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Concílio Vaticano II: inspiração e abertura para uma TdL Latino-Americana

No documento Download/Open (páginas 86-90)

O Concílio Vaticano II foi importante para a formação da TdL, pois o próprio João XXIII colocou a importância dos pobres e afirma que a igreja precisa ser pobre. Com isso, os teólogos latino-americanos tiveram liberdade de iniciar um pensamento a partir de seus próprios contextos.

Os Concílios são momentos de revisão, afirmação e transmissão da tradição da igreja feita pelo Magistério da Igreja Católica que, em seu “múnus” de ensinar, exerce o mandato evangélico de levar a mensagem das boas novas a todos os povos, (PASSOS, 2014). Com a morte de Pio XII em 1958, o cardeal Angelo Giuseppe Roncalli assumiu, aos setenta e sete anos, o papado com o nome de João XXIII. Com a assunção desse “Papa bom” – como era chamado pelo povo – uma nova era teve início para a Igreja Católica, pois ele percebeu o processo de mudança social que havia se acelerado a partir da Segunda Guerra Mundial. Segundo Izquierdo:

João XXIII teria – em parte como fruto de seus trinta anos de experiência diplomática – uma percepção pessoal dos fermentos e sintomas de mudanças em situação mundial e em relação com essa mudança considerou – quando ninguém esperava – a oportunidade de convocar o concílio. O papel da Igreja neste tempo e a doutrina do concílio em assuntos socialmente relevantes (particularmente, a liberdade religiosa, seus pronunciamentos a favor da paz, o ecumenismo e a doutrina social) tiveram consequências de longo alcance (IZQUIERDO, 2012, p. 19, trad. nossa).

O Papa João XXIII percebeu o imperativo de um “aggiornamento28” ao se colocar

disposto para discutir o diálogo da igreja com o mundo moderno. Com isso, em 25 de janeiro de 1959, na mesma época que Fidel tomou Cuba, ele anunciou a necessidade de um Concílio denominado Vaticano II. Contudo, o mesmo somente aconteceu entre 11 de outubro de 1962 e 8 de dezembro de 1965. No discurso de abertura, o Papa denominou o evento como sendo o “novo pentecostes” e ao comunicar a intenção de convocar um Concílio assim se expressou: “Foi uma surpresa, uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e no coração”. E afirmou que os Concílios são a “celebração solene da união de Cristo com sua Igreja”. Esse Concílio foi, sem dúvida, o maior acontecimento eclesial católico do século XX. Não havia uma reunião semelhante desde 1870, quando se declarou o dogma da infalibilidade

28Aggiornamento: termo italiano que significa “atualização”. Esta palavra foi orientação chave dada como objetivo

para o Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII. Em outras palavras, o aggiornamento é a nova apresentação dos princípios católicos ao mundo atual e moderno, sendo por isso um objetivo fundamental desse Concílio.

papal. Alguns, sobretudo, pensavam que outro concílio era desnecessário, uma vez que o Papa poderia falar sobre todo assunto de fé e prática da forma que desejasse.

Houve, nessa ocasião, uma transição papal, pois João XXIII foi acometido por um câncer de estômago e morreu em 03 de Junho de 1963. Em 21 de junho de 1963, foi eleito o Cardeal Giovanni Battista Montini, que tomou o nome de Paulo VI. Seu primeiro documento oficial, lançado em 06 de agosto de 1964, teve como tema “a Igreja e o grande espaço ao diálogo”. Esse diálogo deveria ser efetuado dentro da Igreja Católica e fora dela com todos os homens.

O documento escrito pelo Papa Paulo VI no decorrer do Concílio definiu três círculos de relacionamento que a Igreja deveria ter. O primeiro círculo seria com o mundo que se denomina cristianismo, isto é, um diálogo ecumênico. O segundo círculo seria os que creem em Deus, incluindo o povo hebreu, os mulçumanos, e os seguidores das grandes religiões afro- asiáticas. O terceiro círculo seria dialogar com todos os seres humanos que se determinam sem religião e também os ateus. A participação dos bispos latino-americanos (601 participantes) no Concílio em questão pode ser considerada em certo ponto de vista como teologicamente nula. Isso era explicável dado o grau de imaturidade da reflexão teológica no continente desde o início do século (DUSSEL, 1981, p. 180). No entanto, este encontro cooperou para que representantes do Terceiro Mundo se conhecessem e se reunissem, em 31 de Julho de 1966, para elaborar um documento denominado “Mensagem dos bispos do Terceiro Mundo”, em que se declara: “Os povos do Terceiro Mundo constituem o proletariado do mundo atual”. Dussel diz que esse documento influenciaria o encontro de Medellín (DUSSEL, 1985, p. 80). Em 26 de Março de 1967, o pontífice publica sua encíclica denominada “Populurum progressio”, que trata do desenvolvimento dos povos e que, com certeza, influenciou o pensamento dos teólogos latino-americanos.

Bonino acreditava que era necessário interpretar a visão que o Concílio tinha sobre a sociedade, pois essa interpretação ajudaria a entender melhor a abertura dada aos teólogos latino-americanos da TdL. Para o teólogo, o documento que detalhou essa visão foi a Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Moderno:

Uma antropologia que reconhece a integridade, subjetividade e autonomia de decisões da pessoa – se bem a fundamentando, às vezes de modo neotomista, às vezes em base à antropologia transcendental de Rahner, em uma relação do homem com Deus; o reconhecimento da autonomia do secular; a ciência, a arte, a economia, a política, como âmbitos de livres decisões e criações do homem mediante sua razão e juízo. Consequentemente, a distinção entre um âmbito mais restrito de competência eclesiástica e um ampliar da competência secular (onde se dá lugar a um legítimo pluralismo religioso) (BONINO, 1974, p.88).

Como consequência dessas premissas, se concebeu a relação da Igreja com a sociedade como um diálogo, em que a primeira se inseriu mediante sua concepção do homem – e, portanto das distintas atividades e agrupamentos humanos – na consideração dos problemas atuais, respeitando as instâncias técnicas e dialogando com as filosofias e as ideologias (BONINO, 1968).

O Concílio serviu também para aperfeiçoar as dimensões fundamentais da fé católica, com temas específicos, tendo o reino de Deus como objetivo central das discussões. Nessas reuniões se formularam quatro constituições dogmáticas: A primeira é a Dei Verbum, que coloca com renovada consciência a palavra de Deus no centro da vida da igreja. A segunda, a

Sacrosactum Concilium, ensinou a dar a Deus o verdadeiro culto vivendo o sacerdócio da nova

Aliança. A liturgia ajuda a todos como comunidade a entrarem na intimidade do mistério, para captarem a beleza da adoração à Trindade (WHITEHEAD, 2009).

Galdium et spes, a terceira constituição, é considerada a mais longa, possui uma nota

que explica o significado pastoral da constituição: Tem esse nome porque sobre a base de princípios doutrinais querem expor a atitude da Igreja na relação com o mundo e com os homens de hoje. O caráter pastoral se refere especialmente para a segunda parte da Gaudium et epes, mas na nota se afirma claramente a intenção pastoral e doutrinal de todo o documento (IZQUIERDO, 2009, p. 29). Além disso, é possível afirmar que este documento reforçou o apoio à prática de cuidar dos pobres do mundo e abriu a porta para o pensamento contextualizado na América Latina. Mas, para Gutiérrez, foi somente um começo, uma descrição um pouco irônica da situação humana (GUTIÉRREZ, 1975).

Por último, a quarta constituição, a Lumen Gentium, é aquela que se dedica ao mistério da Igreja e é um dos documentos mais significativos do Concílio. Nela, tornou-se evidente a chamada “virada copernicana”, que se consistiu no fato de o capítulo sobre o Povo de Deus anteceder o capítulo da hierarquia da Igreja, o qual Ressaltou, com efeito, o sacerdócio comum dos fiéis (ALVES, 2017). Segundo Libânio (2004), tal inversão não se tratou de algo puramente redacional, mas teológico-simbólico e assim, essa virada cooperaria para o futuro da eclesiologia. Alguns elementos do Concílio deram sustento direta e indiretamente à TdL. São eles: A natureza e missão da igreja, o ecumenismo e a liberdade de fazer teologia sem influência da hierarquia Romana.

Na constituição pastoral sobre a igreja no mundo atual (Gaudium et spes) há os pormenores sobre a responsabilidade social cristã. A igreja pode ajudar o homem a descobrir o sentido de sua própria existência, de sua dignidade e de morte. A igreja rejeita toda a forma de

escravidão, cuja raiz está no pecado; adverte que todo talento humano deve estar a serviço de Deus e ao bem da humanidade; proclama os direitos humanos, ao mesmo tempo em que se opõe a uma falsa autonomia do homem entre os indivíduos e entre as nações29; reconhece o valor positivo que há na atual dinâmica social; defende a dignidade do trabalho e os direitos dos trabalhadores e denuncia as injustiças na ordem social. O documento afirma:

Enquanto imensas multidões faltam o estritamente necessário, alguns, até mesmo nos países menos desenvolvidos vivem na opulência e desperdiçam sem consideração. Assim, o luxo está repleto de miséria. Por isso, são necessárias muitas reformas na vida socioeconômica e mudança de mentalidade e de hábito em todos30.

Logo, pode-se afirmar que diante de sua grande responsabilidade social, econômica, política, familiar, social e internacional nada fica alheio à Igreja, e em todas essas esferas ela deve cumprir sua missão. Na renovação da constituição pastoral sobre a liturgia implicou, entre outras coisas, a realização da missa nos idiomas vernáculos e a simplificação da Palavra e ao canto comunitário. Se várias leituras dessa renovação foram marcantes, para Bonino elas representavam uma verdadeira mudança de mentalidade, uma nova perspectiva, uma decisiva abertura a um mundo novo, é a dimensão crucial do aggiornamento (BONINO, 1967, p. 11).

Finalmente, a realização do Concílio Vaticano II veio a corroborar com os anseios dos cristãos na América Latina por uma atuação da Igreja mais comprometida e envolvida com a transformação das estruturas sociais de injustiça, o que foi denominado de “pecado estrutural”. Para Gibellini, o Concílio cooperou, não somente como ponto de chegada, mas, também, como ponto de partida para uma nova consciência de ser Igreja.

O Concílio Vaticano II pode ser visto como ponto de chegada de um longo processo, em que a fé procurava dar respostas aos desafios da época moderna [...]. Na América Latina, o Concílio não funcionou apenas como ponto de chegada, mas também como ponto de partida de uma nova consciência de ser Igreja. De acordo com esta análise, a Igreja latino-americana realizou uma “recepção criativa” do Concílio à luz da realidade latino-americana, na perspectiva dos pobres a solidariedade como o homem de hoje torna-se solidário com os pobres, e a teologia que acompanha com reflexão este caminho é a TdL (GIBELLINI, 1988, p. 369).

Para Comblin, um dos méritos do Vaticano II foi o de ter afirmado claramente o caráter missionário da Igreja. Ele diz que:

A Igreja é essencialmente missionária. Esta natureza não era clara em meio à rotina de uma igreja profundamente instalada nas nações católicas de antiga cristandade

29 Decreto 8 artigo 41 e 42 da constituição Gaudim et spes. 30 Decreto71 da constituição Gaudim et spes.

medieval. Os missionários queixavam-se que as missões eram consideradas uma atividade secundária, à margem da Igreja. De fato, havia grande ignorância a respeito da missão em toda a cristandade. As atividades missionárias eram atividades de especialistas, completamente separadas da pastoral corriqueira das dioceses. As missões não influíam na marcha geral da Igreja. Ao proclamar que toda a Igreja é essencialmente missionária, o Concílio colocava um ponto final no isolamento dos missionários e das missões e também na instalação estática das Igrejas centrais em seu espaço geográfico tradicional. Não haveria mais duas pastorais, mas apenas uma (COMBLIN; PAPE, 1985, p. 35-36).

Gutiérrez segue a linha do pensamento acima afirmando que o Vaticano II ofereceu um novo caminho a ser explorado na sensibilidade à igreja como sendo o sacramento da salvação universal, um sinal visível da presença do Senhor na luta pela libertação de uma sociedade justa.

2.5 Encontro em Chimbote, Peru: a rejeição de uma teologia hegemônica e a proposta da

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