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4 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO

4.3 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DOS ANIMAIS NÃO

Tradicionalmente os não humanos são considerados pelo ordenamento jurídico como objetos de direito (coisas). O entendimento de que são bens móveis vem sendo desmistificado para uma concepção que lhes confere direitos e o reconhecimento de interesses. A mudança é verificada por meio de decisões judiciais que caminham para uma reflexão acerca

191 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 351, de 2015. JUSTIFICAÇÃO. Disponível em: <encurtador.com.br/eU129>. Acesso em: 26 maio 2018.

192 FAUTH. Juliana de Andrade. Sujeitos de Direitos Não Personalizados e o Status Jurídico Civil dos Animais Não Humanos. 2016. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20802>. Acesso em: 25 maio 2018. 193 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 351, de 2015. JUSTIFICAÇÃO. Disponível em:

da categorização dos não humanos (objetos ou sujeitos de direito), ou ainda, para ambas as hipóteses.194

O movimento em prol da defesa dos não humanos, com o passar do tempo, subdividiu-se em duas ramificações: de um lado os que buscam garantir os direitos dos animais e de outro, os que resguardam seu bem-estar. O primeiro grupo acredita que os não humanos devem ter prerrogativas legais como os humanos (à vida, à liberdade e ao não sofrimento). Já o segundo pressupõe ser aceitável que sejam utilizados pelos humanos, desde que sofram o mínimo possível, e que os benefícios a outros seres (humanos ou não humanos) sejam maiores que o sofrimento do animal. Apesar das divergências, ambos concordam que os animais devem ser protegidos.195

Os interesses das pessoas são considerados superiores aos dos animais, mesmo aqueles tidos banais (embelezar-se ou divertir-se), ainda que o interesse destes sejam os de viver e não sofrer. Os animais estão sob o domínio dos humanos como objeto de propriedade. A maior parte das pessoas não os distinguem de outras coisas, reduzindo-os à mercadoria ou à ordem dos “descartáveis”. É o proprietário quem decide o que faz ou deixa de fazer para conservar ou manter a “coisa”. Na relação homem-animal, o ser humano é o único sujeito, reconhecido, de direitos.196

No ordenamento jurídico brasileiro, o caput do art. 225 da CRFB/88 parece alcançar somente os seres humanos, destinatários por excelência do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Contudo, pode-se inferir do § 1º do VII da CRFB/88 outra interpretação, que confere aos não humanos um direito específico: não ser tratados com crueldade. A prerrogativa não está condicionada à conveniência humana e estabelece deveres diretos dos humanos com os não humanos, ou seja, os animais não devem ser tratados com crueldade na medida em que for útil às pessoas.197

Infere-se, ainda, do § 1º do VII da CRFB/88, que a lei deve regulamentar a Carta Magna, no sentido de determinar o que configura tratamento cruel, considerando a especificidade biológica e a sensibilidade de cada espécie animal. Surge dessa interpretação uma possível concepção constitucional dos não humanos como sujeitos de direito. Desse modo,

194 JESUS, Carlos Frederico Ramos de. O animal não humano: sujeito ou objeto de direito. Revista Diversitas – USP. 2016. n. 5. Disponível em: <encurtador.com.br/dhlxG>. Acesso em: 22 maio 2018.

195 CHUAHY, Rafaella. Manifesto pelos Direitos dos Animais. Rio de Janeiro: Record. 2009. p. 18-19 196 FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2014. p. 277-278

197 JESUS, Carlos Frederico Ramos de. O animal não humano: sujeito ou objeto de direito. Revista Diversitas – USP. 2016. n. 5. Disponível em: <encurtador.com.br/dhlxG>. Acesso em: 27 maio 2018.

é sujeito, ao menos, do direito de não receber tratamento cruel. Para a Carta da República o animal não equivale a uma coisa198, nos seguintes termos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1o Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os

animais a crueldade.199

Nessa mesma diretriz, Juliana Fauth observa que diversamente da concepção civil do animal como “coisa”, a Carta Magna, ao vedar práticas cruéis aos não humanos, garante- lhes direitos subjetivos e, via de consequência, reconhece a sua condição de sujeito de direito. A regra contida na Constituição Federal tem como destinatário o próprio animal e não as pessoas, a coletividade ou a até mesmo a fauna.200

Fundamental, ainda, correlacionar os dizeres de Daniel Braga Lourenço de que as normas proibitivas dos maus-tratos, abusos e crueldades são regras em que o objeto jurídico protegido é a incolumidade física e psíquica do animal e não em prol de um ambiente equilibrado ou do direito de propriedade.201

Para Sônia Felipe, o ordenamento jurídico prevê a classe das pessoas e das coisas. Coisas são consideradas objetos de propriedade e não possuem quaisquer interesses a serem considerados, de modo que são destituídos de direitos. O Direito, por sua vez, atribui personalidade jurídica e direitos a pessoas que não pertencem a espécie humana(empresas, por exemplo). A afirmação de que os animais não são sujeitos de direito, por não serem capazes de comparecer em juízo para reclamar seus interesses, merece ser revista. Pessoas jurídicas, certas entidades (massa falida, espólio, por exemplo) e menores de 16 anos não são capazes

198 JESUS, Carlos Frederico Ramos de. O animal não humano: sujeito ou objeto de direito. Revista Diversitas – USP. 2016. n. 5. Disponível em: <encurtador.com.br/dhlxG>. Acesso em: 27 maio 2018.

199 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 outubro de 1988. Disponível em: <encurtador.com.br/aKL25>. Acesso em: 27 maio 2018. Grifo nosso.

200 FAUTH. Juliana de Andrade. Sujeitos de Direitos Não Personalizados e o Status Jurídico Civil dos Animais Não Humanos. 2016. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20802>. Acesso em: 25 maio 2018. 201 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 509-510

pessoalmente, mas podem se fazer representar em juízo para defender seus interesses.202 É o que se depreende dos arts. 71 e 75 do Novo Código de Processo Civil:

Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei.

Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...]

V - a massa falida, pelo administrador judicial; VII - o espólio, pelo inventariante;

VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;203

Corroborando com o exposto acima, no enfoque de Edna Dias, ainda que os animais não possam comparecer em juízo, cabe ao Ministério Público, sob expressa competência legal representa-los quando seus direitos forem violados, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes.204

Daniel Braga Lourenço, na mesma linha de pensamento de Sônia Felipe e Edna Dias, propõe, para todos os efeitos, que os não humanos poderiam ser equiparados aos que “mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade” (art. 3º, III, CC/2002), de maneira a receber, por analogia, a tutela estatal na qualidade de absolutamente incapazes. Nessa vertente, denominada pelo autorde “personificação dos animais”, estes integrariam a categoria de pessoa, equiparados aos absolutamente incapazes.205

Heron José Santana ressalta o posicionamento de Hans Kelsen de que o animal é sujeito de direito, embora de uma relação jurídica secundária, pois não possuem capacidade de exercício, da mesma forma que os incapazes, na medida em que a capacidade de direitos e a de exercício não se confundem.206 Abaixo transcrição da obra de Kelsen:

O argumento de que os animais, plantas e objetos inanimados dessa forma protegidos não são sujeitos de direitos reflexos porque estes objetos não são “pessoas”, não colhe. Com efeito, “pessoa” significa, como veremos, sujeito jurídico; e se sujeito de um direito reflexo é o homem em face do qual deve ter lugar a conduta do indivíduo a tal obrigado, então os animais, plantas e objetos inanimados em face dos quais os indivíduos são obrigados a conduzirem-se de determinada maneira são “sujeitos” de

202 FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2014. p. 282-283

203 BRASIL, 2015. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 6. jun. 2018. 204 DIAS, Edna Cardozo. Os animais como sujeitos de direito. Revista Brasileira de Direito Animal. v.1, n.1, jan-abr/2006. p. 119-121. Disponível em: <encurtador.com.br/fjGJS>. Acesso em: 20 maio 2018.

205 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 483-494

206 SANTANA, Heron José. Abolicionismo animal. Instituto Abolicionismo Animal. Disponível em: <encurtador.com.br/ahsw4>. Acesso em: 30 maio 2018.

um direito a esta conduta no mesmo sentido em que o credor é sujeito do direito que consiste na obrigação (dever) que o devedor tem em face dele.207

Para Daniel Braga Lourenço a CRFB/88, ao se referir ao homem (como ser humano), utiliza a expressão ‘pessoa humana’ (por exemplo: art. 1º, III; art. 17; art. 34, VII, “d”). Assim, por via reflexa, a própria Carta da República reconhece a existência de outras pessoas que não as humanas. O CC/2002 adota de forma genérica pessoa, preterindo a expressão ‘pessoa humana’, aderindo a um conceito extensivo de personalidade jurídica que abarca todas as pessoas (humanas e não humanas). De acordo com o art. 1º do Diploma Civil, “toda pessoa é capaz de direitos”. Desta maneira, os não humanos poderiam fazer parte da modalidade de pessoas não humanas, tal qual as pessoas jurídicas.208

Ao se comparar os direitos (de humanos ou não humanos) como indivíduos ou espécie, constata-se que ambos têm como prerrogativa a proteção de seus direitos essenciais (à vida, à integridade de seu corpo, ao livre desenvolvimento de sua espécie e ao não sofrimento). Em relação ao ponto de vista ético e científico, justifica-se a personalidade do animal por meio do princípio da igual consideração de interesses, em que não é relevante a capacidade de falar, raciocinar e assumir deveres, mas tão somente a de sofrer como seres sencientes. Os não humanos são objeto dos deveres das pessoas, e é justamente este fato que os fazem sujeitos de direito, de modo que devem ser tutelados pelas pessoas.209

Na esfera constitucional os não humanos são conceituados como seres sensíveis, em oposição ao conceito legal insculpido no Código Civil de 2002 como objetos de direito. Para conciliar os conceitos, poder-se-ia dizer que o animal, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma coisa que não deve ser tratada com crueldade. Dedução filosófica discutível, pois uma “coisa” não pode ser bem ou maltratada. Coisas não possuem sensibilidade, animais sim. Na falta de uma orientação precisa acerca de animais serem sujeitos ou objetos de direito, a jurisprudência busca soluções criativas para resolver a questão. Cite-se o exemplo da 9ª Vara Criminal de Salvador no HC n. 83385-3/2005, que aceitou como paciente da ordem judicial a chimpanzé Suíça, alojada em um zoológico que não lhe dava o espaço de locomoção adequado à espécie.210

207 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 90.

208 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 483-494

209 DIAS, Edna Cardozo. Os animais como sujeitos de direito. Revista Brasileira de Direito Animal. v.1, n.1, jan-abr/2006. p. 119-121. Disponível em: <encurtador.com.br/fjGJS>. Acesso em: 28 maio 2018.

210 JESUS, Carlos Frederico Ramos de Jesus. O animal não humano: sujeito ou objeto de direito. Revista Diversitas – USP. 2016. n. 5. Disponível em: <encurtador.com.br/dhlxG>. Acesso em: 28 maio 2018.

Considerando que o Direito é elaborado pelas pessoas, e ser sujeito de direito não um atributo inerente ao ser humano, há caminhos a trilhar na construção de um estatuto que garanta aos animais proteção na esfera civilista brasileira que serão abordados na sequência.

Segundo Luis Roberto Barroso, o Direito é uma criação humana, um fenômeno histórico e cultural, concebido como técnica de solução de conflitos e instrumento de pacificação social.211 Nessa mesma diretriz, segundo Dimouli, ser sujeito de direito não é um atributo natural do ser humano, pois é conferido pelo ordenamento jurídico, que pode reconhecer ou não a determinadas pessoas essa qualidade.212 Simone Eberle percorre o mesmo caminho, no sentido de que cabe ao legislador assinalar determinado ente, corporação, objeto, como foco da relação jurídica, conferindo-lhe um direito e retirando-o da condição anterior de objeto de direito ou da mais completa irrelevância jurídica.213 Sendo assim, é possível rever e construir um estatuto jurídico pleno aos não humanos.214

Como possível alternativa na construção de um estatuto que atenda aos interesses dos não humanos, possuidores de valoração moral e jurídica inerentes, Daniel Braga Lourenço apresenta a teoria dos entes despersonalizados.215

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, os sujeitos despersonificados podem ser humanos (nascituro) ou não humanos (espólio, massa falida, sociedade em comum, conta de participação), que são entidades criadas pelo direito para melhor disciplinar os interesses das pessoas. O art. 2º do CC/2002 estabelece que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Infere- se, desse modo, que antes do nascimento com vida (homem ou mulher) não se possui personalidade, entretanto, titulariza direitos na qualidade de sujeito de direito. Assim, a equiparação de pessoa e sujeito de direito não deve prosperar.216 Esta distinção é abraçada

211 BARROSO, Luis Roberto. (2001) Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista da EMERJ. v.4, n.15, 2001. Disponível em: <encurtador.com.br/eBF24>. Acesso em: 28 maio 2018.

212 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013, p. 215

213 EBERLE, Simone. (2006) apud SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. 2009. 152 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/10744>. Acesso em: 31 maio 2018

214 RODRIGUES, Danielle Tetü. O direito & os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2. ed. Curitiba: Jaruá, 2009. p. 195-196

215 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 496;500

216 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Parte geral. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 159-160,167-168

também por outros doutrinadores (Gustavo Tepedino, Cristiano Chaves de Farias e Rafael Garcia Rodrigues).217

A teoria dos entes despersonalizados, com base na diferença conceitual entre pessoa e sujeito de direito, permite que se dispense a qualificação do ente como pessoa para titularizar direitos. No tocante aos animais, é possível a aplicação da referida teoria para caracterizá-los como “sujeitos de direito despersonificados não humanos”, conforme classificação proposta por Ulhoa Coelho. Dessa maneira, ainda que os animais não sejam pessoas, poderiam usufruir de um patrimônio jurídico que lhes garantisse o mínimo existencial.218

Tom Regan sustenta a teoria de que os não humanos possuem direitos morais, a qual denomina de “sujeitos de uma vida”. Os bens mais importantes como o direito à vida, à liberdade e a seus corpos, devem ser protegidos pelo Direito. Para ele, não há motivos moralmente relevantes para proteger interesses humanos e não os conferir aos demais sujeitos de uma vida, já que os seres vivos possuem valor inerente, e assim devem ser incluídos na esfera de consideração moral dos humanos.219

Faz-se oportuno corrigir um equívoco que é visto com frequência em doutrinas ou por pessoas que querem liberdade para degradar o meio ambiente e submeter os animais a sacrifícios desnecessários. Reconhecer direitos aos animais ou à natureza, não pressupõe que humanos e não humanos tenham os mesmos direitos. Nem Tom Regan, nem outros que lutam pelos animais, defendem direitos absolutos ou iguais aos não humanos. De modo que “[...] o que se propõe é uma mudança de paradigma na dogmática jurídica. Só isso; e já seria muito”.220

Destaca-se que documentos internacionais, sem força obrigatória, têm atribuído direitos à natureza como, por exemplo, a Resolução nº 37/7 de 28 de outubro de 1982, proclamada pela Assembleia Geral da ONU, que dispõe: “Toda forma de vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua utilidade para o homem, e, com a finalidade de

217 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 500

218 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 509

219 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Lugano, 2006. p. 53- 61

220 BENJAMIN, Antônio Herman. A natureza no Direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. Nomos – Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito UFC. Disponível em: <encurtador.com.br/aekV4>.

reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o homem deve se guiar por um código moral de ação”.221

Oportuno trazer a lição de Norberto Bobbio quanto ao surgimento de direitos aos humanos e de uma nova concepção aos não humanos como sujeitos de direito:

[...] sinto-me bastante tranquilo ao afirmar que a parcela da história do homem [...] que está́ na escuridão é bem mais ampla do que aquela que está́ na claridade. Mas não posso negar que uma face iluminada tenha aparecido de vez em quando, ainda que por curto período. [...] quando todo o percurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte, há zonas de luz, as quais o mais convicto pessimista não pode deixar de reconhecer: a abolição da escravidão, [...] e da própria pena de morte.

Todos esses esforços em direção ao bem, ou pelo menos em direção à correção, à limitação, à superação do mal, que são uma característica essencial do mundo humano em relação ao mundo animal, nascem da consciência, [...], do estado de sofrimento e de infelicidade no qual o homem se encontra a viver, e ao qual os animais, mesmo superiores, ainda não chegaram, e do qual nasce a exigência de dele sair.

Em relação ao gênero, [...] cada vez mais reconhecidas as diferenças especificas da mulher em relação ao homem. [...] às várias fases da vida, foram se diferenciando pouco a pouco os direitos da infância e da velhice dos direitos do homem adulto. Em relação aos estados normais ou excepcionais, foi se fazendo valer a exigência de reconhecer direitos especiais aos doentes, aos incapacitados [....]. Basta passar os olhos por documentos aprovados nestas últimas décadas pelos organismos internacionais para tomar ciência desta inovação.

Erguendo os olhos para além do presente, já́ se entrevê a ampliação da esfera do direito à vida das gerações futuras, [....], e a novos sujeitos, como os animais, que a

moralidade comum sempre considerou apenas como objetos ou, no máximo, como sujeitos passivos, sem direitos.222

Convém ressaltar um importante avanço do Estado de Santa Catarina no que concerne aos direitos dos animais. Em 16 de janeiro de 2018 foi aprovada a Lei n. 17.485/2018, que altera a Lei n. 12.854/2003 (Institui o Código Estadual de Proteção aos Animais), para fins de reconhecer cães, gatos e cavalos como seres sencientes. Assim dispõe:

Art. 1º A Lei nº 12.854, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do art. 34-A, com a seguinte redação:

“Art. 34-A. Para os fins desta Lei, cães, gatos e cavalos ficam reconhecidos como

seres sencientes, sujeitos de direito, que sentem dor e angústia, o que constitui o

reconhecimento da sua especificidade e das suas características face a outros seres vivos. ” (NR).223

221 ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. Disponível em: < https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597001525/cfi/309!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 25 maio 2018. Acesso restrito via Minha Biblioteca (Academia Judicial – TJSC). p. 10-11.

222 BOBBIO, Norberto. O Terceiro Ausente: ensaios e discursos sobre a paz e a guerra. São Paulo: Manole, 2009. Disponível em:

<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520446621/cfi/215!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 31 maio 2018. Acesso restrito via Minha Biblioteca (Academia Judicial – TJSC). p. 145-156. Grifo nosso.

223 SANTA CATARINA. Lei 17.485, de 16 de janeiro de 2018. Altera a Lei nº 12.854, de 2003, que “Institui o Código Estadual de Proteção aos Animais”, para o fim de reconhecer cães, gatos e cavalos como seres

A pesquisadora desse trabalho monográfico se fez presente na audiência pública realizada em 11 de outubro de 2017 na Assembleia Legislativa, em que o deputado catarinense Fernando Coruja apresentou à sociedade e às autoridades o PL que deu origem à Lei n. 17.485/2018. Esclareceu, em sua justificativa, que para uma efetiva mudança no que concerne ao direito dos animais é preciso que ocorra uma alteração do Código Civil brasileiro. Entende, todavia, que o legislador estadual pode propor direitos ainda não prescritos em lei de âmbito nacional. Destaca, ainda, que a alteração da lei estadual poderá contribuir na solução de lides,