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O contencioso da Universidade Federal do Paraná

CAPÍTULO V – A PROBLEMÁTICA CONSTITUCIONAL DAS AÇÕES

6. A jurisprudência brasileira

6.2 O contencioso da Universidade Federal do Paraná

Em 2004, a Universidade Federal do Paraná-UFPR estabeleceu em seus concursos vestibulares para ingresso nos cursos de graduação daquela instituição de ensino a reserva de 20% das vagas para estudantes afro-descendentes e outros 20% aos egressos de escola pública. O Ministério Público Federal propôs, perante o Juízo Federal de Guarapuava-PR, Ação Civil Pública destinada a ordenar que a UFPR deixasse de aplicar as normas editalícias referentes ao sistema de reserva de vagas. A ação foi desaforada para Curitiba345.

342

Processo: 2004.009.00272. Disponível em http//:www.tj.rj.gov.br.

343

Idem, ibidem.

344

Processo 2004.001.15772.Disponível em http//:www.tj.rj.gov.br.

345

Cf. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Suspensão de Execução de Liminar nº. 2004.04.01.054675- 8/PR, p. 1 (disponível em http//:www.trf4.gov.br – acesso em 23.01.06).

O Juiz Federal Substituto da 7ª. Vara proferiu decisão antecipando a tutela e, com isto, impedindo que no edital constasse o percentual de vagas mencionado, porque tal sistema estaria afrontando o princípio constitucional da isonomia. A UFPR interpôs pedido de suspensão da liminar, alegando que agiu nos limites de sua autonomia e que a ação visava à declaração de inconstitucionalidade, usurpando, dessa forma a atribuição do Procurador-Geral da República346.

A decisão de primeira instância foi suspensa por decisão do Presidente do Tribunal Federal da 4ª. Região, Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, que, após reconhecer a inexistência de legislação federal disciplinando o sistema de cotas e as desigualdades entre alunos egressos de escolas públicas e particulares e a persistência da desigualdade entre brancos e negros, consignou o seguinte em seu despacho347:

“Pois bem, a r. decisão atacada, prolatada por um jovem e dos mais brilhantes magistrados federais da Justiça Federal desta 4ª Região, baseou-se na ofensa ao princípio da isonomia. Esta é a questão. Não me alongo nas considerações, inclusive porque os autos não vieram com cópia da inicial da Ação Civil Pública. A questão central é a isonomia, ou seja, a decisão administrativa estaria tratando desigualmente negros e brancos. Assim não penso, com a vênia devida. Toco superficialmente no tema, até porque ele não morrerá aqui, pois será objeto de debate em muitas ações. Ao meu ver a distinção feita administrativamente e a ser disciplinada por lei, trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, como bem exposto na petição inicial (fls. 20/23). Em outras palavras, repetindo a lição de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed.Malheiros, 14ª Ed., p. 205), a igualdade não deve ser reconhecida formalmente, mas sim com os demais princípios, exigências e objetivos da Constituição. No caso, é fora de dúvida que a Carta Magna persegue também a redução das desigualdades sociais (art. 3º, inc. III) e a igualdade de condições para acesso e permanência na escola (art. 206, inc. I). Para mim, sem necessidade de longas citações doutrinárias, é o quanto basta”348.

Em outra decisão proferida pelo mesmo magistrado de primeira instância, em ação ordinária ajuizada com pedido de liminar contra o sistema de reserva de vagas da UFPR349, a questão voltou a ser apreciada e questionou-se a constitucionalidade das normas emanadas do edital da referida instituição de ensino. A autora da ação, uma 346 idem, ibidem. 347 Idem, ibidem, p. 2 348 Idem, ibidem. 349

candidata ao curso de medicina, alegou que obteve nota suficiente que a posicionava em 49º. lugar na “lista de espera”, sendo que 70(setenta) das 176 (cento e setenta e seis) vagas do curso foram destinadas aos cotistas. Caso não houvesse listas separadas para cotistas, a autora lograria sua aprovação na classificação em 144º. colocada no certame. Para a autora o sistema de cotas da UFPR possui caráter discriminatório inconstitucional350.

A norma impugnada pela autora da ação restringia-se à verificação da (in)constitucionalidade do conteúdo dos §§ 1º e 2º do art. 3º da Resolução nº 37/04- COUN (repetida nos §§ 1º e 2º do Edital nº 01/2004-NC), que rege o Processo Seletivo para ingresso nos cursos de graduação da UFPR no ano 2005, cuja redação é a seguinte:

Art. 3.º - O Núcleo de Concursos disponibilizará na Internet (www.nc.ufpr.br), até 16 de julho de 2004, o Guia do Candidato, que conterá os cursos e as vagas ofertadas para o ano letivo de 2005, inclusive com a indicação das vagas de inclusão racial e social, e outras informações complementares às deste Edital, que sejam necessárias para a orientação do candidato quanto às inscrições, às provas e ao registro acadêmico.

§ 1.º - Das vagas oferecidas para os cursos, 20% serão de inclusão racial, disponibilizadas para estudantes afro-descendentes, sendo considerados como tais os que se enquadrarem como pretos ou pardos, conforme classificação adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

§ 2.º - Das vagas oferecidas para os cursos, 20% serão de inclusão social, disponibilizadas para estudantes que tenham realizado o ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública, sendo possível a exceção de um ano letivo cursado em escola particular.

O magistrado em sua decisão favorável à autora aduziu que os dispositivos que disciplinavam as cotas na UFPR padeciam de vício de inconstitucionalidade material, uma vez que violavam o art. 208, inciso V, da CF/88, segundo o qual o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” é uma garantia inerente à educação prestada pelo Estado351.

350

Cf. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado do Paraná. Sentença de concessão de medida liminar. Proferida pelo Juiz Federal Mauro Spalding (Juiz Federal substituto – 7ª VF/PR). Processo nº. 2005.70.00.016443-4. Disponível em http//:www.jfpr.gov.br – acesso em 25.01.06)

351

Por outro lado, o referido magistrado argumentou que o fator “raça” não se mostra adequado às finalidades da norma constitucional que expressamente assegura a igualdade de condições para o acesso como princípio do ensino no Brasil (art. 206, inciso I, CF/88352.

“E mais. Se o vestibular não se mostra adequado para testar o grau de conhecimentos indispensáveis ao acesso às universidades, como corriqueiramente defendem alguns notáveis pedagogos, que se crie outro método mais eficiente de avaliação desses conhecimentos. O que não se pode admitir é que esse suposto erro sirva de justificativa válida para a instalação desse outro ainda mais grave, já que, como se disse, o critério de raça, de crença religiosa, de idade, de convicção política, de sexo, ou de qualquer outro que se distancie da finalidade inerente ao ensino superior (desenvolvimento da ciência) representa afronta ao princípio da igualdade que rege todas as relações jurídicas no Direito Brasileiro”353.

Analisando a questão dos cotistas egressos de escolas públicas, a decisão de primeira instância considerou que a reserva de vagas às “pessoas menos afortunadas acaba, assim como no caso das cotas raciais, implicando em segregação social, e não sua reintegração”354.

“Por fim, mas não menos importante, mister consignar que não se está aqui aplicando isoladamente o princípio da isonomia ou a regra constitucional que exige a capacidade do aluno como único critério válido para o ingresso no ensino superior. Não se está, nem de longe, olvidando-se dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tais como a erradicação da pobreza, a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem de todos sem preconceitos (art. 3º, CF/88). O que se está fazendo é evitando a prática de ações compensatórias distorcidas em favor de classes minoritárias, completamente alheias e dissonantes do sistema jurídico vigente aplicado ao ensino universitário, capazes de gerar discriminações, preconceitos e o enfraquecimento do ensino superior que vem, há tempos, pelo total descaso político da Administração Pública, sofrendo violações sérias na sua qualidade”355.

352

Idem, ibidem., p 8.

353

Cf. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado do Paraná. Sentença de concessão de medida liminar. Proferida pelo Juiz Federal Mauro Spalding (Juiz Federal substituto – 7ª VF/PR). Processo nº. 2005.70.00.016443-4. Disponível em http//:www.jfpr.gov.br – acesso em 25.01.06) p. 11.

354

idem, ibidem, p. 4

355

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TERCEIRA PARTE

DIMENSÃO HERMENÊUTICA

DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

CAPÍTULO VI

LIMITES E POSSIBILIDADES DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

1. Considerações iniciais

Neste capítulo analiso os limites e possibilidades na instituição das políticas de discriminação positiva. O que se pode notar é que as ações afirmativas com base no fator racial foram inicialmente encorajadas pelo Poder Executivo e por entes privados, e em algumas situações vêm sendo referendadas pelo Poder Judiciário como instrumento de solução de demandas em que esteja em jogo a problemática constitucional da igualdade.

O conjunto de decisões judiciais sobre o tema não permite afirmar que já existem contornos bem definidos sobre a problemática constitucional das ações afirmativas no Brasil. Mesmo em países como os Estados Unidos que adotam o instituto por mais de três décadas ainda não há certeza absoluta quanto aos critérios e limites na instituição de ações afirmativas com base no fator racial.

Alguns aspectos têm sido erigidos como fundamentais no contexto de validação do instituto e dizem respeito à proporcionalidade em sentido estrito, flexibilidade e à periodicidade (limitação temporal) dos programas de ação afirmativa. O princípio do mérito é outra condição de validade das ações afirmativas que vem sendo muito prestigiado pelo Poder Judiciário no Brasil.

2. Ativismo Judicial e papel do Poder Judiciário – ações afirmativas instituídas por