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O problema Socrático

No documento Benson, Hugh h. Platão (páginas 54-72)

WILLIAM J. PRIOR INTRODUÇÃO

Sócrates é uma das figuras mais famosas e influentes na tradição intelectual ocidental: mas quem era ele? Entre seus discípulos encontravam-se os filósofos mais influentes de seu tempo, aos quais é atribuída pelos historiadores da filosofia a fundação de várias escolas; mas o que ele os ensinou? Estas questões constituem o “problema socrático”, a tentativa de descobrir o indivíduo histórico por trás dos relatos antigos sobre Sócrates e sua filosofia.

Sócrates não escreveu nada. Para nossa informação, dependemos de quatro fontes principais. A fonte mais antiga é a comédia grega, fundamentalmente As Nuvens de

Aristófanes, encenada em 423 a.C. Dois outros companheiros de

Sócrates, Platão e Xenofonte, escreveram copiosamente sobre ele; seus escritos nos foram transmitidos, ao contrário de tantos outros que também escreveram obras socráticas. Diferentemente destes três autores, uma quarta fonte, Aristóteles, não foi

contemporâneo de Sócrates. Nascido quinze anos após a morte de Sócrates,

Aristóteles foi um membro da Academia de Platão e estava presumivelmente habituado com a literatura antiga e com a tradição acerca de Sócrates. Ele incluiu observações sobre este em seus tratados sistemáticos sobre vários aspectos da filosofia. O problema socrático surge, em parte, das questões acerca da fidedignidade destas fontes.

Vou argumentar a seguir que conhecemos muita coisa sobre a vida, o caráter, os interesses filosóficos e o método do Sócrates histórico. Infelizmente, esse conhecimento não vai até o ponto de quais doutrinas, se alguma, ele professou, o que é justamente o que mais querem saber os filósofos contemporâneos. A incerteza acerca das doutrinas de

Sócrates pode ser rastreada pelas nossas mais antigas fontes e, de fato, pelo retrato de Sócrates em nossa fonte mais importante, Platão.

Sócrates era aparentemente um mistério até mesmo para seus companheiros mais íntimos. Vou começar discutindo o problema da fidedignidade de nossas fontes; em sequência, descreverei o que podemos extrair com segurança sobre

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Sócrates destas fontes; concluirei com uma discussão do problema do ensinamento de Sócrates.

A fidedignidade das fontes

O problema socrático surge em parte do fato que nenhuma de nossas fontes tem crédito impecável como biógrafo. A fonte mais antiga de informação sobre Sócrates é a comédia grega. A única peça completa que possuímos apresentando Sócrates como um protagonista é As Nuvens de

Aristófanes, a única de nossas fontes primárias que data do período em que

Sócrates vivia. Aristófanes retrata

Sócrates como um “novo intelectual”, descrente dos deuses da religião grega tradicional e um sofista que ensina “argumento injusto” a seus alunos. Estudiosos pensam ter razões para ignorar ou minimizar a importância do retrato de Sócrates

feito por Aristófanes. Comédia não é biografia; a questão central não era: “é verdade?” ou “é justo?”, mas sim: “é engraçado?” O retrato feito por

Aristófanes parece a muitos estudiosos como um quadro compósito de intelectuais atenienses da última parte do século quinto; em consequência, rejeitaram a ideia que ele contenha informação precisa

sobre Sócrates.

Por outro lado, a peça As Nuvens nos dá informação importante sobre

Sócrates. Ela nos diz que ele era uma figura pública em Atenas e que

Aristófanes pensou que o público não seria capaz de diferenciar as ideias dele das dos sofistas e dos filósofos da natureza, com os quais estava, na visão do público, associado. Caso se deva dar crédito neste ponto à Apologia de Platão, isso se mostra verdadeiro. Platão faz Sócrates citar esta peça na Apologia (18dl-2.19c2-5) como uma das principais fontes de preconceito contra ele. Aos olhos de

Platão, a peça As Nuvens é, se não um retrato acurado de Sócrates, uma fonte importante para a compreensão popular de Sócrates na parte final do quinto século.

Xenofonte escreveu suas obras socráticas em parte para defender

Sócrates das acusações de Aristófanes

e outros. Ele escreveu quatro obras socráticas: Apologia, Memorabilia, Econômico e Banquete. Xenofonte foi um companheiro de Sócrates por certo tempo (não é claro por quanto tempo exatamente) ao longo da última década da vida de Sócrates. Uma anedota simpática proveniente da Antiguidade tardia mostra Sócrates

Hugh H. Benson 56 de 711 procurando-o, perguntando-lhe se

sabe onde são encontrados vários tipos de comida e terminando por perguntar onde os homens são tornados cavalheiros (kalos k’agathos, “belo e bom”). Ao ver que

Xenofonte não pode responder à questão, Sócrates diz: “siga-me e aprenda” (Dl 11.48). Seja ou não histórica a anedota, ela reflete o interesse de Xenofonte em Sócrates: ele via Sócrates como alguém que tornava seus companheiros “belos e bons”. Xenofonte não se associou a

Sócrates para se tornar um filósofo, mas para se tornar um cavalheiro. Diferentemente de Platão, ele aparentemente não via nenhuma dificuldade em se tornar um sem se tornar o outro.

Xenofonte queria ansiosamente mostrar que Sócrates era inocente das acusações oficiais apresentadas em seu julgamento: impiedade e corrupção de jovens. Ele dedicou o primeiro capítulo de seus Memorabilia para argumentar que

Sócrates era um crente do tipo mais pio e tradicional. Dedicou a maior parte dos Memorabilia para mostrar que Sócrates trazia benefícios a cada um que se associava a ele. O Sócrates

de Xenofonte é primeiramente alguém que fornece conselhos morais

práticos (veja, por exemplo, Mem. II.7). Ele dá conselhos não somente para seus companheiros próximos, mas virtualmente para todo aquele que encontra, inclusive comandantes de cavalaria e cortesãos. Xenofonte

raramente mostra Sócrates envolvido com o tipo de confrontação antagonista com um interlocutor que é proeminente na obra de Platão. Todavia, ele mostra Sócrates em diálogo com sofistas (Antifonte e

Hípias, em Mem. 1.6, IV4), em busca de definições (Mem. m.9, IV6) e como um devoto de erôs (Banquete 6.8) – todos aspectos de Sócrates que

Platão põe em relevo. O Sócrates de

Xenofonte não insiste em sua ignorância, como o de Platão o faz, mas evidencia aos seus interlocutores a ignorância deles como um estágio preliminar de sua educação (Hípias

menciona a recusa de Sócrates em responder às questões que formula a outros em Mem. IV 4.9, mas em geral o Sócrates de Xenofonte está muito à vontade ao declarar sua posição).

O retrato de Sócrates por

Xenofonte é valioso por duas razões. Primeiro, ele corrobora vários aspectos do retrato feito por Platão. Segundo, enfatiza um aspecto da vida de Sócrates sobre o qual Platão não se concentra: suas relações com os

Hugh H. Benson 57 de 711 discípulos. Platão e Xenofonte

apresentam, ambos, Sócrates como um homem que teve discípulos devotos e apaixonados; Xenofonte

oferece uma explicação mais extensa do que o faz Platão sobre como

Sócrates pode ter gerado tal devoção.

Xenofonte escreveu com uma intenção polêmica: queria mostrar que Sócrates era completamente inocente das acusações lançadas contra ele por seus acusadores e pelo preconceito popular contrário a ele.

Xenofonte foi criticado por ter feito

Sócrates parecer insosso e não controverso; Gregory Vastos declarou que os atenienses nunca teriam indiciado o Sócrates de Xenofonte

(Vlastos, 1971a: 3). Xenofonte

também atribui a Sócrates interesses que só adviriam do próprio

Xenofonte, como ciência militar e administração de propriedades. A duração e a intimidade de sua associação com Sócrates foi questionada por estudiosos. Pelo fato de não estar interessado primariamente na filosofia de

Sócrates, ele não é nosso melhor testemunho sobre o conteúdo desta filosofia. Mesmo assim, considero inegável que Xenofonte conhecia e se associou a Sócrates, que foi inspirado por ele e que estava suficientemente preocupado com sua reputação a

ponto de dedicar uma porção considerável de sua produção literária à sua defesa.

Inquestionavelmente, nossa fonte principal de informação sobre

Sócrates é Platão. Platão tornou-se um seguidor de Sócrates e foi um de seus companheiros mais íntimos. Diferentemente de Xenofonte, Platão

era um filósofo; suas obras enfatizam a atividade filosófica de Sócrates. Como Xenofonte, estava preocupado em mostrar que Sócrates não era culpado das acusações feitas contra ele por seus acusadores; diferentemente dele, ele não atenua os elementos controversos de seu caráter e método. O Sócrates de

Platão era um questionador infatigável, determinado a revelar para o interlocutor sua ignorância. Ele também insiste em sua própria ignorância, frequentemente dada como explicação de sua recusa a responder as questões que formula. A despeito desta insistência, o Sócrates

de Platão sustenta, ocasionalmente, posições filosóficas. Ao final do Górgias (523a-527c), por exemplo, ele apresenta um relato da imortalidade da alma. No Críton (de 47c até o final), ele apresenta tanto uma teoria da ação moral quanto uma defesa da obediência à lei. É um

Hugh H. Benson 58 de 711 problema para os estudiosos

reconciliar a sustentação por parte de

Sócrates destas teorias com sua profissão de ignorância (ver o capítulo A Ignorância Socrática).

Platão foi um grande filósofo de próprio punho, um pensador que desenvolveu suas próprias respostas às questões que Sócrates formulava. Isso produz uma questão: onde, em suas obras, Platão apresenta as posições de Sócrates e onde apresenta as suas próprias? Os estudiosos esperavam resolver esta questão dividindo os diálogos de

Platão em três grupos: um primeiro grupo, contendo diálogos que (se argumenta) apresentam um quadro fiel do Sócrates histórico; um grupo intermediário, contendo diálogos que representam as posições filosóficas do próprio Platão, e um grupo tardio, contendo um estágio ulterior do desenvolvimento de Platão. Esta divisão tripartite, porém, foi criticada: tanto o fato de pertencer aos respectivos grupos quanto a ordem dos diálogos em seu interior foram questionados (Kahn, 2002). Mesmo que se aceite a agrupamento tripartite dos diálogos e o quadro desenvolvimentista geral que o acompanha, parece, todavia, que não há razão decisiva para acreditar que

os diálogos do primeiro grupo representam as posições do Sócrates

histórico e não um primeiro estágio do pensamento filosófico do próprio

Platão (ver o capítulo Interpretando

Platão).

Para resolver este problema, os estudiosos voltaram-se às obras de nossa quarta fonte, Aristóteles. Como foi notado acima, Aristóteles foi um membro da Academia durante os últimos vinte anos da vida de Platão. Ele deve ter tido a oportunidade de discutir sobre Sócrates com Platão, se tivesse desejado, e deve ter tido acesso às obras socráticas de outros filósofos que estão hoje perdidas. Embora não fosse nascido quando

Sócrates morreu, se mundo intelectual estava muito mais próximo do de Sócrates do que está o nosso. Contudo, os estudiosos questionaram a fidedignidade geral de Aristóteles como um historiador da filosofia (para uma avaliação negativa, ver Kahn, 1966, p. 79-87; para avaliações mais positivas, ver Guthrie, 1971, p. 35-9; Lacey, 1971, p. 44-8). Pode, porém, ser injusto descrever Aristóteles como um historiador da filosofia e não como um filósofo escrevendo sobre outros filósofos. Seu interesse na filosofia era sistemático, mas, ao desenvolver suas

Hugh H. Benson 59 de 711 próprias posições, ele fez referência

às de seus predecessores, inclusive a

Sócrates. Seu interesse principal ao proceder assim era mostrar que, embora pensadores anteriores pudessem ter antecipado alguns aspectos de seu pensamento, não o levaram à perfeição. Sua tendência de ver os pensadores anteriores como prenunciadores de sua própria posição gerou questões sobre a objetividade de seu relato histórico. Portanto, como no caso de Platão, surge a questão se Aristóteles está relatando o que Sócrates disse ou o que ele pensava que Sócrates queria dizer. Finalmente, alguns críticos de

Aristóteles como uma fonte sobre

Sócrates questionaram se havia algo em seu relato que não se possa traçar aos diálogos de Platão (Burnet, 1912, p. xxiv).

Os comentários de Aristóteles

sobre Sócrates se restringem à sua filosofia e ele nos fornece várias informações muito importantes. Vou aqui enfatizar duas. Primeiro, ele confirma o retrato de Platão de

Sócrates como alguém que professava ignorância (SE 183b6-7). Segundo, ele nos diz que, embora

Sócrates buscasse definições e centrasse sua atenção nos universais, ele não “fez os universais... existirem

à parte” como fez Platão (Metaph. XIII.4,1078b29-30). Estudiosos tomaram esta passagem para marcar uma distinção crucial entre Platão, com sua doutrina das formas separadas, e Sócrates. Serviram-se desta distinção para dividir os diálogos em estágios de desenvolvimento: um grupo socrático que não contém a doutrina das formas separadas e um grupo platônico posterior que a contém. Todavia, o testemunho de Aristóteles

gera mais questões do que as responde. Não é claro o que está atribuindo a Sócrates: uma teoria de universais não separados, como a sua doutrina (que seria difícil de ser conluiada com a profissão socrática de ignorância) ou meramente um interesse metodológico na definição universal (ver o capítulo Definições Platônicas e Formas). O testemunho de Aristóteles sobre a autoria da teoria das formas separadas contradiz duas passagens nos diálogos de

Platão, nas quais Sócrates reivindica ser o autor da teoria: Phd. 100b 1-7 e Prm. 130b 1-9. Isso levou John Burnet e A. E. Taylor, no início do século passado, a rejeitar o testemunho de

Aristóteles. A maioria dos estudiosos ficou do lado de Aristóteles sobre esta questão, mas a tensão entre o retrato de Platão de Sócrates e o testemunho

Hugh H. Benson 60 de 711 de Aristóteles é significativa. O

testemunho de Aristóteles sobre

Sócrates parece ser mais objetivo que o de Platão e Xenofonte; porém, reflete seus próprios interesses e, como não estava baseado em experiência própria, dependeu, inevitavelmente, de fontes anteriores, especialmente de Platão. O que as fontes nos dizem a respeito de Sócrates

Apesar das diferenças de ênfase, nossas fontes são concordantes a respeito de vários aspectos da vida, dos interesses filosóficos e do método de Sócrates. Quando vão na mesma direção, temos a melhor evidência histórica que podemos ter de

Sócrates. Se rejeitarmos esta evidência, não teremos nada em que basear nosso relato do Sócrates

histórico. Quando nossas fontes divergem, talvez não consigamos reconciliá-las, mas em alguns casos não precisamos disso: ambos os lados podem representar aspectos de

Sócrates que não devemos descartar. Nossas fontes nos falam bastante a respeito da vida de Sócrates. Ele nasceu em Atenas por volta de 469 a.C. e era um cidadão da cidade, do demo Alopece. Seu pai, Sofronisco,

era talhador de pedra; Sócrates dizia que sua mãe, Fenarete, era parteira. Era casado com Xantipa e teve três filhos. Tendo crescido durante a época dourada de Atenas, assistiu seu declínio e queda desastrosos na Guerra do Peloponeso (431-404). Durante esta guerra, serviu no exército ateniense como hoplita (soldado fortemente armado da infantaria), uma posição que sugere certo nível de riqueza familiar. De acordo com Alcibíades e Laques (tal como relatado por Platão), ele demonstrou notável coragem nos campos de batalha. Platão e

Xenofonte relatam ambos dois eventos que atestam a coragem de

Sócrates em outros contextos. Primeiro, nos últimos períodos da guerra, quando os atenienses quiseram julgar em bloco dez generais por terem abandonado os soldados mortos ou feridos depois da batalha de Arginusa, Sócrates, que na época fazia parte do Conselho, foi o único a recusar a colocar em votação a moção, pelo motivo (correto) de ser ilegal. Segundo, quando os Trinta Tiranos, que governaram Atenas em 403-402, ordenaram a Sócrates e a outros que prendessem Leon de Salâmis, foi o único do grupo a recusar-se. Ambos os episódios colocaram sua vida em considerável

Hugh H. Benson 61 de 711 perigo. Os episódios mais conhecidos

da vida de Sócrates ocorreram em sua parte final. Em 399 Sócrates foi julgado, acusado de impiedade e de corromper os jovens. Seus acusadores eram Meleto, Anito e Lícon. Foi declarado culpado e condenado à morte. Recusou-se a fugir da prisão e morreu bebendo cicuta. Sócrates

declarava que possuía uma voz divina que por vezes lhe falava; de acordo com Platão, a voz só proibia ações com as quais estava envolvido. Mostrou muito interesse e, de acordo com Platão, tinha grande conhecimento da erótica (ver o capítulo Eros e Amizade em Platão).

Alguns dados que forneci sobre a vida de Sócrates, como os que dizem respeito ao seu serviço militar, são encontrados em somente uma fonte (no caso, em Platão), mas a maioria se encontra em mais de uma (principalmente em Platão e

Xenofonte) e não é contradita por nenhuma. Formam a base de nossa compreensão histórica de Sócrates e são tão seguras quanto algo o pode ser em relação a uma personagem histórica. Incerteza acerca de

Sócrates invade o quadro quando consideramos seu caráter. Para a antiga comédia, Sócrates era um solapador excêntrico dos valores

tradicionais atenienses, um “maluco”. A opinião pública o associava a

Alcibíades, a personagem mais visível da vida pública ateniense na era da Guerra do Peloponeso, e com Crítias, líder dos Trinta desprezado por muitos. Para seus seguidores, era um homem da mais alta qualidade moral, uma pessoa inspiradora. Platão e

Xenofonte referem-se a ele como o homem mais justo de seu tempo. (Platão, Ep. VII.324e e Phd. 118a;

Xenofonte, Mem. W.8.)

Esta controvérsia não pode ser resolvida apelando-se aos fatos aceitos da vida de Sócrates. Sócrates

era um excêntrico no contexto da vida ateniense; seu manto desfiado e sua aparência descuidada forneciam objeto para um tratamento cômico. Mais importante, Crítias e Alcibíades

eram seus companheiros; Xenofonte

e Platão tiveram de argumentar que ele não era responsável pela conduta deles. Sócrates era associado a elementos oligárquicos pró- espartanos da vida ateniense e era crítico de pelo menos alguns aspectos da democracia ateniense, como a eleição de magistrados por sorteio; preferiu morrer a abandonar Atenas quando foi condenado. Se pudermos confiar naqueles que melhor o conheceram, a piedade pessoal de

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Sócrates era exemplar, mas sua disposição de questionar toda crença tradicional deve ter encorajado aqueles que, como Crítias e

Alcibíades, riam das crenças religiosas populares. Duas marcas do caráter de

Sócrates parecem fora de controvérsia e são amplamente atestadas por nossas fontes antigas: sua coragem e sua integridade pessoal. Sócrates demonstrou sua coragem na guerra e no julgamento e mostrou sua integridade (o que

Xenofonte chama de liberdade) tanto por se recusar a ensinar em troca de dinheiro quanto pela recusa a comprometer seus padrões quando sua vida estava em perigo.

Sócrates era, sem dúvida, uma pessoa complexa. Não teria podido atrair seguidores do quilate de

Xenofonte e Platão se não fosse um homem virtuoso, de profunda seriedade moral; não teria podido atrair seguidores como Alcibíades se não fosse um pouco iconoclasta. Além disso, a virtude de Sócrates deve ter parecido algo enigmático mesmo a seus admiradores. Era apresentada em ações, não em palavras; assim como Xenofonte faz Sócrates dizer a

Hípias, “demonstro meu

conhecimento da justiça por meio de minha conduta” (Mem. IV4.10).

Inquestionavelmente, os companheiros de Sócrates eram atraídos a ele por conta do modo como levava sua vida. Porém, que explicação teórica da virtude, se acaso há alguma, está por trás de sua conduta? Tem Sócrates algo como uma filosofia moral?

Nossas fontes são concordantes quanto ao fato de Sócrates estar primariamente interessado em questões morais. São discordantes somente se estava exclusivamente interessado nelas. Aristófanes

apresenta Sócrates como um professor do “argumento justo e injusto”, visões rivais da conduta humana, mas também como um investigador científico. Xenofonte nos dá um Sócrates interessado em uma grande variedade de tópicos, incluindo táticas militares e arte de plantar, assim como a ética; parece razoável supor, contudo, que os primeiros dois tópicos representam antes os interesses de Xenofonte que os de Sócrates. Platão e Aristóteles o descrevem como primariamente um moralista, mas Aristóteles também atribui a Sócrates um interesse teórico na definição e no argumento indutivo (Metaph. XIII.4, 1078b27-9), e Platão atribui a ele teses sobre a alma.

Hugh H. Benson 63 de 711 Todas as nossas fontes

concordam novamente a respeito do método primário de investigação de

Sócrates: ele filosofava fazendo questões. Sem dúvida, parte da controvérsia sobre as doutrinas de

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