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A ignorância socrática

No documento Benson, Hugh h. Platão (páginas 163-186)

GARETH B. MATTHEWS

Segundo o quadro que temos de

Sócrates com base nos primeiros diálogos platônicos, ele acreditava que reconhecer um tipo de ignorância1 em si mesmo era uma

forma de sabedoria, na verdade uma forma de sabedoria que pessoas inteligentes em outros campos pareciam não ter. Porém, que tipo de ignorância? E que tipo de sabedoria? Como prova tão eloquente o considerável comentário sobre a ignorância socrática, não é fácil ter clareza sobre

1. o que exatamente Sócrates

pensava que não sabia que, como ele diz, outras pessoas em seu

entorno pensavam

enganosamente que sabiam. E igualmente difícil ter clareza acerca de

2. por que Sócrates pensava que reconhecer em si mesmo é de fato uma forma de sabedoria.

É meu objetivo no que segue ganhar um pouco de clareza acerca destes dois pontos.

Segundo a Apologia de Platão,

Sócrates passou a considerar a sabedoria de reconhecer sua própria ignorância em resposta a uma asserção do oráculo no Templo de Apoio em Delfos. De acordo com o oráculo, ninguém era mais sábio do que Sócrates (Ap. 21a). Quando

Sócrates escutou de seu amigo

Querefonte o que o oráculo tinha dito, pôs-se, nos diz, a determinar se o que disse o oráculo poderia ser verdadeiro. Seu modo de determinar se poderia ser verdadeiro consistia em questionar atenienses considerados por seus concidadãos como sábios. Ele tentaria descobrir se estas pessoas de fato sabiam coisas que ele próprio não sabia.

Sócrates começou sua investigação, nos diz ele, fazendo questões a uma figura pública considerada por outros – e, acrescenta Sócrates, secretamente pela própria pessoa – como sábia.

Sócrates rapidamente viu, diz ele, que este homem de fato não era nada sábio. Ele até tentou, sem sucesso, convencer esta pessoa que ela não era sábia. Como se poderia prever, estes esforços só fizeram com que o homem perdesse o apreço por

Sócrates. Assim, Sócrates encerrou este encontro e fiz o seguinte bem

Hugh H. Benson 164 de 711 conhecido julgamento:

Tl. Eu sou mais sábio do que este homem; é provável que nenhum de nós saiba algo que tenha valor, mas ele pensa que sabe algo, quando nada sabe, ao passo que eu não sei nem penso que sei; assim, é provável que eu seja mais sábio nesta pequena medida, que eu não penso que eu sei o que não sei. (Ap. 21d3-7).

Sócrates, como continua a nos relatar, não terminou sua investigação com este primeiro homem reputado como sábio, mas foi pôr em exame outras pessoas também. Ele pôs em exame políticos, poetas, trágicos e, por fim, artesãos. Descobriu, diz ele, que “os que tinha a maior reputação eram os mais deficientes, ao passo que os que eram considerados inferiores tinham [na verdade] muito mais conhecimento” (Ap. 22a3-6).

A MISSÃO DIVINA

Convém manter em mente aqui que

Sócrates não concebe o processo de exame que iniciou como uma competição entre ele e os outros atenienses para ver quem ganharia as honras da sabedoria. Ao invés disso, ele o pensa como a realização de uma missão divina:

T2. Assim, continuo até hoje esta in- vestigação que o deus me impôs – e me ponho a procurar alguém, cidadão de Atenas ou estrangeiro, que eu pense ser sábio. Então, se penso que ele não é sábio, peço ajuda ao deus e mostro a esta pessoa que ela não é sábia. (Ap. 23b4-7).

Deste modo, isto que Sócrates e os que ele questiona não sabem quando malogram em saber algo “que tenha valor” é, como ele supõe, algo que o deus pensa ser importante que eles se deem conta que não sabem. E é algo que o fracasso em se dar conta que não se tem conhecimento disso revela que não se é, por esta razão, sábio.

Há indicações tentadoras sobre o que vem a ser conhecer algo “que tenha valor”. Mas elas não são suficientes por elas próprias para nos dar uma concepção bem clara do que

Sócrates entenderia por um conhecimento “que tenha valor”.

Neste ponto, conviria chamar a atenção para a expressão que o tradutor de Tl, M. A. Grube, rendeu como “que tenha valor”, kalon k’agathon. Suspeito que, pelo menos neste contexto, “que tenha valor” é uma subtradução desta expressão. O primeiro termo da expressão, kalon,

Hugh H. Benson 165 de 711 significa “nobre”, “belo” ou, mais

geralmente, “bom” <fine>. E a segunda palavra é uma junção da palavra para “e” com a palavra para “bom” <good>. Platão usa costumeiramente a expressão inteira, especialmente no masculino, para uma pessoa que é nobre e boa, mas idealmente para alguém belo e bom (veja, por exemplo, Ly. 207a2-3), onde a mensagem parece ser que a nobreza de caráter é também beleza de caráter, bem como beleza da pessoa (ver o capítulo Eros e Amizade em

Platão). Em seus diálogos, Platão

frequentemente conecta o belo com o bom (ver, por exemplo, Smp. 201cl-2). Assim, sua justificação, na República, para incluir a música e a poesia no currículo dos futuros guardiães é que aprender a apreciar a beleza na arte e na natureza é uma parte essencial da educação moral.2 Então, talvez

devamos entender a tese em Tl como a seguinte:

(A) Sócrates alega que não sabe nada que é belo e bom.

Contudo, (A) não nos leva muito adiante no esforço de determinar o que é que Sócrates insiste que não sabe. O que Sócrates consideraria como um caso de conhecimento de algo belo e bom?

CONHECENDO ALGO BELO E BOM Talvez o modo mais promissor para abordar esta questão seja considerar quais questões Sócrates perguntava aos outros atenienses quando tentava determinar se eles sabiam algo que ele alegava não saber. Temos uma boa ideia do que eram estas questões. Pelo menos, se pudermos aceitar que os primeiros diálogos platônicos são um retrato razoavelmente fiel das pessoas que

Sócrates interrogava e uma boa representação do tipo de questões que ele lhes fazia. O que Sócrates

pergunta aos seus interlocutores nos primeiros diálogos são questões como estas: “o que é a piedade?”, “o que é a coragem?, “o que é a amizade?”, “o que é a beleza?”, “o que é a justiça?” e “o que é a temperança?”. E o que Platão

apresenta Sócrates como não sabendo nestes diálogos “de definição” é como responder a estas questões do tipo “o que é F-dade?” de um modo satisfatório, em que uma resposta satisfatória aparentemente deve fornecer de modo informativo condições necessárias e suficientes para x ser F (ver o capítulo Definições Platônicas e Formas).

Hugh H. Benson 166 de 711 o que é a piedade. Sócrates não pensa

saber ele próprio. Uma coisa que o diálogo Eutifro toma claro é que

Eutifro de fato não sabe o que a piedade é, não mais do que Sócrates. Isto é, Eutifro não pode oferecer de modo informativo condições satisfatórias para que uma ação ou uma pessoa possa contar como sendo pia. Estou acrescentando a cláusula que a resposta deve ser informativa porque Sócrates diz isto:

T3. Diga-me, então, o que é esta forma em si mesma, de modo que possa olhar para ela e, usando-a como um modelo [molde ou padrão, paradeigmá], dizer que toda ação sua ou de outra pessoa que for deste tipo é pia e, se não for, não é pia. (Euthphr. 6e3-6)

Para compreender o que está sendo introduzido pelo requerimento expresso em T3, considere o que ocorreria se alguém respondesse a

Sócrates dizendo:

1. Piedade é o que todas e somente as ações pias necessariamente têm em comum

Ou dizendo:

2. Piedade é o que justamente torna pias as coisas pias.

Em ambos os casos, algo que

Sócrates aceita como verdadeiro teria sido dito. Porém, não se teria identificado a forma da piedade de modo que se a pudesse usar para determinar quais coisas são pias e quais coisas não o são, como estipula T3. O “modelo” ou “padrão” que T3 requer deve ser algo que tome aparente os critérios para que uma ação ou pessoa conte como pias. E nem

(1) nem (2) teriam um uso para determinar quais ações são pias e quais não são. Assim, não podem ser exemplos do que Sócrates está procurando e ainda não encontrou. O que ele quer é algo que possa servir como um “molde interno” para pôr os candidatos a ações e pessoas pias para ver se elas se qualificam como sendo pias.

No diálogo Carmides, Sócrates

pergunta o que é sôphrosunê (“temperança” ou “prudência”). Mais adiante no diálogo, Crítias propõe o “autoconhecimento” como sua resposta à questão “o que é sôphrosunê?”. Ele desafia Sócrates: “quero agora dar uma explicação desta definição, a menos, é claro, que você já esteja de acordo que a temperança seja conhecer a si

Hugh H. Benson 167 de 711 mesmo” (165b). Sócrates replica:

T4. Mas Crítias... você me feia como se eu declarasse conhecer as respostas às minhas próprias questões e como se pudesse concordar com você se realmente assim o desejasse. Não é isso – antes, por causa de minha ignorância, estou continuamente investigando em sua companhia o que for proposto. Todavia, se eu refletir sobre isso, estarei pronto a dizer se concordo ou não. Espere somente que eu reflita. (165b4-c2)

No diálogo, Sócrates deixa claro que não pensa que saiba como responder satisfatoriamente à questão “o que é a sôphrosunê?”. Contudo, e isto é um ponto interessante que temos de ter em mente, ele se apronta a dizer se concorda ou não com a sugestão de

Crítias, isto é, se pensa que se trata de uma explicação satisfatória do que a sôphrosunê é, assim que tiver tido a oportunidade para penar sobre isso.

Um pouco mais adiante no mesmo diálogo, Sócrates liga a busca pelo que é a temperança à sua decisão de não pensar que sabe o que ele não sabe. Novamente ele está se dirigindo a seu interlocutor Crítias:

T5. Ah sim!... como você pode pensar que, ainda que eu refute tudo o que

você diz, estaria fazendo isso por algu- ma razão outra que a que daria para uma investigação completa de minhas próprias afirmações – o medo de pen- sar inconscientemente que eu sei algo quando eu não sei. E é isso que preten- do estar fazendo agora, examinando o argumento primariamente para mim mesmo, mas talvez também para meus amigos. (166c7-d4)

Minha sugestão é que saber o que é a piedade ou a temperança, no sentido de ser capaz de dar de modo informativo condições necessárias e suficientes para que um ato ou pessoa conte como sendo pia ou temperante, seria, de acordo com Sócrates, conhecer algo belo e bom. Se esta resposta estiver na direção correta, então as diferentes peças da história do oráculo passam a se ajustar bem umas com as outras.

A história da filosofia subsequente mostrou como é irritantemente difícil chegar a uma análise satisfatória de qualquer conceito filosoficamente interessante. Entre os conceitos filosoficamente interessantes incluímos os éticos, como bravura, virtude, piedade e temperança, todos nos quais Sócrates estava interessado. Porém, devemos também incluir noções metafísicas,

Hugh H. Benson 168 de 711 como causa, tempo e número, para os

quais filósofos posteriores tentaram encontrar, com grande engenho e de modo informativo, condições necessárias e suficientes, bem como conceitos epistemológicos, como verdade e o próprio conhecimento. Ora, nenhum de seus esforços foi aceito universalmente. Não devemos, portanto, nos surpreender que os cidadãos atenienses que Sócrates

questiona não eram capazes de dar, de modo informativo, as condições necessárias e suficientes para que uma ação contasse como corajosa, pia ou justa. Por outro lado, não devemos nos surpreender tampouco de encontrar Sócrates pensando que ser capaz de fornecer satisfatoriamente explicações deste tipo para os conceitos morais em particular seja tão importante para a vida moral que nossa incapacidade de fornecer tais condições é uma ignorância fatal. Até mesmo reconhecer que não se é capaz de fornecer tais explicações para a virtude e para as virtudes individuais, como coragem e piedade, poderia contar como uma forma de sabedoria. E seria plausível supor que “o deus” tenha dado a Sócrates a missão de gerar esta sabedoria nos outros.

Neste ponto, uma questão muito importante surge. Se Sócrates não sabe o que a piedade é, a coragem ou a temperança, pelo menos não no sentido forte de ser capaz de dar de modo informativo um conjunto satisfatório de condições necessárias e suficientes para que uma pessoa ou uma ação conte como pia, corajosa ou temperante, como pode ele saber que tal pessoa ou tal ação é pia, corajosa ou temperante?

PRIORIDADE DO CONHECIMENTO DEFINICIONAL

O próprio Sócrates se põe esta questão em vários diálogos, inclusive no Hípias Maior, onde a questão em discussão é “o que é to kalon.7” (isto é, “o que é o belo, o bom ou o nobre?”). Eis aqui parte da fala final de Sócrates a Hípias:

T6. Se eu mostrar a vocês, homens sábios, o quão sem saída [isto é, quão perplexo] estou, fico enlameado por suas falas quando o mostro. Vocês todos disseram o que você acabou de dizer, que estou perdendo tempo com coisas que são triviais, pequenas e sem valor. Mas quando sou convencido por vocês e digo o que vocês dizem, que a coisa mais excelente é ser capaz de apresentar um discurso bem e belamente e resolver as coisas em um tribunal ou em uma reunião, escuto

Hugh H. Benson 169 de 711 todos os insultos daquele homem

(entre outros aqui em volta) que sempre me refutou. Ele é um parente próximo meu e mora na mesma casa. Assim, quando volto para casa, para meu lugar, e ele me escuta dizer essas coisas, ele me pergunta se não estou envergonhado de ousar discutir coisas belas quando fui tão claramente refu- tado acerca do belo, e é claro que não tenho a mínima ideia do que é aquilo em si mesmo! “Olha”, ele dirá, “como você saberá qual fala ou uma outra ação está belamente apresentada, quando você ignora o que é o belo? E, quando você está em tal estado, você acha que é melhor para você viver do que morrer?” (302cl-e3)

Muitos comentadores pensam que esta fala e outras similares compromete Sócrates com o que Hugh Benson chama “a prioridade do conhecimento definicional”. Benson formula parte do Princípio de Prioridade do Conhecimento Definicional do seguinte modo: (P) Se A não sabe o que é F-dade, então A não sabe, para um dado x, que x é F. (Benson, 2000, p. 113).

De acordo com (P), se Sócrates

não sabe o que é to kalon (isto e, o que é o bom, o belo e o nobre), no sentido de não ser capaz de dar, de modo informativo, as condições necessárias e suficientes para que

algo ou alguém seja kalon, então

Sócrates não sabe se uma fala qualquer (por exemplo) é boa (bela ou nobre).

Benson e outros comentadores pensam que a Prioridade do Conhecimento Definicional vai mesmo além de (P). Eles pensam que inclui o que Benson formula do seguinte modo:

(D) Se A não sabe o que é F-dade, então A não sabe, para um dado G, que F-dade é G. (Benson, 2000, p. 113).

De acordo com (D), se Sócrates

não sabe o que é “o bom”, no sentido, de novo, de não ser capaz de prover de modo informativo as condições necessárias e suficientes para que algo ou alguém seja bom, então

Sócrates nem mesmo sabe se a bon- dade é uma virtude ou uma boa coisa a possuir.

Sobre a questão se Sócrates se compromete com (D) em particular, vale a penar observar como termina a fala final do Hípias Maior. Eis aqui o que vem imediatamente após T6 e conclui o diálogo (Sócrates está falando):

Hugh H. Benson 170 de 711 T7. É o que ganho, como disse. Insultos

e reprovações da parte de vocês; in- sultos da parte dele. Mas suponho que seja necessário suportar tudo isso. Não seria estranho caso seja bom para mim. Eu penso de fato, Hípias, que me ter associado a vocês dois me fez um bem. O provérbio diz: “o que é belo é difícil” – penso que eu sei isso. (304e3- 9)

Em uma leitura natural e, penso, correta de T7, Sócrates diz aqui que ele pensa que sabe que o que é belo é difícil (mais literalmente: que “coisas nobres são difíceis” – chalepa ta kalá). Assim, ele pensa que sabe algo sobre o bom ou o nobre, no caso, que coisas boas ou nobres são difíceis. Porém, se ele de fato sabe isso, ele rejeita (D). Já esta passagem deve fazer-nos hesitar em atribuir

(D)para Sócrates.

Na verdade, há outras passagens que devem nos fazer duvidar que

Sócrates esteja comprometido com (P) ou (D), e mais ainda com a conjunção de (P) e (D). Considere a seguinte passagem da Apologia:

T8. Por certo é a mais censurável igno- rância crer que se sabe o que não se sabe. É talvez neste ponto e a este respeito, cidadãos, que sou diferente da maioria dos homens e, se fosse reivindicar ser mais sábio do que

qualquer um em algo, seria nisto, que, como não tenho conhecimento adequado das coisas no mundo inferior, então eu não penso que tenha. Porém, eu bem sei que é errado e vergonhoso fazer o mal, desobedecer a seus superiores, seja ele deus ou homem. (29bl-7)

Esta passagem inclui uma alegação qualificada de ignorância (“não tenho conhecimento adequado das coisas no mundo inferior”), assim como uma alegação clara, e mesmo insistente, de conhecimento (“porém, eu bem sei que é errado e vergonhoso fazer o mal, desobedecer a seus superiores, seja ele deus ou homem”).

Sócrates não explica por que seu conhecimento do mundo inferior é “inadequado”. Podemos especular que seria inadequado simplesmente porque, até aquele momento, ele não teve nenhuma experiência do mundo inferior. Mas o que fazer com sua alegação de conhecer “que é errado e vergonhoso fazer o mal [e] desobedecer a seus superiores?” Se isso é algo que Sócrates sabe, por que não deveria contar como algo “belo e bom”? Ademais, por que não deveria contar como um contra-exemplo claro a (P)?

Hugh H. Benson 171 de 711 Sugiro que o “primeiro nível” que

Sócrates alega ter aqui poderia ser sujeito ao mesmo tipo de questionamento que ele põe a seus interlocutores nos diálogos “definicionais” que estamos examinando. Ou seja, Sócrates

poderia perguntar “o que é errado?” ou “o que é vergonhoso?”. Se devesse responder estas questões a si próprio ou a outros, pode-se estar seguro que nem ele nem seus interlocutores seriam capazes de apresentar, de modo informativo, as condições necessárias e suficientes para que uma ação conte como errada ou como vergonhosa. Não possuindo esta compreensão, ele e seus interlocutores não possuiriam o tipo de conhecimento que ele admite não possuir, e é sábio por admitir que não possui, ao passo que outros nem mesmo se dão conta que não o possuem. Contudo, apesar disso tudo,

Sócrates claramente alega saber que é errado ou vergonhoso causar dano e desobedecer a seus superiores.

Assim, eis aqui um exemplo de

Sócrates alegando conhecimento que uma ação é errada ou vergonhosa, ainda que, como suspeitamos, tenha de admitir que lhe falta o conhecimento (belo e bom) do que torna uma ação errada e vergonhosa.

Assim, T8 parece renegar (P), assim como T7 parecia renegar (D).

A LEITURA APORÉTICA

Haveria então um outro modo de ler estas passagens nas quais Sócrates

parece comprometer-se com (P) e (D)? Penso que sim. De fato, a leitura que tenho em mente é muito natural. Podemos entender que Sócrates não está afirmando que o conhecimento definicional é anterior ao conheci- mento das instâncias e ao conhecimento das conexões essenciais, mas somente perguntando como é possível saber, por exemplo, que x é pio e y é justo, ou que piedade e justiça são virtudes, a menos que se saiba já em um modo informativo, isto é, não trivial, o que são piedade e justiça. Vou chamar esta leitura de tais passagens uma “leitura aporética”. Minha ideia é que Sócrates usa a questão para exprimir uma perplexidade (aporia) sobre como se pode ter conhecimento que x é F ou que F-dade é G sem ter um conhecimento anterior do que é F- dade.

Vimos que Sócrates sente-se atraído pela ideia que reconhecemos instâncias de F-dade fazendo apelo a um paradigma ou modelo que temos

Hugh H. Benson 172 de 711 em nossas mentes. Dado este modelo

de reconhecimento das instâncias, há somente um pequeno passo para a conclusão que eu posso saber que x é F se e somente se

1. tenho disponíveis para mim, imediatamente, de um modo informativo, condições necessárias e suficientes para que algo ou alguém seja F e

2. creio corretamente que x satisfaz estas condições necessárias e suficientes.

É importante notar aqui que, caracteristicamente, estas passagens nas quais Sócrates é suposto comprometer-se com a Prioridade do Conhecimento Definicional têm a forma de uma questão. Assim, em T6,

Sócrates diz que seu parente lhe perguntará:

T9. Como você saberá qual fala ou uma outra ação está bem [ou belamente] apresentada, quando você ignora o que é o bem [isto é, o belo]? (Hp. Ma. 304d8-e2)

Comentadores tendem a tomar esta questão como uma questão retórica.

No documento Benson, Hugh h. Platão (páginas 163-186)

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