• Nenhum resultado encontrado

O Elenchus socrático

No documento Benson, Hugh h. Platão (páginas 97-118)

CHARLES M. YOUNG INTRODUÇÃO

Sócrates – se não a própria pessoa, então a personagem na maioria dos diálogos curtos de Platão e, talvez, também em alguns dos mais longos – estava fadado a algo especial. Acreditando que estava agindo sob as instruções de Apoio, o deus do oráculo em Delfos, Sócrates passava seu tempo falando com as pessoas, tanto pessoas comuns quanto pensadores mais sofisticados, fazendo-lhes questões sobre a vida humana e como se deve viver. Quando seus interlocutores se mostravam incapazes de defender suas opiniões sobre estas questões,

Sócrates sugeria sua própria agenda positiva radical em seu lugar. Somos felizes, pensava ele, quando nossa alma está na melhor condição – quando, como acreditava, temos as virtudes do caráter: coragem, temperança, piedade e, especialmente, justiça. Já que queremos todos ser felizes, faremos inevitavelmente o que é virtuoso somente se soubermos o que é a virtude (ver os capítulos Os Paradoxos

Socráticos; Platão e o Prazer como o Bem Humano). Daí ser nosso caminho à felicidade a remoção da ignorância e vício de nossas almas e sua substituição pela virtude e conhecimento (ver o capítulo A Ignorância Socrática).

Quase todos concordam com esta caracterização da vida e do pensamento de Sócrates, ou com algo similar a isso. Quase ninguém, porém, concorda sobre os detalhes. Por que exatamente Sócrates acredita que está agindo sob ordens divinas? Por que acredita que Apoio o instruiu a perguntar às pessoas questões sobre como devemos viver nossas vidas? O que é a felicidade para ele? O que é a alma para ele? Por que nossa felicidade depende da boa condição dela? Por que ele pensa que as virtudes do caráter têm a ver com a boa condição da alma? A agenda crítica de Sócrates ao questionar seus companheiros está ligada à sua agenda construtiva acerca das virtudes e felicidade? Não existe nada próximo a um consenso para as respostas a qualquer uma destas questões.

Tampouco há um consenso acerca do que queria Sócrates ao questionar os outros acerca das

Hugh H. Benson 98 de 711 virtudes do caráter e de como

devemos viver. Uma característica central do exame de Sócrates é, todavia, comumente identificada por um nome particular hoje em dia: é chamado elenchus socrático (“refutação”). Mas de novo, os estudiosos discordam acerca dos detalhes; testemunho disso é uma coleção de artigos sobre o elenchus publicada em 2002 (Scott). Eles discordam sobre o que exatamente está envolvido nos argumentos que empregam o elenchus e sobre quais são suas características distintivas, se possuir de fato alguma. Discordam sobre quais passagens nos diálogos de

Platão envolvem o elenchus e sobre quais diálogos são relevantes para seu estudo. Discordam sobre se e como

Sócrates pode obter conclusões positivas por meio do elenchus. Discordam até mesmo se Sócrates de fato tinha um método, isto é, se tinha um modo característico de fazer filosofia. E muitos outros pontos de discordância poderiam ser mencionados.

PRELIMINARES

Será útil trazer à mesa parte da história do termo “elenchus” e de seu verbo cognato “elenchô” (seguindo Lesher 2002). “Elenchus” começa sua

carreira com o sentido de “vergonha” ou “desgraça”, do tipo que tipicamente ocorre quando se fracassa em um teste atlético ou de guerra: “será, pois, uma desgraça (elenchus) se Heitor do elmo brilhante capturar os navios” (.11. XI.314-15). Mais tarde, o sentido passou da ideia de vergonha ou de desgraça por si à ideia dos testes nos quais se incorria ou se evitava a vergonha e a desgraça: “o arco não é um teste (elenchus) para um homem: é uma arma de covarde” (Eurípides, Hércules 162). Subsequentemente, o sentido se expandiu de modo a incluir testes ou competições outros que os de guerra ou de estilo marcial: por exemplo, o teste dos méritos de um poema pela opinião pública (veja, por exemplo, Píndaro, N. VIII.20-1). Pela metade do século V a.C., o termo começou a designar comumente qualquer tipo de exame da verdadeira natureza de uma pessoa particular ou de uma coisa (veja, por exemplo, Esquilo, As Suplicantes 993). Então a palavra passou a ser usada de modo mais restrito para o exame do que uma pessoa dizia de verdadeiro ou falso (veja, por exemplo, Heródoto, História 11.115) ou para o resultado negativo de tal exame (veja, por exemplo, Grg. 473b9-10). Isso nos leva a Platão.

Hugh H. Benson 99 de 711 É comum hoje negar que Sócrates

tenha alguma coisa que possa ser chamado de método que vá além de seus modos habituais autodeclarados de investigação: pôr à prova (exetazô), investigar (skopeô e seus cognatos), questionar (erôtô e seus cogna- tos), procurar (zêtô e seus cognatos), discorrer (dialegô) e às vezes examinar ou refutar (elenchô), etc. seus companheiros. Esta negação de um método para Sócrates pode bem estar correta. Porém, os diálogos socráticos e mesmo alguns outros diálogos contêm várias passagens que têm de ser levadas em conta quando se quer chegar a uma conclusão sobre esta e outras teses similares. Algumas destas passagens são as seguintes: em suas observações iniciais na Apologia,

Sócrates contrasta seu modo de defesa com o de seus acusadores e diz que irá se servir do mesmo tipo de argumentos que costumava usar no mercado (17al-18a6). No Críton,

Sócrates diz que é do tipo de pessoa que decide o que fazer por referência ao “argumento” ou “princípio” (logos) que lhe parece melhor após ponderação (46b4-6) e as leis personificadas de Atenas dão como razão para o pôr a exame o fato que ele põe os outros a exame (50c8-9). No Górgias, Sócrates contrasta seu modo de argumentar (tropos

elenchou) ao dos oradores forenses (472c2-4). Duas personagens nos diálogos fazem menção especial a aspectos da técnica argumentativa de

Sócrates: Alcibíades (Smp. 221dl- 222a6) e, com desprezo, Cálicles (Grg. 491al-3). Por fim, no Sofista, o estrangeiro de Atenas chama a atenção à “nobre sofistica” que está ligada à “refutação (elenchus) da crença oca em sua própria sabedoria” (231b5-8); este tipo de sofistica é, pelo menos, primo distante do que

Sócrates parece estar fazendo, o que quer que isso seja. Se então Sócrates

tem ou não o que nos apressaríamos a chamar um “método”, é claro pelos diálogos socráticos que Platão vê a condução por parte de Sócrates de seus exames dos outros como em algum sentido especial.

Uma ilustração relativamente simples de um elenchus ocorre no La. 192b9-dll. Nesta passagem, Laques

avança sua definição de coragem: A. A coragem é perseverança

(192b9). Sócrates então faz sair dele uma tese sobre a coragem: B. A coragem está entre as coisas

que são admiráveis e muito belas (192c5-6). Ele também faz emergir duas teses sobre a perseverança:

Hugh H. Benson 100 de 711 C. Perseverança com sabedoria é

bela ou admirável e boa (192c9- 10).

D. Perseverança com insanidade é prejudicial e danosa (192dl-2). Vem então uma verdade geral sobre o que é prejudicial e danoso:

E. O tipo de coisa que é prejudicial e danosa não é bela ou admirável (192d4-5). Enfim, temos duas inferências. Visto que:

F. Perseverança com loucura não é bela ou admirável (192d8) e G. A coragem é uma coisa bela e

admirável (192d8), Sócrates e

Laques concluem primeiro que: H. Perseverança com loucura não é

coragem (192d7) e, segundo, que, “de acordo com o argumento [de

Laques]”,

I. Perseverança sábia é coragem (192dl0- 11).

Presumivelmente, (F) segue de (D) e (E); (G) segue de (B); (H), de (F) e (G). Não é claro de onde vem (I).

Este argumento exemplifica um padrão que Gregory Vlastos, em um artigo clássico sobre o elenchus (Vlastos, 1983; ver também Vlastos, 1994), chamou elenchus “padrão”. Inicia com o interlocutor de Sócrates

afirmando uma tese, aqui (A).

Sócrates então se assegura da concordância do interlocutor a outras teses: de (B) até (E). Sócrates então infere, com a aceitação do interlocutor, que a tese original é falsa: neste caso, (H). A tese original pode, todavia, sobreviver em uma forma qualificada, como aqui, em (I). Em um elenchus “padrão”, a tese original, de acordo com Vlastos, não tem papel no argumento à parte o fato de prover Sócrates com um alvo. Isto contrasta com o elenchus “indireto”, no qual a tese original tem de fato um papel.

A distinção de Vlastos entre estes dois modos de elenchus é espúria. Se tivermos um conjunto de teses – R Q e R, digamos – que implica a negação de uma tese original do interlocutor, pouco importa, de um ponto de vista lógico, se este conjunto inclui a tese original ou não: se a implicação ocorre, então não há nenhuma situação em que p Q, R e C são todas verdadeiras, seja C ou não uma das teses R Q e R. Assim, seria melhor não distinguir entre dois modos de elenchus, mas caracterizar o elenchus simplesmente como um argumento no qual uma tese original do interlocutor é rejeitada quando se vê que é inconsistente com outras coisas nas quais crê o interlocutor.

Hugh H. Benson 101 de 711

APOLOGIA 21B9-23CI: AS

ARIGENS DO ELENCHUS

SOCRÁTICO

O relato de Sócrates na Apologia das origens de sua missão filosófica é familiar, mas vale a pena examinar certos detalhes aqui. Sócrates inicia sua defesa contra a acusação de impiedade chamando a atenção de sua audiência a um conjunto de acusadores “mais antigos” e “mais perigosos”, cujas difamações contra ele, Sócrates mantém, criaram uma atmosfera de preconceito contra ele que seus acusadores atuais, “posteriores”, estão usando para benefício próprio ao levantar acusações contra ele (18a7-19d7). No coração do preconceito, diz-nos, está sua posse do que chama sophia tis (20d7). Aqui sophia tis deve ser “em parte sabedoria”, não “um tipo de sabedoria” (como ocorre em, por exemplo, La. 194d9) – não uma área da sabedoria, mas uma compreensão que oferece parte do que oferece a sabedoria, sem ser a verdadeira coisa. Com efeito, Sócrates imediatamente (20d8) identifica sua “em parte sabedoria” à “sabedoria humana” (anthrôpinê sophia) e esta se mostra consistir em saber que não se sabe nada, em particular que não se sabe nada “belo e bom” (21d4). De fato,

“sabedoria humana” vale “pouco ou nada” (23a6-7). A posse de Sócrates

da “sabedoria humana”, contudo, deu nascimento ao preconceito contra ele, assim como o fez parecer ao povo, apesar de suas negativas, como se realmente ele pensasse que conhecia algo de importante.

Sócrates passou a acreditar em sua “sabedoria humana” por meio de várias discussões que teve com outras pessoas em um esforço para compreender a afirmação do oráculo de Delfos, segundo o qual ninguém era mais sábio que ele. Ele fez contato com três diferentes grupos de pessoas: políticos, poetas e artesãos. Teve experiências diferentes com cada grupo. Suas discussões com os políticos revelaram que, embora se pensassem a si mesmos e eram vistos por outros como sábios, eles de fato não o eram (21b9-22a8). Os poetas apresentaram um caso mais complexo. Em seus poemas, Sócrates

concede, os poetas têm “muitas coisas belas” para dizer, mas, porque não

conseguem explicá-las

adequadamente, Sócrates pensou que eles não sabiam as coisas que diziam em seus poemas, mas compunham suas obras por talento natural ou por inspiração. Além do mais, por causa de seus talentos poéticos, os poetas

Hugh H. Benson 102 de 711 pensavam que conheciam outras

coisas, mas de fato eles não as conheciam (22a8-c8). Os artesãos, por fim, de fato mostraram que sabiam “muitas coisas belas”, mas, por causa do que conheciam, pensavam que também conheciam outras coisas importantes (22c8- e5). Como é bem conhecido, Sócrates foi embora convencido que era mais sábio do que qualquer um com quem tinha conversado. Era mais sábio, contudo, não porque sabia coisas que eles não sabiam, mas porque eles pensavam que sabiam coisas que de fato eles não sabiam, ao passo que ele não tinha tal pensamento. É nisto que consiste sua “sabedoria humana”. Como nos diz:

O que é provável, senhores, é que o deus de fato é sábio e que sua resposta no oráculo queria dizer que a sabedo- ria humana vale pouco ou nada e que, quando diz este homem, Sócrates, ele está servindo-se de meu nome como um exemplo, como se quisesse dizer: “o homem entre vocês, mortais, será o mais sábio quem, como Sócrates, com- preender que sua sabedoria não tem valor”. (23a5-b4, traduzido por Grube, ligeiramente modificado)

O que precisamos compreender, para os presentes objetivos, são as similaridades e diferenças epistêmicas que Sócrates sustenta encontrar entre os três grupos que ele confrontou e

como ele detectou estas diferenças. Ele não nos diz isso; portanto, teremos que fazer algumas suposições. Uma suposição óbvia é que Sócrates

submeteu membros dos três grupos ao tipo de questionamento que nos é familiar dos diálogos socráticos e que estamos chamando “elenchus”. Esta sugestão é alimentada pelo fato que, na passagem em discussão, Sócrates

usa toda a terminologia, mencionada no capítulo precedente, que ele regularmente utiliza ao descrever suas atividades filosóficas; se esta sugestão estiver correta, então as similaridades e diferenças que Sócrates observa devem refletir similaridades e diferenças no modo como seus interlocutores se saíram quando postos a exame. Porém, um elenchus só pode ter dois resultados: ou a tese inicial do interlocutor malogra ou ela sobrevive. Ela malogra se Sócrates

pode mostrar que é inconsistente com outras coisas em que o interlocutor acredita; ela sobrevive se não o puder fazer. Sócrates conclui que as pessoas em todos os três grupos pensam que conhecem coisas acerca de certos objetos que de fato eles não conhecem. Já que Sócrates não conhece nada a respeito destes objetos, não pode estar inferindo a ignorância de seu interlocutor do fato que ele, Sócrates, sabe mais. Deve, ao

Hugh H. Benson 103 de 711 contrário, tirar esta inferência do fato

que seus interlocutores não podem consistentemente manter suas alegações de conhecimento. Isto é uma suposição razoável: se não posso defender com consistência minhas crenças em um domínio, Sócrates está correto em concluir que não sei sobre o que estou falando neste domínio, mesmo que tampouco ele saiba sobre o que estou falando.

Isto quanto às similaridades entre os três grupos. E sobre as diferenças?

Sócrates diz que os poetas têm “muitas coisas belas” a dizer em suas composições, mas que eles não podem explicá-las adequadamente e que não conhecem as coisas belas que recitam. No caso dos artesãos,

Sócrates concede que eles conhecem as “muitas coisas belas” que têm a dizer. É plausível supor que o que os artesãos conheciam eram coisas que entravam no âmbito de suas artes: é isso o que sabem. Porém, Sócrates

não teria concedido que os artesãos conheciam as belas coisas que tinham a dizer se não tivessem sobrevivido ao seu questionamento sobre estas coisas: como vimos, Sócrates toma o fracasso em sobreviver ao elenchus como uma prova de ignorância.

Portanto, podemos com

plausibilidade supor que os artesãos

sobreviveram ao elenchus enquanto as questões de Sócrates portavam sobre suas áreas de competência. Podemos ir mais longe: Sócrates

negava que os poetas conheciam as coisas belas que diziam com base no fato que não conseguiam se explicar adequadamente. Presumivelmente teria dito a mesma coisa dos artesãos se eles também fossem incapazes de se explicar adequadamente. Assim, é uma inferência aceitável que os artesãos eram capazes de se explicar adequadamente sobre questões atinentes às suas áreas de competência. Podemos ir mais longe ainda: todos os três grupos não conseguiram sobreviver ao elenchus em certas áreas. Os artesãos passam seu teste dentro de suas áreas de competência. O que dizer dos poetas quando questionados sobre seus poemas? Passaram a prova ou fracassaram? Se fracassaram, não haveria diferença entre os poetas e os políticos; Sócrates poderia ter alegado que os poetas não conheciam o que diziam em suas composições por conta disso, sem fazer apelo à inabilidade deles a se explicarem. Visto que não faz isso, não é implausível supor que os poetas não fracassaram no teste elêntico quando falavam sobre suas composições. Talvez não fossem capazes de se

Hugh H. Benson 104 de 711 explicar, mas pelo menos não caíam

em contradições.

Que tipo de explicação Sócrates

pensa que um artesão pode dar e um poeta não pode? Seguindo uma pista de Grg. 464b2- 465a7, podemos especular com plausibilidade que um médico do século quinto, por exemplo, tinha uma teoria acerca da saúde humana que lhe fornecia recursos conceituas para formular suas explicações. Poderia pesar, por exemplo, que os corpos humanos são feitos de terra, ar, fogo e água; que os seres humanos têm saúde quando o calor, o frio, a umidade e a secura associados a estes elementos estão apropriadamente balanceados e ficam doentes quando não há o balanceamento. Assim: “meu paciente está febril; isso deve significar que sofre de um excesso de calor; sangrá-lo retirará o excesso de calor e restaurará sua saúde”. A diferença entre os poetas e os artesãos, segundo esta sugestão, reside no fato que os artesãos dispõem de uma teoria de amparo, ao passo que os poetas não. Por que exatamente os poetas não dispõem de uma teoria de amparo não fica esclarecido. Pode ser que as “muitas coisas belas” que os poetas dizem não são do tipo a terem uma teoria para

ampará-las, como Grg. 464b2-465a7 nos quer fazer acreditar, por exemplo, acerca da alegação que, enquanto doces são bons com leite e sonhos com café, nenhum é gostoso com uísque escocês. Ou pode ser que as teses dos poetas podem ser adequadamente explicadas, mas não por seus proponentes, como um sábio idiota pode acreditar que 761.838.257.287 x 193.707.721 = 264

1 sem ser capaz de realizar os cálculos necessários.

A sugestão que isso é de fato a diferença que Sócrates vê entre os poetas e os artesãos se confirma pelo fato que pensa que se deve dar uma explicação alternativa, em termos de talento natural ou inspiração, para a habilidade dos poetas em dizer “muitas coisas belas” em suas composições. Esta é a prática padrão de Sócrates nos casos em que alguém tem aparentemente o controle sobre algum assunto, mas não pode explicar-se adequadamente. Assim, no Górgias (464b2- 465a7), Sócrates

alega que a arte de fazer doces não passa pelo teste de explicação, visto que “não tem nenhum discurso sobre a natureza do que aplica pelo que aplica, de modo que é incapaz de exprimir a causa de cada coisa [que faz]” (465a3-5, trad. Zeyl). Porém,

Hugh H. Benson 105 de 711 está pronto, mesmo assim, a chamar

a arte de fazer doces uma “habilidade”, reconhecendo que doceiros podem obter sucesso mais ou menos regular. Similarmente,

Sócrates não desafia a habilidade de

Íon em dizer “muitas coisas belas” sobre Homero (Íon 542a5), mas questiona se esta habilidade pode ser atribuída à posse de Íon de conhecimento; quando Sócrates

estabelece que não pode ser atribuída, ele explica esta habilidade atribuindo a Íon um “dom divino” (542a4). No Mênon, Sócrates atribui a habilidade dos Políticos, adivinhadores, profetas e poetas em acertarem sem terem conhecimento a uma influência e possessão divina (99bll-100b5).

Resumindo: Sócrates na Apologia distingue três níveis de envolvimento epistêmico. Se alego conhecimento em alguma área, Sócrates alegará que estou errado em dizer que sei se não posso defender minhas crenças com consistência nesta área. Alegará também que estou errado em dizer que sei, ainda que não possa me acusar de inconsistência em alguma área, se eu não puder explicar minhas crenças na área de um certo modo. Se posso explicar minhas crenças do modo correto, todavia, então

Sócrates, não sendo um especialista na área em questão, não tem outra alternativa senão aceitar minha reivindicação de conhecimento. INCONSISTÊNCIA

O elenchus, assim, visa a pôr em evidência alegações falsas de conhecimento ao denunciar os pretendentes a conhecimento de manterem crenças inconsistentes. Inconsistência importa, de acordo com muitas apresentações do elenchus, porque parece que, se creio em A, B e C e então passo a crer que A, B e C são inconsistentes, então a) pelo menos uma de A, B e C deve

ser falsa e

b) se quero manter minha crença em A e minha crença em B, digamos, devo abandonar minha crença em C.

Aqui (a) é verdadeiro, mas (b) não. Há pelo menos duas razões para explicar isso.

Em primeiro lugar, posso preservar minha crença que A e C são cada uma verdadeira e abandonar minha crença que A, B e C são inconsistentes. Considere neste sentido a refutação da primeira

Hugh H. Benson 106 de 711 tentativa de Carmides em definir a

temperança em Chrm. 159b5-160d3.

Carmides avança que:

A. A temperança é quietude (159b5- 6). Sócrates então se assegura do acordo de Carmides com:

B. A Temperança é uma coisa bela ou admirável (159cl). Sócrates então passa em revista um número de casos nos quais:

C. Fazer coisas rapidamente é mais belo ou mais admirável do que as

No documento Benson, Hugh h. Platão (páginas 97-118)

Documentos relacionados