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CAPÍTULO II ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL

2. Enquadramento da Prática Profissional

2.1. Contexto da Prática Profissional

2.1.3. A importância da Educação Física

Tal como já foi supracitado, a escola contribui para a formação integral do Homem e da sociedade.

Os pais, familiares e amigos desempenham um papel muito importante na formação cultural dos estudantes, contudo a escola também assume um papel de responsabilidade social muito importante. É através das suas relações interpessoais que transmite um conjunto de crenças, valores, princípios e ideais aos seus intervenientes para que estes possam viver em sociedade e contribuir para a evolução da mesma. Ou seja, transmite-lhe uma cultura política, social e moral que está imposta naquela sociedade em que estão inseridos.

Essa mesma cultura vem, em grande parte, descrita nos programas curriculares propostos pelo sistema educativo, como conteúdo de ensino, sendo assim difundida através das disciplinas pertencentes aos cursos de formação que as escolas dispõem.

Assim sendo, estando a Educação Física (EF) inserida na grande maioria desses cursos, podemos entender, assim, que esta disciplina contribui, tanto ou mais que outras, para a formação dos indivíduos na sua globalidade. Tal como refere Matos (2014), a conceção de EF como uma disciplina imprescendivel no curriculo escolar dos alunos, é que esta é integradora, humanista, centrada na formação integral do aluno, que contempla aprendizagens significativas para o desenvolvimento e formação dos estudantes, através da ação desportivo-motora corporal competente.

Contudo, nos tempos que correm esta disciplina tem vivido períodos de grande incerteza no currículo escolar, quanto ao seu valor e à sua contribuição formativa, onde a sua justificação por parte dos seus profissionais é também bastante díspar, o que dificulta e torna mais complexa essa tarefa.

Muitos legitimam-na utilizando argumentos ligados ao contributo que esta pode ter para a saúde e para o bem-estar corporal dos alunos, contudo, como refere Matos (2014) “partir da ligação única da EF escolar à saúde poderia, no

limite, levar a EF a cultivar o fitness e a saúde numa lógica tal que, por certo, acarrateria problemas de descontentamento nos alunos, por exemplo, em

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relação à imagem corporal, ao peso, ao tipo de corpo, confluindo em inúmeras dificuldades pedagógicas para tratar a discrepância entre corpo real e o suposto corpo ideal …”.

Outros tornam-a num espaço destinado à recreação, podendo esta visão resultar numa noção que a EF é so para divertimento num intervalo do

“trabalho sério da educação (das áreas disciplinares cognitivas)”,

reconhecendo-lhe assim apenas o “beneficio que traz às outras disciplinas e

não a associação explicita da Educação Física ao conhecimento ou à aprendizagem” (Batista & Queirós, 2015).

Inclusive, quando entrei para o mestrado em ensino da EF nos Ensinos Básico e Secundário, aquando nos era pedido, pelas várias professoras das diferentes unidades curriculares do primeiro semestre (Desenvolvimento Curricular, Profissionalidade Pedagógica, entre outras), para argumentar acerca da importância que considerávamos ter a EF no currículo escolar dos alunos, atribuía-lhe muitas destas definições.

Tal como eu, muitos dos professores desta área continuam a atribuir-lhe este tipo de significados, o que contribui cabalmente para uma maior deterioração da EF no currículo. A forma como alguns a representam também não a favorece. Quero com isto referir-me àqueles que não dão qualquer prestígio nem importância à área, que lecionam as suas aulas de calças de ganga e os seus alunos simplesmente realizam aquilo que lhes apetece. Tal como refere Batista & Queirós (2015), o modo como os professores desta disciplina expõem o currículo aos alunos, também influência negativamente a perceção da área.

Contudo, com o passar do tempo, a minha opinião foi-se formulando e a necessidade de compreender qual era então a sua verdadeira essência tornou- se fundamental. Se não conhecia qual era o seu verdadeiro propósito, como a poderia defender perante os outros e perante o currículo escolar? Como poderia vir a ser uma boa profissional nesta área?

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Deste modo, entendi que, primeiramente, se torna essencial organizar um discurso singular e valoroso, universal a todos os profissionais de EF para que se entenda corretamente o valor e poder educativo que esta tem e assim poder legitimá-la.

Para isso é necessário alegar o seu valor, sem que sejam utilizados argumentos que a posicionam unicamente como um meio para atingir um fim, como é o caso da saúde e recreação. É preciso posicioná-la então num discurso único, onde seja caraterizada apenas pelos seus valores intrínsecos (valor educativo em si mesmo, isto é, a atividade vale por si) (Batista & Queirós, 2015).

Se cada disciplina do currículo escolar possui uma matéria única de ensino e um objeto de trabalho, então primeiramente deve-se saber quais as da EF, para que seja assim esta se possa afirmar como uma disciplina tão relevante quanto outras para o currículo dos alunos.

Comecei então olhá-la sobre uma visão antropológica.

Esta tem como objeto de trabalho o corpo, tornando-se o movimento e o desporto como a sua matéria de ensino. Segundo Daolio (1995) é através do corpo, que o Homem vai assimilando e apropriando os valores, normas e costumes sociais, tornando-se o Corpo, numa forma de cultura que expressa elementos específicos da sociedade da qual faz parte.

Tomando esta prespetiva, percebe-se que muitas das nossas reações corporais, muitos dos nossos gestos, formas de agir, de sentar, de expressar, dos nossos comportamentos físicos, são muitas vezes motivados por aquilo que vemos no nosso dia-a-dia, tomando-os como nossos, ou seja, provenintes da sociedade em que estamos inseridos. Podemos então deduzir a impotância que o corpo tem e pode ter na nossa vida.

Assim sendo, se a EF é a única disciplina do currículo escolar dos alunos que trabalha com o corpo, através do Desporto (a matéria desta disciplina), então pode-se entender que esta tem uma grande relevância e valor formativo na educação dos estudantes.

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Segundo Bento (1999) (cit. por Batista & Queirós, 2015) o desporto é “uma forma especifica de lidar com a “corporalidade”, enquanto sistema de

comportamentos culturais, marcado por normas, regras e conceções socioculturais”. Tal como refere Matos (2014) a corporalidade integra-se na

ideia de capacidade de ação, tornando-se esta num “elemento construtivo da

formação nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de ação no aluno”.

Com efeito, a EF, através do desporto e das suas matérias (jogos desportivos coletivos, ginástica, atletismo, entre outras), pode desempenhar três papeis principais, sendo eles a aquisição de condição física, a estruturação do comportamento motor e a formação pessoal, social e cultural dos individuos (Crum, 1993, cit, por Batista & Queirós, 2015).

Através das suas matérias de ensino a EF torna-se num espaço que permite aos seus alunos serem criativos, por meio do jogo, da competição, da ginástica ou da dança, permite o desenvolvimento de uma cultura corporal, assim como o contacto e comunicação com outras pessoas, desenvolve valores tais como a cooperação, pacifismo, tolerância, entre outros, e ainda, permite aos alunos desenvolver uma melhor compreensão do corpo e consequentemente do seu “eu”.

Sendo o Desporto a matéria de ensino da Educação Física, e não constando esta matéria em mais nenhuma disciplina pertencente ao currículo escolar, e sendo o objeto de trabalho do desporto o Corpo e o movimento, os quais proporcionam aos alunos experiências extraordinárias de movimento corporal ao nível instrumental, exploratório social e pessoal (Matos, 2014, p. 187), contribuindo assim para formação global dos estudantes (objetivo da escola e da educação), então a EF já se pode afirmar como uma disciplina fulcral e indispensável do currículo.

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“… é reconhecido socialmente que a educação pelo desporto pode ter um papel na melhoria dos padrões educativos gerais, no desenvolvimento de estilos de vida saudáveis, na cidadania pela criação de responsabilidade social, na socialização pelos comportamentos e atitudes que exige, na criatividade pela curiosidade e exploração que estimula, no desenvolvimento de “skills” chave para a vida, nas aspirações de cada um pela confiança, autoestima e orgulho que proporciona” (Matos, 2014, p. 186).

Esta foi a visão sobre a EF que considero mais indispensável os profissionais da área deterem. Interpretar a EF sobre a perspetiva que a sua matéria (desporto) favorece o desenvolvimento pleno do educando, ao nível afetivo, social e motor (Betti & Zuliani, 2002), pode fazer com que a forma como esta chega aos alunos seja mais adequada e mais sensata, começando por ai a manifestar o seu valor e interesse formativo para o currículo escolar.

Nos dias que correm, é dada bastante importância ao corpo e como, segundo Daolio (1995), são os profissionais desta área que trabalham sobre e através do mesmo, o papel da EF torna-se ainda mais prestigiado. Todos querem ser “fit’s”. Contudo não cabe à educação física este papel, pois a sua matéria vai muito para além do físico como já foi supracitado, mas sim a criação do gosto pelo desporto, que poderá levar consequentemente à criação de hábitos de vida saudáveis. O tempo que é disponibilizado a esta disciplina é também um problema, não só contribuindo como um fator que não permite a aquisição de uma grande condição física, mas também, dificulta muitas vezes a abordagem eficaz das modalidades, sendo as matérias tratadas demasiado rápido, sem que se dê uma consolidação efetiva, tornando-se este, também, num dos maiores problemas desta disciplina.

Em síntese e em última análise, deixo a minha crítica acerca da EF no contexto em que estive inserida – Curso Profissional Técnico de Apoio à Gestão Desportiva, que sendo um curso ligado integralmente ao Desporto, a

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carga horária reservada à disciplina de EF (que como retratei antes, tem como matéria de ensino o desporto), tal como nos outros cursos profissionais, de apenas dois tempos de 50 minutos cada um, ou seja uma aula de 100 minutos por semana, em que em tempo útil de aula conta apenas com 80 minutos, descontando o tempo reservado para os alunos se equiparem e se desequiparem, ou até menos, se contarmos com a montagem e desmontagem do material que for utilizado naquela aula. O tempo atribuído aos seus módulos é também bastante reduzido, sendo atribuído a cada um o máximo de 11 tempos, o que significa que cada modalidade terá de ser abordada no curto espaço de tempo de seis aulas, distribuídas por uma aula por semana. O que comparando com outras disciplinas de cariz teórico-prático como Práticas de Atividade Física e Desportiva, que conta com 30 tempos para cada módulo (matéria), coloca a EF num papel pouco importante para o currículo dos alunos. Como sabemos, torna-se complicado e pouco eficiente o tratamento das matérias nesses curtos espaços de tempo, levando a aprendizagens pouco consolidadas por parte dos alunos e a uma desvalorização da EF.

É então, pelas razões acima apresentadas, imprescindível uma reforma do sistema educativo no tocante à disciplina de EF. Os seus objetivos devem ser repensados para que a sua prática pedagógica se possa também transformar. Para isso é primordial que todos os profissionais da área percebam a sua importância, para que a saibam defender e legitimar num discurso único e universal.

“… as categorias que formam o “ser humano” estão presentes na ação educativa em geral e na EF em particular: a corporalidade, o movimento, o sentido e a cultura” (Größing, 1993, cit. por Matos, 2014)

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