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4 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO

4.2 OS NÃO HUMANOS NO DIREITO INTERNACIONAL

O reconhecimento pela ciência de que os não humanos são seres sencientes, aliado a um avanço no pensamento filosófico e jurídico, faz nascer na esfera do Direito Internacional, para além do Direito Constitucional e do Ambiental, discussões acerca da alteração de leis de modo a lhes conferir um novo status jurídico.182

179 JESUS, Carlos Frederico Ramos de Jesus. O animal não humano: sujeito ou objeto de direito. Revista Diversitas – USP. 2016. n. 5. Disponível em: <encurtador.com.br/chrzP>. Acesso em: 24 maio 2018. 180 BRASIL, 1967. Lei n. 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção da fauna e dá outras providências. Disponível em: <encurtador.com.br/bisRZ>. Acesso em: 24 maio 2018. Grifo nosso.

181 ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. Disponível em: < https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597001525/cfi/309!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 27 maio 2018. Acesso restrito via Minha Biblioteca (Academia Judicial – TJSC). p. 292-294.

182 FAUTH. Juliana de Andrade. Sujeitos de Direitos Não Personalizados e o Status Jurídico Civil dos Animais Não Humanos. 2016. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia,

No direito europeu, a corrente em favor dos direitos dos animais confere aos não humanos um lugar intermediário entre o humano e as coisas, como seres capazes de sentir e de sofrer. A proteção jurídica ocorre por meio de leis especiais dos códigos civis da Suíça, Alemanha, Grã Bretanha, França e Áustria.183

Na América Latina, a Constituição do Equador (2008) assume a Natureza (Pacha Mama) como sujeito de direito. Isso implica a proposição de ações na defesa por qualquer indivíduo, como também a atribuição de valores intrínsecos e independentes dos interesses humanos. Esta recente Carta Magna contesta a concepção da política que inclui unicamente seres humanos como sujeitos de direito.184 Provavelmente a maior contribuição da nova Constituição equatoriana seja a introdução do conceito de ‘Direitos da Natureza’, traduzido numa visão biocêntrica, que pressupõe o respeito à vida em todas as suas formas. Nopreâmbulo, celebra a Natureza (Pacha Mama) de que todos são parte e vitais para a existência dos seres vivos. Os “Direitos na Natureza” constam no capítulo sétimo, e merece destaque o art. 71:185

Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.

Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente. O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.

Na Espanha, em 2008, ocorreu a votação que concedeu a um animal status legal de pessoa com direito. Segundo Peter Singer, este fato constitui a primeira concepção oficial das implicações legais e morais derivadas do reconhecimento das semelhanças entre humanos e, ao menos, alguns não humanos.186

O Código Civil alemão apresenta os animais numa classificação intermediária entre os humanos e as coisas, e assim dispõe:187

183 CARMAN, María. Las Fronteras de lo humano: Cuando la vida humana pierde valor y la vida animal se dignifica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI, 2017. p. 156. Tradução nossa.

184 CARMAN, María. Las Fronteras de lo humano: Cuando la vida humana pierde valor y la vida animal se dignifica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI, 2017. p. 157. Tradução nossa.

185 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018. (Newsletter - Em Foco). A nova constituição equatoriana. Disponível em: <encurtador.com.br/wGMXY>. Acesso em: 25 maio 2018.

186 CARMAN, María. Las Fronteras de lo humano: Cuando la vida humana pierde valor y la vida animal se dignifica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI, 2017. p. 156. Tradução nossa.

187 ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597001525/cfi/309!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 25 maio 2018. Grifo nosso. Acesso restrito via Minha Biblioteca (Academia Judicial – TJSC). p. 292-298. Grifo nosso.

Seção 90a Animais

Animais não são coisas. Eles são protegidos por legislação especial. Eles são regidos

pelas disposições que se aplicam às coisas, com as necessárias adaptações, exceto disposição em contrário.

Cabe destacar uma decisão do Tribunal Administrativo de Münster que proibiu o tutor de um pônei de realizar uma tatuagem de embelezamento em suas costas. O Tribunal decidiu que, de acordo com a lei, são proibidos os atos que inflijam sofrimento aos animais.

‘Mesmo tendo em conta que são permitidas as tatuagens sem recurso a anestesia nos seres humanos, isso não significa que seja autorizado esse tipo de intervenção na pele dos animais’, justificou o tribunal, acrescentando que teve em conta ‘as características próprias do medo no animal e a sua incapacidade para compreender a dor e avaliar a sua duração.'188

Semelhante à norma alemã, o Código Civil da Suíça sofreu alteração em 2002, com a preocupação de dispor, expressamente, que os animais não são coisas.189

Art. 641A (novo) I Animais

1 Animais não são coisas.

4 Salvo disposição em contrário, as disposições aplicáveis às coisas também se aplicam aos animais.

O Código Civil suíço, além dos animais deixarem de ser considerados coisas, traz alterações no direito das obrigações, sucessões, direitos reais e no processo executivo. Segundo o art. 43 do Código das Obrigações, o dono ou os seus familiares têm direito a uma indenização pelo valor de afeição adequado no caso de ferimento ou morte do animal de companhia. É estabelecida a impenhorabilidade destes animais no âmbito do processo executivo (art. 92, 1). Em sede de processo executivo, são considerados os custos de alimentação do animal como ‘alimentos necessários’, limitando assim os direitos do exequente. E, no direito das sucessões, o art. 482 estabelece que ‘Sendo um animal beneficiário duma disposição mortis causa, esta disposição considera-se como ônus de cuidar do animal’.190

188 ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597001525/cfi/309!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 25 maio 2018. Acesso restrito via Minha Biblioteca (Academia Judicial – TJSC). p. 292-298.

189 FAUTH. Juliana de Andrade. Sujeitos de Direitos Não Personalizados e o Status Jurídico Civil dos Animais Não Humanos. 2016. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 2016. Disponível em: <encurtador.com.br/gqrx9>. Acesso em: 26 maio 2018. Grifo nosso.

190 PEREIRA, André Gonçalo Dias. (2005). O Bem-Estar Animal no Direito Civil e na Investigação Científica. Bioética ou Bioéticas na Evolução das Sociedades – Universidade de Coimbra. Coimbra, 2005, p. 151-163.

Na Áustria, o art. 285A do Código Civil, de 1º de julho de 1988, preceitua de forma expressa que os animais não são objetos, são tutelados por leis especiais e as leis que dispuserem sobre objetos não se aplicam aos animais exceto se houver disposição em contrário.191

A modificação do Código Civil francês ocorreu recentemente (28 de janeiro de 2015) e foi o país que fez a alteração mais categórica. De modo diverso das legislações mencionadas, introduziu uma proteção afirmativa, fazendo constar que os animais são dotados de sensibilidade. Com a alteração da norma civil francesa, os não humanos passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, dotados de valor intrínseco como as pessoas. Dispõe o art. 515-14.192

Art. 515-14 Animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Sob a reserva das leis que os protegem, os animais estão submetidos ao regime dos bens.

É de se ressaltar que na França, anteriormente à reforma do Código Civil, a jurisprudência já levava em consideração os interesses dos animais como seres dotados de senciência. Em casos de divórcio havia regulamentação de visitas aos animais de companhia e em caso de locação de imóveis era garantido ao inquilino o direito de possuir animais de estimação.193

Feitas as ponderações sobre as mudanças legislativas em âmbito internacional no que concerne ao direito dos animais, passa-se a tecer as considerações sobre o tema da pesquisa.

4.3 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DOS ANIMAIS NÃO