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Conferência no Panamá (1916): Uma resposta a Edimburgo

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3.2 Os primeiros passos para o surgimento da TMI

3.2.1 Congressos antecedentes ao CELA I (1949)

3.2.1.2 Conferência no Panamá (1916): Uma resposta a Edimburgo

O CCLA promoveu uma Conferência no Panamá e convidou as organizações missionárias com a intenção de demonstrar que o encontro seria para a cooperação e não para imposição de um meio de ideias norte-americanas. Em 10 de fevereiro de 1916, contou com a participação de aproximadamente 235 delegados de 44 organizações missionárias norte-

42 Robert E. Speer (1867-1947): Presbiteriano leigo e líder do movimento missionário no início do século XX.

Speer é uma das vozes que justifica e legitima a presença e atividades missionárias na América Latina e Caribe. Do mesmo calibre que Mott, Speer foi um administrador e visionário do movimento missionário, participando de forma marcante e significativa nas conferências mundiais de missão até 1938. Speer é um dos arquitetos do movimento missionário na América Latina. Sua visão de missão para o continente está caracterizada nos trabalhos

The Case for Mission in Latin America (1912) e South American Problems (1915), os quais antecedem a primeira

americanas, uma canadense, uma britânica e 145 delegados que viviam na América Latina, mas somente 21 delegados eram nascidos no continente. Eles permaneceram durante dez dias discutindo e elaborando estratégias de missão para o continente latino-americano.

Apesar do número ínfimo de origem latino-americana, o congresso discutiu oito temas relevantes para o desenvolvimento da missão no continente: ocupação dos campos, da mensagem, da educação, da literatura, da mulher, da igreja sobre o terreno, da missão doméstica, da cooperação e promoção da unidade (HOGG, 1954, p. 159).

Com relação a esses temas, Gonzalez afirma: “Alguns latino-americanos consideraram esses acordos uma expressão da atividade imperialista dos conselhos de missões, além disso, afirmaram com relação ao acordo do loteamento territorial como se fosse deles” (GONZALEZ, O.; GONZALES, J., 2010, p.351). A despeito dessas impressões citadas por Gonzalez, Braga (1917) demonstrou ver o impulsionamento dos protestantes latino-americanos no congresso ao afirmar em seu relato: “em toda a América Latina, particularmente no evangelismo, de criar um ministério e uma igreja identificados com a vida nacional, impulsiona o protestantismo”.

Afirma-se, portanto, que essa conferência foi o primeiro momento de tomada de consciência da realidade de um protestantismo latino-americano. Em primeiro lugar, marca o início dos esforços da unidade e cooperação que estimulariam diversas classes de reflexão teológica em diferentes níveis no continente. Deve-se observar também a influência desse congresso em direcionar a teologia evangélica latino-americana no século XX. Com isso, o congresso foi à busca de acordos enquanto uma variada quantidade de temas concernentes à teologia, ao ministério e missões no contexto do continente. Estes intentos cooperaram com a imersão do movimento ecumênico latino-americano (SHWINDT, 1991). Em segundo lugar, surge uma contradição sobre o trabalho social. Alguns evangélicos advogavam e apostavam em um envolvimento social maior dos cristãos, e outros suspeitavam do chamado evangelho social. Bonino denominou essa dicotomia como uma postura “conservadoramente progressista” (BONINO, 2000, p. 19).

Em terceiro lugar, a educação recebe uma atenção e promoção. Com essa ação, os delegados afirmam com segurança que a educação é o meio de se crescer socialmente. Nesse congresso foram feitas várias observações, desde o analfabetismo no continente até as escolas missionárias com objetivo de ensinar técnicas agrícolas, industriais para a melhoria da economia dos povos43. Em quarto lugar, o congresso aumenta a confiança e alcança um impulso

43 Para mais detalhes dessas observações veja: BRAGA, Erasmo, Pan-americanismo: aspecto religioso o relatório e interpretação do Congresso de ação cristã na América Latina reunido no Panamá de 10 a 19 de fevereiro de 1916, p. 145-146.

do movimento evangélico como um todo. As missões chegaram a ter um quadro geral do trabalho protestante na América Latina (NELSON; KESSLER, 1980). Os resultados indiretos dessas ênfases na educação foram: o movimento juvenil na década de 30 e o movimento estudantil universitário após alguns anos (SICLAIR, 1994).

No entanto, deve-se deixar claro que esse congresso foi de cunho estrangeiro, tendo em vista que a língua oficial era o inglês e o evento traçou a mesma linha de pensamento de Edimburgo. Juan Kessler e Wilton M. Nelson destacam duas razões importantes para a ocorrência do encontro:

A exclusão da América Latina pela Conferência de Edimburgo significava que a obra protestante naquela parte do mundo estava recebendo muitas influências de missões que não guardavam relações alguma com o movimento ecumênico. Ao mesmo tempo, a exclusão da América Latina pela conferência de Edimburgo indicava que as igrejas protestantes históricas, especialmente na Europa se mantinham na ignorância a respeito a este vasto campo e havia uma urgente necessidade de chamar a atenção acerca das necessidades deste esquecido continente (NELSON; KESSLER, 1980, p.12).

Bastian diz que, apesar de o congresso detectar algumas deficiências, tais como o materialismo e o agnosticismo no protestantismo que estavam sendo implantados na América Latina, surgiu algo relevante nesse encontro: a necessidade de se trabalhar unido em prol do continente. Foi assim que se deu o nascimento da proposta de se obter união na educação, começando pela educação teológica; união na publicação e em particular nos periódicos; e se unir através de uma divisão44 racional de território entre as diferentes organizações missionárias para se alcançar o continente com competência (BASTIAN, 1990).

Em relação à educação, o congresso diagnosticou o analfabetismo generalizado no continente e ainda que não dissessem nada de maneira explícita, pairava nas entrelinhas que a culpada por essa ignorância era a Igreja Católica Romana. A solução era muito simples: Educar a América Latina, porque dessa forma as pessoas deixariam o catolicismo e se tornariam protestantes (LONGUINI, 2002).

Além disso, se pontuou a necessidade de as organizações missionárias evangelizarem as classes mais abastadas do continente, pois até aquele momento o objetivo dessas organizações era a evangelização dos pobres. Longuini, citando Nelson e Kessler, declara a intenção dessa estratégia:

44 A ideia é que as organizações missionárias deveriam estar unidas para que o continente pudesse ser alcançado,

mas para isso acontecer o território deveria ser dividido entre as mesmas, e com isso, cada organização teria uma região para trabalhar.

Os autores lembraram ainda que o grande propósito do congresso foi motivar os missionários para que enviassem mais esforços na evangelização das elites cultas da América Latina e demonstraram como essa opção trouxe uma inversão da prática que, até então, havia sido corrente entre as igrejas do protestantismo latino-americano (LONGUINI, 2002, p. 96).

Bastian (1990) confirma tal inversão no objetivo da missão, mas diz que o congresso impulsionou o movimento evangélico continental que marcou os princípios de um trabalho protestante com a consciência de sua finalidade. Tratava-se de alcançar não somente os pobres, mas as classes mais cultas, de propiciar uma evangelização entre os índios, de abrir espaço para a mulher na sociedade e de desenvolver Igrejas autossustentáveis com liderança nacional.

O Congresso do Panamá, ainda que com muitos equívocos expostos por Longuini45, deu um sentido de identidade e de solidariedade a um protestantismo latino-americano emergente. Nelson também aponta as dificuldades desse congresso, mas afirma que foi um marco para a história do protestantismo latino-americano:

Os organizadores do congresso erraram ao não levar em conta o latino-americano, não obstante, este encontro foi um marco importantíssimo na história do protestantismo na América Latina. Deu um grande impulso ao movimento evangélico nascente e débil (NELSON, 1980, p.33).

Finalmente, esse congresso foi considerado um acontecimento que marcou uma nova era no tocante à presença e expansão do protestantismo na América Latina. Representou o final de um período cuja presença da Igreja Católica fez crer que, por ser um território já ocupado pelo cristianismo, o trabalho das instituições missionárias protestantes era estranho e ilegítimo (PIEDRA, 2009). Para as grandes sociedades missionárias, o congresso significou o começo de um esforço consciente para estender seu trabalho ao longo do continente latino-americano, como nunca havia sido feito. Além disso, pode-se afirmar que se pregava a conversão espiritual e o progresso material dos indivíduos. Aparecem entre os grupos evangélicos alguns sinais de cooperação. Além do congresso do Panamá, o CCLA organizou outros dois eventos importantes: A Conferência de Montevidéu (1925) e Havana (1929).

Na conferência de Montevidéu, iniciou-se uma sucinta tensão entre os protestantes em dois temas específicos. Um deles foi acerca da relação com o catolicismo em função do “status teológico46”, pois alguns protestantes fundamentalistas afirmavam a diferença entre eles de uma

45 Para mais detalhes destes equívocos veja: LONGUINI, Luiz Neto, O novo rosto da Missão: Os movimentos

ecumênico e evangelical no protestantismo latino-americano, Viçosa, MG: Ultimato, 2002, p. 93-99.

46 “Status Teológico” para os fundamentalistas protestantes queria dizer que a Igreja Católica com a qual diferia

forma ofensiva. O outro tema abordado foi a atitude para com o liberalismo teológico, discutido às vezes como conflito de opções prioritárias pela evangelização ou pela ação social, como crítica ao evangelho social ou na própria definição do evangelho (BONINO, 2003, p. 44). No entanto, Bonino nos diz que essa conferência obteve êxito por sua declaração em relação à responsabilidade social da igreja.

A perspectiva do congresso era otimista: América Latina confronta os problemas que se apresentam no caminho a uma convivência mais justa e a uma sociedade mais livre e próspera e as igrejas evangélicas contribuem mediante a elevação do homem por sua pregação, ensinamento e mediante seu serviço para sociedade na obra médica, educativa e social em geral... As exigências que asseguram justiça para as leis do trabalho, liberdade de vida democrática, educação para todos, são partes inseparáveis da responsabilidade religiosa (BONINO, 1973, p. 183, trad. nossa).

Na conferência de Havana pode-se ver a liderança latino-americana assumindo a responsabilidade com um número expressivo no congresso, porém, ainda com investimento norte-americano. Para Longuini, esse congresso foi o fim de um ciclo e o início de outro:

Dentre outros aspectos pode-se afirmar claramente que o Congresso de Havana rompeu com certa hegemonia norte-americana sobre os latino-americanos. Foi o término e o início de um processo. A proposta foi aprovada no final do congresso, que afinal parecia mais um sonho de unidade (LONGUINI, 2002, p. 195).

O espírito ecumênico se destacou nas palestras, mas foram discutidos vários temas sobre educação teológica, solidariedade, ação social e o desenvolvimento de literaturas cristãs. A participação da liderança evangélica de origem latino-americana foi paulatinamente aumentando e o trabalho do CCLA se refletiu em inúmeros aspectos do trabalho evangélico. Escobar afirma que a efervescência teológica crescia no protestantismo latino-americano citando o surgimento de seminários, editoras e entidades paraeclesiásticas:

Assim, na educação teológica foram surgindo os “Seminários Unidos” do México,

Matanzas no Chile, Porto Rico e Buenos Aires. Na Literatura surgiram revistas como La Nueva Democracia e editoras como La Aurora e Casa Unida de Publicaciones.

Ao mesmo tempo foram surgindo entidades paraeclesiásticas como Movimento Estudantil Cristão (MEC), as Associações Cristãs de Jovens (YMCA) e anos mais tarde a União latino-americana de Juventudes Evangélicas (ULAJE) (ESCOBAR, 1987, p. 51, trad. nossa).

No congresso do Panamá, deve-se destacar o nascimento do movimento ecumênico que se desenvolveu no decorrer dos outros congressos supracitados e que tomou um caminho aliançado com o CMI, no qual o movimento do ISAL se fortaleceu, como foi possível notar anteriormente.

Pode-se afirmar que, entre o congresso de Havana, em 1929 e o CELA I, em 1949, houve alguns eventos importantes que mudaram o panorama do protestantismo latino- americano (NELSON, 1989). Em primeiro lugar, as missões de fé e igrejas provenientes de denominações fundamentalistas e pentecostais começaram a crescer de maneira inusitada, devido principalmente a sua ênfase na evangelização. A teologia dessa cooperação era evangélica e não tinha simpatia pelo ecumenismo (ROBERTS, 1978). Apesar de seu crescimento e de sua influência – que permanece até hoje – essas igrejas quase não desenvolveram uma teologia formal própria e se limitaram a sustentar as doutrinas das igrejas mães, dos Estados Unidos, pregando uma mensagem salvífica individual de conteúdo escatológico.

Em segundo lugar, os ataques aos liberais se manifestaram de maneira mais franca. Assim, as igrejas teologicamente fundamentalistas começam a expressar sua rejeição ao movimento ecumênico por algumas razões, como: a abertura ao diálogo com a Igreja Católica, sua tendência a aceitar as conclusões do liberalismo teológico e a simpatia a trabalhos sociais ou para a manifestação teológica mais representativa ao evangelho social.

Em terceiro lugar, se organizava o CMI, no qual não tiveram uma presença importante dos evangélicos latino-americanos. A tendência desse organismo é teologicamente liberal. Naquele tempo, surgiu o antiecumenismo representado por Carl McIntire e o Concílio Internacional de Igrejas Cristãs. Parecia que o cenário estava pronto para o que Bastian denominou como “atomização do protestantismo” (BASTIAN, 1986, p. 135, trad. nossa). O movimento estava adotando uma identidade múltipla, o que, às vezes, gerava conflitos internos.

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