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3 PROTEÇÃO AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS NO BRASIL

3.4 ACIDENTES DE TRABALHO NA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA

Quando se compra um pacote bem embalado de carne, um filé de frango ou uma linguiça, é pouco provável que alguém pare para pensar nos milhares de trabalhadores que adoecem e se lesionam gravemente todos os dias nas linhas de produção dos frigoríficos.142

De acordo com a Embrapa, em 2015, o Brasil apresentou o maior rebanho bovino do mundo (209 milhões de cabeças). O país é o segundo maior consumidor (38,6 kg/habitante/ano) e exportador (1,9 milhões toneladas), com abate superior a 39 milhões de cabeças. É o quarto maior produtor e exportador de carne suína do mundo e a produção de frangos garante o título de segundo maior produtor mundial e primeiro em exportação.143

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social, o setor de frigoríficos é o que mais causa o adoecimento aos trabalhadores. ‘Chega a ser quatro vezes mais que a média nacional, incluindo todas as atividades econômicas’, diz o procurador do trabalho Ricardo Garcia.144 Em pronunciamento ocorrido em maio de 2017, durante uma audiência pública pela redução da jornada de trabalho do setor, o procurador do trabalho Sandro Sardá, representando a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho afirmou: “O trabalho em frigoríficos é a atividade industrial que mais gera adoecimento no país”.145

Os principais motivos de afastamentos estão relacionados a graves cortes com facas e serras, doenças causadas por movimentos repetitivos, pressão psicológica para dar conta do ritmo acelerado de produção e jornadas exaustivas. Além disso, o ambiente constantemente frio

142 ONG Repórter Brasil, 2013. Moendo gente: a situação do trabalho dos frigoríficos no Brasil. Disponível em: <encurtador.com.br/mvzQV>. Acesso em: 16 maio 2018.

143 EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Qualidade da carne bovina. Disponível em: <encurtador.com.br/bsFIZ>. Acesso em: 16 maio 2018.

144 LAMPERT, Adriana. Acidentes de trabalho em frigoríficos crescem. JORNAL DO COMÉRCIO, Porto Alegre, 21 mar. 2016. Disponível em: <encurtador.com.br/klrP9>. Acesso em: 13 maio 2018.

145 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO, 2017. O trabalho em frigoríficos é a atividade industrial que mais gera adoecimento no país. Disponível em:

pode causar impactos no aparelho respiratório e facilita o aparecimento de doenças como sinusite e pneumonia. Este é o cotidiano dos trabalhadores de frigoríficos no país.146

O Rio Grande do Sul ocupa a segunda posição em acidentes de trabalho em frigoríficos, apenas superado pelo Paraná, segundo dados do MTPS. Em 2014, foram registrados 2.686 casos, entre acidentes típicos e doenças decorrentes da atividade profissional. No país, 16.033 casos no mesmo ano. Operações realizadas pelo MPT, entre 2014 e 2016, em 40 empresas do setor de grande porte, denotaram que praticamente todas estavam em situação irregular, afirma o procurador do trabalho Garcia.147

Dados do Ministério da Previdência apontam que a empresa Friboi foi a campeã neste tipo de acidente de trabalho (entre 2011 e 2014). Tamanho é o número de irregularidades e violações de direitos trabalhistas, que 7.822 funcionários adoeceram ou ficaram incapacitados para o trabalho nos últimos 4 anos. São 5 acidentes por dia, com maioria no abate de bovinos, uma área historicamente perigosa aos trabalhadores.148

Não se pode deixar de mencionar que dados do INSS e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam para algo em torno de 750 mil acidentes de trabalho anualmente, mas dados do IBGE e da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) apontam para 5 milhões, o que comprova o alto índice de subnotificação. Dados recentes do MTE e do MPT, lançados pelo observatório de saúde, denotam que nos últimos cinco anos (2012 - 2017) foram gastos em torno de 20 bilhões de reais em benefícios previdenciários.149

Numa força-tarefa realizada em 2014 pelos MPT, MTE, INSS, Receita Federal e AGU, na unidade da JBS em Rolândia/PR (4 mil funcionários), foram interditadas 45 máquinas que apresentavam riscos à saúde. Quatrocentos trabalhadores foram entrevistados. Destes, 52,9% admitiu que tomou nos últimos 12 meses algum tipo de remédio, aplicou emplastros ou compressas para poder trabalhar. Além disso, 38% disseram sentir fortes dores durante a realização de suas atividades. Em 2013, foram 2033 consultas médicas, 70279 atendimentos de enfermagem, o que equivale a 225 por dia.150

146 ONG Repórter Brasil, 2013. Moendo gente: a situação do trabalho dos frigoríficos no Brasil. Disponível em: <encurtador.com.br/mvzQV>. Acesso em: 16 maio 2018.

147 LAMPERT, Adriana. Acidentes de trabalho em frigoríficos crescem. JORNAL DO COMÉRCIO, Porto Alegre, 21 mar. 2016. Disponível em: <encurtador.com.br/klrP9>. Acesso em: 13 maio 2018.

148 CALDEIRA. João Paulo. Friboi é campeã em acidentes de trabalho em frigoríficos. Jornal GGN, 03 jun.

2015. Disponível em: <encurtador.com.br/zCDIM>. Acesso em: 15 maio 2018

149 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO, 2017. O trabalho em frigoríficos é a atividade industrial que mais gera adoecimento no país. Disponível em:

<encurtador.com.br/bpqW3>. Acesso em: 15 maio 2018.

150 CALDEIRA. João Paulo. Friboi é campeã em acidentes de trabalho em frigoríficos. Jornal GGN, 03 jun.

A elevada carga de movimentos repetitivos em curto espaço de tempo é apontada como uma das principais causas de afastamento do trabalho em frigoríficos. Na desossa de uma sobrecoxa de frango, por exemplo, há trabalhadores que realizam até 120 movimentos em apenas 60 segundos, quando é considerado seguro de 25 a 33 movimentos/minuto. Tudo isso para manter o elevado ritmo de produtividade cobrado pelas empresas.151

Na unidade de Montenegro (RS), fato que chamou a atenção dos fiscais foi o acondionamento de frangos. Os trabalhadores realizavam nada menos que 90 movimentos por minuto com os braços (30 frangos por minuto). Não existem máquinas capazes de tamanha produtividade, as mais rápidas fazem 15 frangos/minuto. “Imagine o nível de exigência dos músculos, tendões, braços do trabalhador”, afirma Mauro Müller, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul.Ademais, 93% dos trabalhadores disseram ter sentido dor na semana que antecedeu à visita.152

Dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social confirmam a percepção dos procuradores do MPT que fiscalizam o setor. Afirma o procurador Sandro Sardá que a JBS mantém condições ruins de trabalho com o intuito de obter o máximo de lucro, o que vem gerando uma legião de trabalhadores amputados e mortos por motivo de acidentes de trabalho. Em frigoríficos de aves, o ritmo excessivo lesiona o trabalhador com doenças ocupacionais, no de bovinos, grande quantidade de amputações.153 O MPS revela, ainda, que no abate de aves e suínos, há 3,41 vezes mais trabalhadores com transtorno de humor do que na média dos trabalhadores brasileiros. Os transtornos psicológicos também aparecem como consequência das lesões físicas. Também são comuns relatos de pessoas que se sentem “inutilizadas” por não terem mais condições físicas de trabalhar.154

O Secretário-Executivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Alimentação e Afins do Estado do RS, Darci Rocha, pontua que o ambiente dos frigoríficos é ‘frio, úmido e mórbido’, gerando depressão em 20% dos afastamentos por doença. Relata que: ‘Muitos precisam tomar remédios tarja preta para manter o equilíbrio e seguir trabalhando diariamente nestes locais de morte’. O ramo abate de 700 a 800 bois/dia, 60 a 70 mil aves/dia

151 ONG Repórter Brasil, 2013. Moendo gente: a situação do trabalho dos frigoríficos no Brasil. Disponível em: <encurtador.com.br/mvzQV>. Acesso em: 16 maio 2018.

152 CALDEIRA. João Paulo. Friboi é campeã em acidentes de trabalho em frigoríficos. Jornal GGN, 03 jun.

2015. Disponível em: <encurtador.com.br/zCDIM>. Acesso em: 15 maio 2018.

153 CALDEIRA. João Paulo. Friboi é campeã em acidentes de trabalho em frigoríficos. Jornal GGN, 03 jun.

2015. Disponível em: <encurtador.com.br/zCDIM>. Acesso em: 15 maio 2018.

154 ONG Repórter Brasil, 2013. Moendo gente: a situação do trabalho dos frigoríficos no Brasil. Disponível em:

e 1.500 suínos/dia – essa é uma média por empresa. ‘O churrasco que chega na mesa dos gaúchos tem uma carga pesada de sofrimento dos animais e das pessoas, que deixam seu sangue nestes locais para ganhar um salário miserável, de cerca de R$ 1.200,00 mensais’, declara Rocha.155

Oportuno trazer o relato de uma ex-funcionária de frigorífico em Mato Grosso: ‘É modo de dizer, mas o serviço no frigorífico é o de um burro de carga. Sentia as mãos congelarem durante o trabalho. E tinha muita dor nos ossos, mesmo depois do expediente’.156

Os assuntos abordados neste capítulo mostram-se relevantes para a pesquisa, na medida em que apresentam questões que num primeiro olhar aparentam não haver ligação com o tema, entretanto estão umbilicalmente ligados aos direitos dos animais. É provável que a maioria das pessoas não reflita sobre o impacto causado ao meio ambiente pela criação de animais para alimentação, tampouco, que a indústria de abate cause prejuízo à saúde do trabalhador. Desse modo, há o sofrimento dos não humanos envolvidos nesta prática, como também das pessoas.

Em relação à proteção dos não humanos, denota-se que com o advento da CRFB/88 adquiriram senão direitos, tutela contra atos de crueldade. No âmbito do Direito Ambiental, a Lei de Crimes Ambientais visa proteger todas as espécies de não humanos e representa um avanço àqueles que buscam defende-los contra atos de crueldade e maus tratos. Para concluir, convém parafrasear Motonura, no sentido de que quanto mais o ser humano entende a realidade na qual vive, mais humilde se torna, adquirindo um extraordinário respeito por todas as formas de vida que coabitam este planeta.

No próximo capítulo serão apresentados os conceitos de sujeito e objeto de direito; os não humanos como coisa/propriedade das pessoas. Além disso, buscar-se-á discorrer acerca dos direitos conferidos aos não humanos no ordenamento jurídico de outros países. Para finalizar, discutir-se-á acerca da possibilidade de reconhecer os não humanos no ordenamento jurídico brasileiro como sujeitos de direito; seguido de decisões judiciais acerca do assunto.

155 LAMPERT, Adriana. Acidentes de trabalho em frigoríficos crescem. JORNAL DO COMÉRCIO, Porto Alegre, 21 mar. 2016. Disponível em: < encurtador.com.br/klrP9>. Acesso em: 13 maio 2018.

156 ONG Repórter Brasil, 2013. Moendo gente: a situação do trabalho dos frigoríficos no Brasil. Disponível em: <encurtador.com.br/mvzQV>. Acesso em: 16 maio 2018.

4 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO