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A Igreja na perspectiva da Teologia da Libertação

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4 CAPÍTULO IV AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:

4.4 Igreja: na perspectiva das teologias

4.4.1 A Igreja na perspectiva da Teologia da Libertação

De acordo com os irmãos Boff, a Igreja não deixa de ser um mistério de fé por herdar na história o mistério de Cristo e de seu Espírito e por nela encontrar o Reino, sua expressão consciente e institucionalizada. Além disso, os autores afirmam que ela é ao mesmo tempo divina e humana, pois participa da fraqueza de todo o homem e da glória de todo o divino (BOFF, C.; BOFF, L., 2010).

Comblin (2003) afirma que, se a Igreja não girar ao redor do pobre, ela perde a razão de ser, o seu caráter e a sua missão, ou seja, a igreja somente será verdadeira se for pobre e para os pobres. Além disso, de acordo com Comblin, ela será julgada pela maneira de tratar os pobres. Gutiérrez concorda com esse autor, ao descrever a influência do Concílio do Vaticano II para a Igreja na América Latina no CELAM II, e chega à conclusão que a Igreja quer se apresentar com o rosto de uma igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e audazmente comprometida na libertação de todo homem e de todos os homens (GUTIÉRREZ, 1985).

Dessa forma, para a Igreja ser pobre, para os pobres e entre os pobres, os irmãos Boff afirmam que as comunidades eclesiais de base foram afloradas e criaram algo novo e fundamental:

Nestas comunidades os cristãos foram descobrindo a comunhão como valor teológico estruturador e estruturante da igreja. Mais que uma igreja-instituição, organizada como uma sociedade perfeita e estruturada piramidalmente, a igreja deve ser a comunidade dos fiéis que vivem em relações fraternas de participação, de amor e de serviço. Nestas comunidades se propicia melhor o encontro entre fé e vida, evangelho e sinais dos tempos, captados comunitariamente, a superação do anonimato das grandes paróquias e o testemunho mais transparente do compromisso cristão. Foi assim que surgiu uma vasta rede de comunidades eclesiais de base dentro da qual se encontram cardeais, bispos, sacerdotes, a vida religiosa e as várias expressões do laicato (BOFF, C.; BOFF, L., 2010, p. 84).

De acordo com Gutiérrez (2000), a igreja deve ser o sinal visível da presença do Senhor na aspiração pela liberdade e na luta por uma sociedade mais humana e justa. Só assim a Igreja tornará crível e eficaz a mensagem de amor de que é portadora, para os irmãos Boff essas comunidades espalhadas em várias partes da América Latina são a melhor expressão simbólica da libertação no reino vindouro que o povo de Deus já viveu.

Segundo Comblin, existe um movimento que tem sua origem no Pai e chega ao mundo vindo da atenção que se dá ao outro. É nesta dinâmica que acontece o ser Igreja:

Na Igreja de Jesus Cristo, a unidade deriva do movimento que procede do Pai e se estende ao mundo. Cada membro é um elo numa corrente. Cada um recebe de outro; o amor do Pai manifestado no Filho comunica-se a cada um pela mediação de outros. Cada um permanece atento ao outro de quem procede a manifestação de Jesus Cristo; a unidade procede da vontade de receber fielmente e da atenção ao outro. Pois não recebemos a luz de Cristo do nosso semelhante como um eco da nossa própria consciência, e sim do estrangeiro, (Jesus), que nos fala a partir de outra linguagem e nos obriga a sair das nossas fronteiras pessoais. Por outro lado, a unidade procede também do movimento para os outros, para o mundo, para todo homem, caracterizado justamente como outro. A unidade procede da vontade de sair da própria personalidade para buscar o encontro com o outro que é diferente e na sua diferença, sem o obrigar a entrar na nossa diferença. A unidade procede dessa dupla explosão das fronteiras: as fronteiras que nos separam da origem e as que nos separam do destino final. A unidade procede da dupla fidelidade ao Pai e ao mundo numa submissão à corrente que passa. Trata-se de uma unidade de circulação de transmissão. A autoridade procede do Pai, origem de todo o movimento e os dirigentes não são outra coisa a não ser os incentivadores do movimento e os guias da autenticidade (COMBLIN, 2000, p. 9).

Pode-se notar que através do movimento surge a unidade, pois ela somente pode acontecer se a Igreja se tornar a companhia dos discípulos de Cristo, ou seja, o povo de Deus, que está em movimento, denominado Reino de Deus, sabendo que não haverá lugar confortável, mas sim situações de dificuldades, onde as atitudes dos discípulos serão a resposta vivenciando a importância do outro e respeitando a diferença que existe entre as pessoas ao ponto de cooperar em todas as necessidades, e assim, realizando o Reino de Deus. Desta forma, possibilita afirmar, como faz Galilea (1979), que o cristão tem a obrigação não só de constatar

as misérias e injustiças, mas também buscar suas causas para resolvê-las dentro do que é possível.

Para Gutiérrez (2000), esse deslocamento se torna a missão da igreja na América Latina se se divide em três ações claras e que são demonstradas no movimento assumido pelos cristãos de sair de sua realidade e ir ao encontro do próximo para trazer unidade do corpo. Logo, a primeira ação está ligada à celebração da eucaristia que tem um significado da união do povo com Deus e com o próximo – fraternidade – que supõe a abolição de toda a injustiça e exploração, ou seja, a eucaristia é crer na vontade de Deus de dar todos os bens da terra para que construamos um mundo mais humano.

Na prática, Gutiérrez afirma que sem um real compromisso contra a espoliação e a alienação, em favor de uma sociedade solidária e justa, a celebração eucarística é um ato vazio. Ou seja, essa celebração precisa se deslocar da celebração para uma ação fraterna e verdadeira, onde os cristãos se tornam irmãos em uma sociedade mais justa. A segunda ação é a denúncia e anúncio. Conforme o autor, na América Latina, ser igreja hoje quer dizer tomar uma posição clara com relação à atual situação de injustiça social e do processo revolucionário que procura revoga-la e forjar uma ordem mais humana (GUTIÉRRZ, 2000). Desta forma, se observa que para a TdL faz parte da missão da igreja escolher a posição que ela precisa estar, se de verdade quer exercer sua missão de denunciar e anunciar o evangelho encarnacional, ou seja, a igreja precisa assumir as dificuldades dos explorados e oprimidos deste continente.

Para que isso aconteça, a igreja deve fazer denúncia profética de toda situação desumanizante, contrária a fraternidade, à justiça e à liberdade; criticando ao mesmo tempo toda sacralização das estruturas opressoras. Essa denúncia para Gutiérrez não pode ser abstrata, e sim, através de gestos. De acordo com ele, essa denúncia é feita confrontando uma situação com a realidade que se anuncia:

O amor do Pai que chama a todos os seres humanos, em Cristo, e pela ação do Espírito Santo, à união entre si e à comunhão com ele. Anunciar o evangelho é proclamar que o amor de Deus está presente no devir histórico da humanidade, é fazer saber que não há ato humano que não se defina, em última instância, diante de Cristo. Pregar a Boa Nova é, para a Igreja, ser sacramento da história, cumprir seu papel de comunidade- sinal da convocação de todos por Deus. E anunciar a chegada do Reino (GUTIÉRREZ, 2000, p. 329).

A terceira ação da missão da igreja, para Gutiérrez, é a fraternidade e luta de classes. Desta forma, ele descreve que existe um enfrentamento entre os seres humanos, esse enfrentamento não pode ser aceito e se deve buscar a superação dessas oposições. O conflito ou a luta de classes é a continuidade desse enfrentamento violento e uma realidade que ninguém

pode negar na América Latina. Por isso, a igreja desse continente, por reconhecer o conflito existente e que a igreja deve exercer o amor fraternal, fez uma opção decisiva que é a opção pelos pobres. Essa decisão implica se opor a certos grupos humanos, rejeitar determinados fatos, encarar hostilidades. Mas esse assunto deve ir para além das reflexões, e assim, Gutiérrez explica que:

Essas tensões, que podem chegar a conflitos muito agudos, são o cotidiano na América Latina. E nos levam muitas vezes a situações-limites, frente às quais a reflexão teológica procede por tateios e buscas. Mas a delicadeza do assunto não justifica uma abordagem que esqueça as exigências universais do amor cristão e da comunhão eclesial (GUTIÉRREZ, 2000, p. 339).

Para o autor, apesar do conflito existente, deve-se recusar a presença de ódio à violência entre as pessoas, então se faz necessário empenho no estabelecimento da paz e da justiça entre todos. Se há convicção de que a paz supõe a instauração da justiça, não se pode permanecer passivos ou indiferentes quando os direitos humanos mais elementares estão em jogo. Por isso, Gutiérrez (2000) afirma que não é possível permanecer neutro diante da situação de pobreza e das consequentes e justas reivindicações dos que a sofrem.

Nota-se, com essas ações, que os pobres estão no centro da discussão; uma igreja que se faz a partir e em função dos pobres e que encontra neles seu princípio de estruturação, organização e missão. E isso marca e determina radicalmente a Igreja em sua totalidade: “quando os pobres se tornam o centro da igreja, eles dão direção e sentido a tudo o que legitimamente e necessariamente constitui a realidade concreta da igreja: sua pregação e ação, suas estruturas administrativas, culturais, dogmáticas, teológicas etc.” (SOBRINO, 1982, p. 103).

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