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Ativismo Judicial e papel do Poder Judiciário:

CAPÍTULO V – A PROBLEMÁTICA CONSTITUCIONAL DAS AÇÕES

2. Ativismo Judicial e papel do Poder Judiciário:

O Poder Judiciário exerce função primordial no que se refere ao controle jurisdicional das políticas de ação afirmativa, especialmente no que diz respeito ao seu papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo. E essa importância se torna ainda mais relevante quando se trata de normas relativas aos direitos fundamentais, que exigem uma reelaboração aclaradora356.

“Em outras palavras: não se atribui ao Poder Judiciário o poder de criar políticas públicas, mas tão-só de impor a execução daquelas já estabelecidas nas leis constitucional ou ordinárias. As sentenças obtidas podem constituir importantes veículos para canalizar em direção aos poderes políticos as necessidades da agenda pública através de uma “semântica” dos direitos sociais, e não meramente através das atividades de lobby ou demandas político-partidárias”357.

A questão é colocada no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito, na emergência da realidade contemporânea, e tendo como marcos a promoção da igualdade efetiva e a consolidação dos direitos sociais. Assim, o magistrado tem a função de dar respostas satisfatórias aos anseios da comunidade política.

“O ativismo judicial é, pois, característica essencial numa Democracia, onde a probabilidade de os direitos sociais serem respeitados é muito maior”358.

E dentre as formas de instituição de ações afirmativas, merece destaque aquelas impostas por força de um ato jurisdicional, isto é, programas concebidos e implementados em razão de ordem judicial.

{...} “Noutras palavras, sempre que o juiz reconhecer, pelos mais diversos meios e técnicas probatórias (incluindo-se aí a demonstração estatística), que ficou suficientemente provada a prática da discriminação numa determinada empresa ou setor do mercado de trabalho, ele terá a faculdade discricionária de determinar ou não a instituição de cotas. Caso determine, isso significará, por exemplo, que toda vez que um funcionário de cor branca ou do sexo masculino for admitido, concomitantemente também deverá haver a contratação de um empregado negro ou de uma mulher, até que a respectiva força de

356

Cf. ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Op. cit., p.188.

357

KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des) caminhos de um direito

constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 94.

358

trabalho venha a ser composta por um contingente de minorias proporcionalmente compatível com a sua representação no mercado de trabalho da localidade” {...}359.

No direito americano, essa intervenção do Poder Judiciário está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos. Assim, a vítima de discriminação só poderá recorrer ao judiciário após o esgotamento da via administrativa360. No Brasil, a questão começa a ganhar contornos jurídicos a partir de decisões isoladas.

Em decisão proferida na Ação Civil Pública nº. 1999.50.01.009568-0 – 1ª. Vara Federal-ES, cujo objeto versava sobre de pretensão do Ministério Público Federal de instituir cotas de 50% das vagas ofertadas em todos os cursos de graduação pela Universidade Federal do Espírito Santo, o magistrado alegou que nessa modalidade de ação afirmativa o Poder Judiciário não funciona como legislador positivo, não substituindo o Congresso Nacional. E citando o Professor Luís Roberto Barroso aduziu que a efetividade representa “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

“Partindo da premissa da estatalidade do Direito, é intuitivo que a efetividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são próprios. Não se refere aqui apenas à vigência da regra, mas também, e sobretudo, à capacidade de o relato de uma norma dar-lhe condições de atuação, isoladamente ou conjugada com outras normas. Se o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não há efetividade possível. Mas esta seria uma situação anômala em que o Direito, como criação racional e lógica, usualmente não incorreria”361.

O referido magistrado, ainda apoiado nos ensinamentos de Luis Roberto Barroso, sustentou que as normas constitucionais definidoras de direitos são as que

359

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. O Direito como instrumento

de transformação social. A Experiência dos EUA. Op. cit., p. 58.

360

O Estatuto dos Direitos Civis de 1964 instituiu uma Agência Federal Independente – Equal Employment Opportunity Commission-EEOC – com competência para coibir e punir, na esfera administrativa os atos atentatórios à regra da não discriminação no campo do emprego. Cf. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio

constitucional da igualdade. O Direito como instrumento de transformação social. A Experiência dos EUA. Op. cit., p.

59.

361

Cf. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado do Espírito Santo. Sentença proferida na Ação Civil Pública pelo Juiz Federal Raphael Cazelli de Almeida Carvalho (Juiz Federal Substituto)Processo nº. 1999.50.01.009568-0 – 1ª Vara Federal p. 13. (BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 85).

tipicamente geram direitos subjetivos, investindo os jurisdicionados no poder de exigir do Estado prestações positivas ou negativas, que proporcionem o desfrute dos bens jurídicos nelas consagrados. A decisão acatou parcialmente o pedido e condenou a referida instituição a reservar 20% das vagas ofertadas em todos os cursos oferecidos para estudantes oriundos de escolas públicas362.

A sentença de primeira instância não produziu qualquer efeito, haja vista que o recurso de Apelação Cível foi recebido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª. Região no efeito suspensivo – além do efeito devolutivo. Ao final, o Tribunal deu provimento ao recurso de Apelação e julgou improcedente o pedido contido na Ação Civil Pública, nestes termos:

“Direito constitucional. Direito social à educação. Acesso ao ensino superior. Universidade pública. Reserva de vagas. Igualdade material. Ação afirmativa. Razoabilidade.

{...}

6. O estabelecimento de cotas obrigatórias, por decisão do Poder Judiciário, viola o princípio de igualdade, desconsidera o mérito dos candidatos ao nível elevado de ensino no país, não atende às finalidades institucionais da Universidade, deixa de lado a autonomia universitária e, finalmente, vulnera o princípio da separação e harmonia entre os poderes da República Federativa do Brasil. O acesso ao ensino superior deve se pautar pelo critério do mérito individual, com base nos valores democráticos, humanistas, respeitando-se em tudo (e por tudo) a Constituição Federal de 1988”363.

Recentemente, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson JOBIM proferiu decisão nos autos da Suspensão de Liminar, tombada sob o nº 60/SP, relativamente ao tema de reserva de 30% (trinta por cento) das vagas dos cursos de medicina e enfermagem da Faculdade de Medicina de Marília (autarquia estadual), instituída por decisão do Juiz de Direito da 5ª. Vara Cível da Comarca de Marília/SP:

“A causa tem natureza constitucional (art. 2º, art. 5º, II, e art. 206, VI). Conheço do pedido. Examino a lesão à ordem pública. Na ordem pública está compreendida a ordem jurídico-constitucional e jurídico- administrativa (PET 2066 AgR, VELLOSO, DJ 28.02.2003). A decisão questionada impõe à Autarquia Estadual obrigação não prevista em lei. O requerente demonstra que o deferimento da liminar causa grave lesão à ordem e à administração públicas para a educação. Além disso, conforme orientação do STF, não cabe ao Poder Judiciário atuar como

362

Idem, ibidem, p. 15-16.

363

legislador positivo. Em razão do exposto, defiro a suspensão da decisão liminar proferida na Ação Civil Pública nº 2.622/2003”364.

O que se postulou nas duas Ações supracitadas foi a aplicação em nosso sistema de instituto peculiar do direito norte-americano, denominado court-ordered affirmative action programs365, ou seja, programas de ação afirmativa concebidos e implementados em razão de ordem judicial.

Não se pode olvidar que em 2002, mediante ato administrativo, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho implementaram ações afirmativas nos contratos com serviços de terceiros que prevêem a participação de no mínimo 20% de afrodescendentes366.

3. Doutrina da Ação Governamental e Ações afirmativas instituídas pelo Poder