professora, Chile; Amelia G. de Guajardo, Chile; Virginia Gutiérrez, professora, Chile; Mercedes Hinojosa

Flores, professora, Chile; Ernestina Houmand de E., professora, Chile; Ana Krusche, professora, Chile; Juana M. de Aliaga, professora, Chile; Amelia Mella

de Soto, professora, Chile; Etelvina Navarrete Elizondo, professora, Chile; Milagro Neira, professora, Chile; María

Luisa Nuñez, professora, Chile; Margarita Orellana, professora, Chile;

María Luisa R. de Ereña, professora, Chile; Sara Luisa Rojas, professora, Chile; Lastenia Sepúlveda, professora,

Chile; María Luisa Silva Donoso, professora, Chile; Rosa H. Titus, professora, Chile; Corina Urbina, professora, Chile; Amalia Uribe, Chile;

Herminia Urzúa, professora, Chile; Josefina Valenzuela, professora, Chile; Victoria Vilches de Guzmán, professora,

Chile. *118 *119 Segundo Congresso Científico Pan- Americano (1915- 1916) Washington D.C.

868 2.566 33 Sarah Louise Arnold (presidenta da

subseção 4), EUA; Florence Bascom, EUA; Marion Berger, EUA; Sophonisba

Breckinridge, EUA; Cornelia M. Clapp, professora, EUA; Mabel Colcord, EUA; Frances M. Densmore, EUA; Alice C. Fletcher, EUA; Margaret Galharrett, El

Salvador; Susan M. Kingsbury, professora, EUA; Julia C. Lathrop, EUA; Louise Sherwood McDowell, professora, EUA; Mrs. W.F. Mcknight, EUA; Graciela Mandujano, Chile; Mrs. George A. Miller, EUA; Ernestina A. López de Nelson, Argentina; Mrs. Percy

V. Pennybacker, EUA; Jeanne Puch, El Salvador; Elizabeth Duncan Putnam; Dr.

Helen Putnam; Mrs. Jewett Ricker, EUA; Mrs. Charles Cary Rumsey, EUA;

Margaret Schallenberger, EUA; Mary Sherwood, EUA; Maud Slye, EUA; Mrs. Samuel B. Sneath, EUA; Helen L.

Sumner, EUA; Mrs. William Oxley Thompson, EUA; Abby H. Turner; Martha Van Rensselaer, professora, EUA; Lucy Wheelock, EUA; Laura A. White, professora, EUA; Mary Schenck

Woolman, EUA;

118 Sobre a colaboração das mulheres no quarto Congresso, o professor da Universidade de Columbia,

W.R. Shepherd, delegado oficial dos Estados Unidos no Congresso, afirma: “As professoras constituíam uma grande parte da audiência das reuniões celebradas para a discussão de matérias educativas *** Deve dizer-se a verdade que expressavam suas ideias, assim como suas diferenças de opinião em relação aos educadores do outro sexo, com tal liberdade e franqueza que surpreenderia a todo aquele que imaginasse que ainda não chegou na América Latina o eco do movimento feminista.” (SWIGGETT, 1916, p. 9. Tradução nossa.).

4 O BRASIL NA AMÉRICA: REPÚBLICA E PAN-AMERICANISMO NO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

Este capítulo está dividido em quatro seções gerais, subdivididas internamente. Na primeira delas, serão apresentadas três figuras ligadas ao IHGB que tiveram papel importante na promoção do pan-americanismo: Rio Branco, Joaquim Nabuco e Oliveira Lima. Na segunda seção, será analisado o livro “Compêndio de História da América”, de Francisco da Rocha Pombo, escrito em 1898 e publicado em 1900. Na terceira seção, será apresentado o estudo intitulado “O pan-americanismo”, de Arthur Orlando (1906). Na última seção, por fim, será feito um exame da atuação de Oliveira Lima e sua esposa, Flora de Oliveira Lima, junto à União Pan-Americana. O objetivo central deste capítulo é evidenciar, a partir da abordagem das fontes selecionadas, o movimento crescente de atenção à história da América, sendo a história do Brasil encarada como parte deste contexto mais amplo, e também apontar a existência de debates e disputas em torno da ideia de pan-americanismo no interior do IHGB.