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4 A (IM) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO

4.4 DECISÕES JUDICIAIS A RESPEITO DO TEMA

4.4.1 Habeas Corpus n 833085/2005 – Salvador/BA e expediente P-72.254/

Devido à repercussão do caso, inclusive internacionalmente, faz-se importante apresentar o caso do chimpanzé Suíça. No ano de 2005, o Ministério Público da Bahia, por meio dos promotores de justiça Heron José Santana e Luciano Rocha Santana, impetrou o HC n. 833085/2005 com pedido de liminar em favor de Suíça, um chimpanzé que se encontrava aprisionada no Parque Zoobotânico Getúlio Vargas, numa jaula em condições precárias. O chimpanzé é um animal sabidamente sociável que necessita de variados recursos para a garantia de seu bem-estar físico e mental. O juiz Edmundo Cruz, titular da 9ª Vara Criminal de Salvador/BA, embora tenha indeferido a concessão da liminar, deu curso ao processo. Suíça veio a falecer antes do julgamento do mérito da impetração.230 Abaixo as ponderações do magistrado por ocasião da sentença:

Tenho a certeza que, com a aceitação do debate, consegui despertar a atenção de juristas de todo o país, tornando o tema motivo de amplas discussões, mesmo porque é sabido que o Direito Processual Penal não é estático, e sim sujeito a constantes mutações, onde novas decisões têm que se adaptar aos tempos hodiernos. Acredito que mesmo com a morte de “Suíça”, o assunto ainda irá perdurar em debates contínuos, principalmente nas salas de aula dos cursos de Direito, eis que houve diversas manifestações de colegas, advogados, estudantes e entidades outras, cada um deles dando opiniões e querendo fazer prevalecer seu ponto de vista. É certo que o tema não se esgota neste “Writ”, continuará, induvidosamente, provocando polêmica. Enfim, pode ou não pode, um primata ser equiparado a um ser humano? Será possível um animal ser liberado de uma jaula através de uma ordem de Habeas Corpus?231

230 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 524-526

231 CRUZ, Edmundo (juiz). Sentença do Habeas Corpus impetrado em favor do chimpanzé Suíça. v.1, n.1, (2006). Revista Brasileira de Direito Animal. Disponível em: <encurtador.com.br/opqN1>. Acesso em: 31 maio 2018.

O caso chama a atenção pelo tratamento conferido aos animais no Brasil, e principalmente como as normas jurídicas os tratam como “coisas”. Importante destacar que os impetrantes buscavam rediscutir os institutos jurídicos de sujeito de direito, personalidade e capacidade, com a pretensão de iniciar a possibilidade jurídica de estender aos grandes primatas direitos à liberdade, à vida e à integridade. O caso repercutiu internacionalmente. Para o magistrado Edmundo Cruz, o entendimento dos juízes deve ser revisto nessa temática, de modo que os animais poderiam ser considerados sujeitos de direito. Para ele, o Direito não é estático e suas matérias estão sujeitas a constantes mudanças. Novas decisões devem se adaptar aos novos tempos. Relatou, também, que normalmente os juízes adotam posturas conservadoras, preferindo valores como a certeza e estabilidade das relações jurídicas.232

Nesse passo, importante trazer o caso de Cecília, o primeiro grande primata no mundo a obter por meio de um Habeas Corpus (instrumento, até então, exclusivamente humano), o direito de viver em um santuário. A chimpanzé, de cerca de 30 anos de idade, vivia no zoológico de Mendoza (Argentina), em condições deploráveis e apresentava sinais de depressão. A justiça daquele país determinou que a chimpanzé fosse transferida para o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba no Brasil, onde deve permanecer o resto de seus dias com a companhia de 50 de seus iguais.233

A juíza María Alejandra Mauricio de Mendoza na Argentina, ao analisar o pedido da ONG AFADA, que impetrou o HC em favor de Cecília, considerou que a primata é [...] ‘sujeito de direito não humano, específicos de sua natureza. Se reconhecem os direitos aos animais pela sua essência animal. Não estamos falando de direitos civis contemplados no Código Civil, mas sim de direitos próprios de sua espécie: seu desenvolvimento, sua vida em seu habitat natural’, explicou ao jornal Los Andes. E complementa em sua decisão no expediente P-72.254/15 que ordenou de forma inédita a melhora das condições de vida de Cecília:

‘...a maioria dos animais e, concretamente, os grandes símios, também são de carne e osso, nascem, sofrem, bebem, jogam, dormem, possuem a capacidade de abstração, desejam, são gregários”, conforme se lê em sua resolução. ‘A categoria de sujeito

232 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. 2009. 152 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/10744>. Acesso em: 31 maio 2018.

233 Projeto GAP (Proteção aos Grande Primatas), 4 abr. 2017. Chimpanzé libertada por Habeas Corpus é transferida de zoológico argentino para Santuário de Grandes Primatas afiliado ao Projeto GAP, em São Paulo. Disponível em: <http://www.projetogap.org.br/noticia/chimpanze-libertada-por-habeas-corpus-e- transferida-de-zoologico-argentino-para-santuario-de-grandes-primatas-afiliado-ao-projeto-gap-em-sao-paulo/>. Acesso em 5 jul. 2018

como centro de imputação de normas (ou “sujeito de direitos”) não compreenderia unicamente ao ser humano, mas sim também aos grandes símios. A ação de habeas corpus, no caso que nos ocupa, deve ser ajustada estritamente para preservar o direito de Cecilia de viver em um ambiente e nas condições próprias de sua espécie’234

A decisão é concluída com os seguintes dizeres:

VI.- Recordar as seguintes reflexões: ‘Podemos julgar o coração de uma pessoa pela forma como trata os animais’ (Immanuel Kant). ‘Até que não se tenha amado um animal, uma parte de sua alma permanecerá adormecida.’ (Anatole France). ‘Quando um homem tem piedade por todas as criaturas vivas, só então ele será nobre.’ (Buda). ‘A grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela forma como seus animais são tratados.’ (Gandhi).235

A decisão ora relatada (Cecília) é um marco a ser seguido por outros países, uma vez que muitos primatas sofrem exploração em cativeiros. Na sequência serão apresentadas 2 (duas) decisões judiciais acerca de guarda compartilhada de animais de estimação em casos de separação judicial litigiosa.

4.4.2 Liminar - Guarda compartilhada de cão - Separação judicial - 2ª vara de Família