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CAPÍTULO VII A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

3. A importância dos princípios

418 Idem, ibidem, p. 456. 419 Idem, ibidem, p. 466. 420 Idem, ibidem, p. 468. 421

Alguns autores como Celso Bastos consideram que a interpretação conforme a Constituição é uma técnica e não um método. Hermenêutica e interpretação constitucional. Op. cit., p. 169.

422

Idem, ibidem, p. 479.

423

ALVARENGA, Lúcia de Barros Freitas de. Op. cit., p. 93.

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Analisar a importância dos princípios no processo de interpretação constitucional é uma questão crucial para o deslinde de quase todas as questões em face da Constituição. Os princípios jurídicos funcionam como vetores que orientam o trabalho dos intérpretes na busca da melhor solução para uma situação concreta. Não é pretensão deste trabalho e nem caberia no seu contexto esgotar o assunto mas é fundamental abordar a sua importância no que se refere à harmonização do instituto das ações afirmativas com os princípios da igualdade, da dignidade humana e da proporcionalidade.

“Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria”425.

Marcelo Campos Galuppo identifica três teorias que visam explicar a natureza e o conceito de princípio jurídico. A primeira é aquela que identifica os princípios com normas gerais ou generalíssimas (Del Vecchio e Bobbio). A incompatibilidade dessa teoria surge toda vez que dois princípios levam o intérprete a soluções distintas de um caso concreto. A prática demonstrou que essa aplicação universal dos princípios é irrealizável426.

A segunda teoria entende que os princípios não se aplicam integral e plenamente em qualquer situação (Alexy). Para o jusfilósofo alemão, os princípios são

425

BARROSO, Luís Roberto & BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.) A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 337-

338

426

Os princípios jurídicos no estado democrático de direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de

normas jurídicas, mas, diferentemente das regras, eles são normas jurídicas que dizem que algo deve ser realizado na maior medida possível427.

“Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, como também das jurídicas (...). De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto as regras contêm determinações no âmbito fático e juridicamente possível”428.

A terceira teoria (Jürgen Habermas e Klaus Günther) é uma crítica à teoria formulada por Robert Alexy.

{...} “Para esses autores, Alexy esvazia o caráter normativo dos princípios, entrando em contradição com a compreensão deontológica do direito que pretende defender. Por trás dessa questão, há um pressuposto da teoria desenvolvida por Alexy, que renuncia implicitamente à questão da justiça envolvida pelos princípios em favor da segurança do direito por meio da adoção de um procedimento ligado estritamente à metodologia do direito. Mesmo a teoria dos princípios como normas generalíssimas não renunciou, como Alexy inconscientemente o faz, à questão acerca da justiça, e, portanto, à questão acerca do fundamento ético do próprio direito”429.

Essa teoria é construída a partir do conceito de integridade de Dworkin, apropriado por Habermas.

“Integridade é um conceito central da teoria de Dworkin, responsável pela atribuição de legitimidade a um sistema jurídico. Integridade não é um conceito sinônimo de consistência. Se por consistência entendermos a repetição de soluções passadas para casos aparentemente iguais, então uma decisão inconsistente pode ainda assim cumprir a exigência de Integridade do direito; da mesma forma, uma decisão consistente pode ferir a exigência de integridade. Integridade (integrity) é um conceito ligado às razões que constituem o substrato das normas jurídicas e se conecta diretamente com os conceitos de justiça, de imparcialidade (Fairness) e de igualdade” (...)430.

427

Idem, ibidem.

428

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993. Apud GALUPPO, Marcelo. Os princípios jurídicos no estado democrático de direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Op. cit., p. 193.

429

GALUPPO, Marcelo. Os princípios jurídicos no estado democrático de direito: ensaio sobre o modo de sua

aplicação. Op. cit., p. 195-196.

430

Com base no estudo dessas três teorias Marcelo Campos Galuppo propõe que, no contexto do Estado Democrático de Direito e de preservação da auto-identidade de uma sociedade pluralista, “devemos procurar solucionar os impasses gerados nos discursos de aplicação sem abrirmos mão do maior número possível de princípios”. Para ele, o procedimento capaz de dar um curso para a tensão entre os princípios (os princípios constitucionais) “é aquele que envolve a racionalidade discursiva (ou seja, que avalia por meio de razões a correção normativa envolvida por esses princípios para o caso concreto), que não é neutra a argumentações práticas”431.

A questão é contextualizada por Galuppo em seu livro Igualdade e Diferença432. Com base na Teoria Discursiva do Direito o referido autor responde à pergunta sobre o tipo de discurso que pode avaliar se políticas (e inclusive normas) que envolvam discriminação são ou não injustas, ou seja, se criam ou não desigualdade:

{...} “Evidentemente, apenas os discursos de aplicação, que se realizam caso a caso, em que todos os aspectos relevantes do caso concreto podem ser avaliados por todos os envolvidos, pode realizar tal avaliação. Mas é possível também uma resposta afirmativa para esta questão, porque tais políticas privilegiam determinados projetos de vida em detrimento de outros. Mas, então, a questão não é propriamente se tais políticas criam um risco, mas que tipo de risco elas criam. Não implementar, em alguma medida, os projetos alternativos de vida é mais arriscado, do ponto de vista da integração social lingüisticamente realizada, do que criar, em alguma medida, tais desigualdades, porque implica, por falta de perspectiva de realização desses planos, formação de guetos onde se realizem tais projetos, que acabam por se constituírem sociedades alternativas à própria sociedade. É por isso que Baracho afirma que o juiz, na aplicação dos princípios constitucionais, “não fica preso a uma ideologia dominante” se leva a sério o Estado Democrático de Direito”433.

3.1 Ponderação de interesses, bens, valores e normas

A técnica da ponderação de interesses surgiu da necessidade de uma interpretação constitucional capaz de enfrentar a questão da colisão de princípios

431

Idem, ibidem, p. 205.

432

Igualdade e diferença. Estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Op. cit., p. 203 e ss.

433

consagrados na Constituição. A dinâmica de raciocínio assentada na fórmula da subsunção (premissa maior: a norma; premissa menor: os fatos; aplicação da norma ao caso concreto) não seria por si só suficiente para lidar com a multiplicidade crescente dos princípios434.

“A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. A estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora esteja sempre associada às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens valores ou normas”435.

Daniel Sarmento, um dos expoentes do tema no Brasil, informa que a técnica da ponderação de interesses é largamente utilizada como critério de constitucionalidade em questões que envolvem as cláusulas constitucionais do due process of law e da equal protection of laws436.

“Mais recentemente, o Judiciário norte-americano criou um terceiro Standard para análise de possível violação ao princípio da igualdade, mais leve que o strict scrutiny e mais exigente que o rational relationship, que é rotulado de intermediate test, sendo empregado sobretudo nas normas que criam discriminações em razão do sexo em geral e da legitimidade da prole. Nestas hipóteses, exige-se a prova da existência de uma relação “substancial” entre a discriminação adotada e um interesse governamental considerado ‘importante’”437.

A ponderação de valores tem destaque no equacionamento dos principais temas da atualidade438:

a) “o debate acerca da relativização da coisa julgada, onde se contrapõem o princípio da segurança jurídica e outros valores socialmente relevantes, como a justiça, a proteção dos direitos da personalidade e outros;

b) o debate acerca da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, envolvendo a aplicação das normas constitucionais às

434

BARROSO, Luís Roberto & BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 344-345.

435

Idem, ibidem, p. 345-346.

436

“Um dos grandes marcos na ponderação de interesses na jurisprudência americana foi a decisão proferida no caso United States v. Carolene Products Co., julgado em 1938, que considerou constitucional certa lei federal que regulamentava a comercialização de leite, cuja validade fora impugnada com base na alegada violação ao devido processo legal substantivo. A partir de então foram consagrados certos parâmetros para a ponderação de interesses, que, em linha geral, mantém-se até os dias atuais. A ponderação de interesses na constituição federal”. Op. cit., p. 154-155.

437

SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 157.

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relações privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a efetivação dos direitos fundamentais;

c) o debate acerca do papel da imprensa, liberdade de expressão e direito à informação em contraste com o direito à honra, à imagem e à vida privada”.

A técnica não está imune a críticas, seja porque “não atingiu o padrão desejável de objetividade”, dando lugar a ampla discricionariedade do juiz, seja porque “não fornece referências materiais ou axiológicas para a valoração a ser feita”439. Para Álvaro Ricardo de Souza Cruz, “a ponderação de valores para verificação da licitude das ações afirmativas deve ser rejeitada, uma vez que pode dar espaço a preferências pessoais”440.