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A indefinição de um conceito de questão política na teoria constitucional

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 91-103)

A dificuldade que primeiro se manifesta e que vai contagiar toda a tarefa a ser aqui empreendida reside na própria ausência de um conceito de questão política que seja suficiente a explicar seu sentido. Em seu primórdio, questão política significava a impossibilidade de análise judicial com decisão de mérito de determinado caso envolvendo ato emanado de um dos poderes do Estado, fosse ele Executivo, fosse ele Legislativo, pois eram esses poderes chamados de políticos, diferentemente do Judiciário, denominado judicial. Portanto, o conceito não tinha a ver com a discricionariedade do exercício do poder. Essa advertência já foi há bastante tempo assinalada por Oliver P. FIELD185.

Embora tivesse havido o estabelecimento da distinção, autor houve que, sob essa doutrina, confundiu os conceitos. É o caso de Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, que no verbete intitulado “Questões Políticas”, tratou de identificar questão política com ato discricionário186. O mesmo se diga de J. CRETELLA JÚNIOR, em verbete cujo título é “Ato de Governo”187, do qual também não se distanciou ARAÚJO CASTRO, que atribuía o significado de questão política à discrição do exercício dos poderes executivo e legislativo, mas já atentando para a violação a direito privado protegido pela Constituição, quando então manifestar-se-ia a possibilidade de análise do ato188.

Pedro LESSA189 também integrou o grupo dos que tentaram dar uma resposta à

indagação expressa em “O que é uma questão política?”. Depois de citar vários autores, menciona a classificação - já escrita neste mesmo Capítulo - das questões que poderiam ser

185 The doctrine of political questions in the federal courts, op. cit., p. 485.

186 Enciclopédia Saraiva do Direito. SP: Saraiva, 1977, v. 63, p. 76.

187 Dicionário de Direito Administrativo. RJ: Forense, 1978, pp. 66-67.

188 A Constituição de 1937. Brasília: Senado Federal, 2003, pp. 205-206.

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caracterizadas como questões políticas, elaborada por RUI BARBOSA - o que, de resto, também é feito por Alfredo BUZAID190 -, para concluir que questão política é aquela que se resolve por meio de faculdades ou poderes exclusivamente políticos.

C. A. Lúcio BITTENCOURT não se aventurou a conceituar o termo questão política. Limitou-se a escrever que o Poder Judiciário poderia aferir a legalidade dos atos exercidos pelos Poderes Legislativo e Executivo, mas não o seu acerto, vantagem ou propriedade191.

Cândido MOTA FILHO, em artigo intitulado “A Evolução do Controle da Constitucionalidade das Leis no Brasil”, após defender o já citado référé législatif criado na Constituição de 1937 afirmou, textualmente, que com o artigo 68 da Constituição de 1934 “avançou-se de algum modo”192.

M. Seabra FAGUNDES tentou conceituar o termo questão política asseverando que seria aquele que poderia ser caracterizado pela análise de seu conteúdo e finalidade193.

Pedro CALMON194 e Francisco CAMPOS195 representam aqueles que não tentaram elaborar um significado para o termo questão política, limitando-se a descrever a sua existência.

CASTRO NUNES, escrevendo em 1943196, portanto, sob a égide da Constituição de 1937, quando então ainda havia a regra constitucional de expressa proibição de análise judicial das questões políticas, argumenta que a função do Judiciário, representada pela

190 Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, cit., pp. 53-58.

191 O contrôle (sic) jurisdicional da constitucionalidade das leis. RJ: Forense, 1968, p. 124.

192 In Revista Forense, RJ, abril/1941, pp. 273-279.

193 O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6. ed.. SP: Saraiva, 1984, pp. 137-143.

194 Curso de Direito Constitucional Brasileiro. RJ: Freitas Bastos, 1937, p. 185. O autor tratou do tema de

forma indireta, pois que inserido no capítulo do controle da constitucionalidade das leis.

195 Direito Constitucional. RJ: Freitas Bastos, 1956, pp. 402-403. Assim escreveu o autor: “É verdade que uma

doutrina metafísica da Constituição estabeleceu que as questões políticas são defesas ao vosso conhecimento e à vossa decisão. Traduzida, porém, a estranha doutrina em linguagem de senso comum, o que se quis dizer é que a vossa competência tem por limite a irrecusável competência dos demais Poderes”.

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jurisdição, comporta exceções em seu exercício, que são as questões políticas e os atos discricionários197. Além de, portanto, diferenciar questão política de ato discricionário, CASTRO NUNES escreve que não é a natureza da questão, se meramente, puramente ou exclusivamente política, que a caracteriza como política, mas sim a função, esta sim política, exercida mediante critérios que escapam à apreciação judiciária198. A natureza política a ser perquirida, então, é aquela relativa à função de cada poder, e não a referente à matéria veiculada, o que implica argumentar que essa doutrina já trabalhava, talvez sem o saber, com a diferenciação funcional dos sistemas jurídico e político e, por conseqüência, com os limites ínsitos a cada um deles.

Carlos MAXIMILIANO199 também trata do tema das questões políticas, apresentando como descrição a enumeração dos eventos que poderiam se caracterizar como ilustrativos da matéria elaborada por RUI BARBOSA200 e já mencionada anteriormente neste mesmo trabalho. Escreve ele que os Presidentes nos Estados Unidos da América não se curvavam às decisões proferidas pela Suprema Corte quando esta resolvia casos políticos201 e que os atos puramente políticos, ainda que a Constituição fosse violada, estariam imunes à apreciação judicial202. A primeira afirmação é de caráter histórico, sendo comprovada pelos fatos já cumpridos; a segunda, de natureza teórica203, não parece encontrar guarida na própria teoria que dispensa tratamento ao tema, de vez que é voz corrente o entendimento de que, mesmo

197 CASTRO NUNES, op. cit. p. 604.

198 Ibidem, p. 609.

199 Comentários à Constituição Brasileira. RJ: Freitas Bastos, 1948, v. II, pp. 327-341.

200 Idem, pp. 336-337.

201 Idem, p. 329.

202 Idem, p. 334.

203 A mesma afirmação foi feita por James B. THAYER: “Therefore, since the power now in question was a

purely judicial one, in the first place, there were many cases where it had no operation. In the case of purely political acts and of the exercise of mere discretion, it mattered not that other departments were violating

the constitution, the judiciary could not interfere; on the contrary, they must accept and enforce their acts”, The Origin and Scope of the American Doctrine of Constitutional Law, Harvard Law Review, v. 7, n. 3, 1893-1894, pp. 134-135, grifou-se.

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sendo ato político, e desde que haja violação a direito individual, portanto, violação da Constituição, impõe-se a análise judicial.

Esse pequeno percurso doutrinário aqui levado a cabo demonstra a dificuldade na conceituação do termo estudado. Em certa doutrina encontram-se as tentativas de resposta à indagação O que é uma questão política?; em outra, as tentativas de enumeração de um rol de determinadas questões que poderiam ser consideradas como tal; em outra diversa há a apelação à tautologia204: todas, portanto, parecem perder-se num esforço contínuo para responder a uma indagação que, ao que parece, não comporta apenas uma única resposta representada por um único conceito. Por certo que uma análise das estruturas sociais do tempo histórico no qual a doutrina se perfez pode ser produtiva à investigação aqui proposta.

A doutrina das questões políticas, embora tenha tido seus espasmos de nascimento no fim do Medievo, firmou-se na Modernidade. Vai daí que ela se manifesta numa sociedade não mais segmentária ou estratificada. A sociedade moderna é aquela diferenciada funcionalmente. Dessa premissa decorre a observação das questões políticas, que se efetiva sob o pálio de um conceito de Constituição como acoplamento estrutural entre o sistema político e o jurídico. Mesmo no início de sua formação já está bastante clara a distinção funcional existente entre o sistema político e o jurídico. Portanto, a evolução semântica da doutrina das questões políticas tem que ser descrita nessa sociedade onde o sistema político diferencia-se funcionalmente do jurídico. Essa descrição permite a demonstração de que, mesmo na sociedade moderna, a doutrina teve significados diferentes. Esses significados

204 Conforme Carlos Roberto de SIQUEIRA CASTRO: “Eis aí, em conclusão, o mais aproximado sentido das

‘questões políticas’: são aquelas que, por decisão soberana do Poder Judiciário (e só deste), refogem ao âmbito do controle judicial e impedem o andamento do devido processo judicial. O que se disser, além disso, parece-nos arriscado e de difícil sustentação teórica” (O devido processo legal e a razoabilidade

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podem ser atribuídos, numa relação direta, àqueles inerentes ao próprio constitucionalismo do século XVIII ao século XX205.

No âmbito desse movimento de criação de leis fundamentais destacam-se duas experiências que acabaram por refletir as diferenças existentes entre o constitucionalismo americano e o europeu: o primeiro centrado na idéia de rights, enquanto o segundo na de Staat, État, Stato206. Na Europa a concepção da presença do Estado como provedor de ações fez-se sempre presente, e isso mesmo que se pense em ordens sociais concebidas de cima para baixo: o Estado prussiano é delas forte exemplo. Outras características de igual relevância também informam o constitucionalismo europeu, das quais se pode destacar a distinção entre a forma das Constituições e a substância do próprio constitucionalismo, motivo do astuto comentário de DICEY, para quem se o direito de liberdade individual é resultado que se deduz de princípios constitucionais, então pode ocorrer que esse mesmo direito seja suspenso ou perdido207; de mesma qualidade é o fato de que o Estado, ao menos o francês, não foi formado pela Constituição, pois ele já existia ao tempo de formalização dessa higher law; por fim, o fato de as Constituições européias positivarem normas atributivas de deveres aos cidadãos.

205 Conforme Gerhard CASPER. Changing Concepts of Constitutionalism: 18TH to 20TH Century. Supreme

Court Review, 1989, pp. 311-332.

206 Na Alemanha, por exemplo, a criação do judicial review foi pensada como barreira ao socialismo, conforme

Michael STOLLEIS, Judicial Review, Administrative Review, and Constitutional Review in the

Weimar Republic, op. cit., p. 271. Esse motivo de criação do instituto pode ser equiparado àquele da

origem do Estado de Bem-Estar, quando o Conde de Bismarck, em 1870, criou a seguridade social e os direitos a pensão como forma de debilitar o apoio aos partidos socialistas e movimentos sindicais, conforme Desmond S. KING, O Estado e as estruturas sociais de bem-estar em democracias industriais avançadas, in

Novos Estudos, Cebrap, SP, n. 22, 1988, pp. 53-76. Na Itália: “The Christian Democrats were anxious

about the possibility that the next legislative elections in 1948 would have produced a social-communist majority in the Parliament. So they thought that a non-elective body made up of legal people would have been a possible guarantee against a too progressive and anti-Catholic legislation”, Pasquale PASQUINO. Constitutional Adjudication and Democracy. Comparative Perspectives: USA, France, Italy. Ratio Juris, v. 11, n. 1, March 1998, p. 47.

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O constitucionalismo americano, de seu turno, é marcado por concepções distintas das que caracterizam o europeu. O Estado americano foi formado pela Constituição e a ênfase dessa lei fundamental foi sempre colocada na idéia de direito, sem a atribuição de tarefas ao Estado: constitucionalizou-se o laissez faire. Houve, portanto, no constitucionalismo americano, uma identificação entre Estado e Constituição, o que não ocorreu no europeu, onde prevaleceu a separação entre eles.

No decorrer do século XVIII ao XX tanto a sociedade americana quanto a européia, aí incluída a inglesa, vivenciaram o advento do Estado de Bem-Estar Social. Na Europa esse tipo de Estado teve vida mais profícua, por certo devido às características atinentes ao próprio constitucionalismo europeu, quanto então foram produzidas Constituições que bem poder-se- ia designar de analíticas. Nessas Constituições foram positivadas normas denominadas de princípios de ordem substantiva, relativos à democracia material, e não apenas formal, além de outras referentes à estrutura de governo e ao papel do judiciário, e isso mesmo a despeito de a Constituição de Weimar não positivar normas a respeito das liberdades. No que diz com a estrutura de governo, a maioria dos países europeus construiu seu modelo de democracia sob a égide do parlamentarismo, conferindo poderes bastante amplos ao Judiciário.

No constitucionalismo americano, a Constituição classifica-se como sintética e sua estrutura de governo é presidencial, com a atribuição de poderes não tão amplos ao Judiciário, o que, entretanto, não deixa de contribuir para a normalidade do processo político. Isso não quer dizer que esse constitucionalismo não tenha vivido a história do Estado de Bem-Estar Social. Tanto experimentou que o seu auge foi atingido nos anos trinta do século XX, quando então se tentou desconstitucionalizar o laissez faire, tendo o Judiciário cumprido papel de essencial relevância para a construção do modelo. As tentativas ocorreram na consecução de

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se extrair da cláusula do devido processo legal, prevista na 5ª e na 14ª Emendas, uma interpretação não mais tão-só procedimental, mas também substantiva.

Essas descrições são relevantes para o tema das questões políticas porque é nesse quadro que ele, tema, vai se firmar. A conjunção de fatores que se manifestaram em cada constitucionalismo é que vai permitir a admissibilidade da doutrina das questões políticas na jurisprudência constitucional. No caso europeu, a doutrina das questões políticas ou não tem aplicação ou, quando muito, aplica-se a um campo bastante limitado, qual seja, aquele dos direitos políticos, portanto, individuais. Já no caso americano, a doutrina das questões políticas se aplica devido aos fatores acima descritos e que informam o seu constitucionalismo. Num primeiro momento foi ela aplicada com o significado de respeito ao princípio da separação de poderes; num segundo momento sua aplicação ocorreu quando em análise a cláusula de garantia que envolvia a forma republicana de governo e a proteção dos Estados contra invasão externa e doméstica; num terceiro momento sua aplicação teve a ver com as relações internacionais208 e os direitos indígenas209 e, num quarto e último momento,

208 A título de exemplo, ver: The Schooner Exchange v. McFaddon, 1812; Porto Rico v. Rosaly, 1913; Oetjen v.

Central Leather Co., 1918; Commercial Trust Company of New Jersey v. Miller, 1923. Especificamente sobre os poderes de guerra, veja-se The War Powers and the Political Question Doctrine, Edwin B. Firmage, University of Colorado Law Review, v. 49, 1977-1978, p. 65-101; David COLE, Challenging Covert War: The Politics of the Political Question Doctrine, Harvard International Law Journal, v. 26, 1985, p. 155-188. Nas relações internacionais ganha corpo a possibilidade de aplicação da doutrina das questões políticas pela Corte Internacional de Justiça quando decidindo sobre os atos do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, conforme argumenta Marcella DAVID, Passport to Justice: Internationalizing the Political Question Doctrine for Application in the World Court, Harvard

International Law Journal, v. 40, n. 1, 1999, pp. 81-150; para uma descrição envolvendo a doutrina das

questões políticas na Corte Internacional de Justiça, veja-se Patrick M. NORTON, The Nicaragua Case: Political Questions Before the International Court of Justice, Virginia Journal of International Law, v. 27, 1986-1987, pp. 459-526. Numa perspectiva de refutação à existência da doutrina das questões políticas, veja-se Michael E. TIGAR, Judicial Power, The “Political Question Doctrine”, and Foreign Relations,

UCLA Law Review, v. 17, 1969-1970, pp. 1135-1179, para quem a abdicação judicial em casos

envolvendo as relações internacionais se configura em uma erosão das garantias formais e estruturais positivadas na Constituição; ainda numa crítica à doutrina, Linda CHAMPLIN and Alan SCHWARZ, Political Question Doctrine and Allocation of the Foreign Affairs Power, Hofstra Law Review, v. 13, n. 2, 1984-1985, pp. 215-256. Michelle de GOUIN, em United States v. Alvarez-Machain: Waltzing with the Political Question Doctrine, Connecticut Law Review, v. 26, 1993-1994, pp. 759-815, assevera que a Suprema Corte, nesse caso onde um cidadão mexicano foi raptado de seu país para ser julgado nos Estados Unidos da América, ao decidir que ele poderia ser julgado pela justiça norte-americana, revertendo uma primeira decisão da Corte Distrital de Los Angeles, utilizou uma ação variante paralela da doutrina das

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com a reestruturação da representação política nos Estados da Federação, quando então houve decisões da Suprema Corte aplicando a doutrina e depois refutando a sua aplicação.

Contudo, ainda assim remanesce um aspecto digno de destaque, que é representado pela afirmação de que a doutrina das questões políticas, ao menos na formulação que lhe atribuiu a construção da jurisprudência constitucional americana, não foi aplicada pela Suprema Corte visando a não-análise de mérito de casos jurídicos que envolvessem eventual violação a direito social210. Portanto, não é correto asseverar que haja uma correspondência de significado da questão política com a mudança da estrutura social de um Estado liberal para um Estado de Bem-Estar. Até porque o New Deal inaugurou um novo constitucionalismo americano, no qual ficou patente a rejeição do modelo original de distribuição do poder representado pela fórmula checks and balances, optando-se pelo incremento de criação das agências, o que foi dar, de sua vez, no aumento de poderes do Presidente da República211. É nesse quadro histórico que a Suprema Corte americana, quando entendeu, num primeiro momento, as tentativas de Roosevelt de desconstitucionalizar o laissez faire como inconstitucionais, julgou o mérito das ações, não aplicando a doutrina das questões políticas para deixar de analisar o mesmo mérito. Igual raciocínio tem que, obrigatoriamente, ser feito quando se trata de identificar a questão política com o devido processo legal substantivo, pois

questões políticas para tomar a decisão. Sob o argumento de que a doutrina das questões políticas é contrária à história constitucional norte-americana e à situação atual das relações exteriores daquele país, Thomas M. FRANCK. Political questions/Judicial answers. Princeton: Princeton University Press, 1992.

209 United States v. Kagama, 1886; Cherokee Nation v. Georgia, 1831; United States v. Holliday, 1865; N. Y.

Indians v. United States, 1866. Para uma crítica das decisões judiciais, veja-se Stephen Cosby HANSON,

United States V. Sioux Nation: political questions, moral imperative, and the national honor, American

Indian Law Review, v. 8, 1980, p. 459-484.

210 Pelo contrário, nos casos Comm. Of Mass. v. Mellon e Frothingham v.Mellon, U. S. 447, 1923, envolvendo

o Sheppard-Towner Act, que alocava determinada soma de dinheiro aos Estados visando ao combate da mortalidade infantil e maternal, desde que houvesse contrapartida pecuniária do mesmo Estado, a Suprema Corte entendeu, aplicando a doutrina das questões políticas, que não poderia analisar o mérito do caso, protegendo, dessa forma, uma espécie de direito social.

211 Conforme Cass R. SUNSTEIN. Constitutionalism after the New Deal. Harvard Law Review, v. 101, 1987-

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que, mesmo na conhecida fase do constitucionalismo americano chamada de Lochner Era, ela, a doutrina, nunca foi utilizada para fazer valer um desenfreado laissez faire. Uma reflexão diferente sobre o tema, mais ligada à possibilidade de sua identificação com a jurisprudência constitucional americana referente ao período denominado de New Deal e mesmo com o significado substantivo atribuído à cláusula do devido processo legal, implicaria numa descrição também distinta daquela que caracteriza a doutrina analisada, vale dizer, implicaria na construção de um outro conceito da própria questão política, o que foi feito pela doutrina brasileira citada neste capítulo.

Com efeito, o constitucionalismo brasileiro seguiu os passos do americano, copiando deste os traços essenciais, tais como a forma de governo, a de Estado e o princípio da separação de poderes; entretanto, não parece ter sido capaz de formar um Estado nacional, de vez que, mesmo rompendo com a metrópole, reproduziu, quase que na íntegra a monarquia portuguesa que viera substituir212. A história constitucional brasileira também se assemelha à francesa, ao menos se se pensar em que a Constituição não formou o Estado brasileiro, no número de constituições que cada país teve em seu curso temporal e na forma analítica em que esses documentos formais se apresentaram. É que suas origens se encontram na Revolução Vintista, 1820, no Porto, Portugal, que contagiou a então Colônia e fez produzir a Constituição de 1824, produto esse marcado por um Iluminismo moderado213: no território nacional não houve guilhotina e as relações econômicas escravistas se mantinham, o que

212 Veja-se Caio PRADO JÚNIOR, Formação do Brasil Contemporâneo, in Silviano SANTIAGO (coord.).

Intérpretes do Brasil. 2. ed.. RJ: Nova Aguilar, 2002, v. 3, p. 1434. Conforme CRUZ COSTA: “O novo

regime foi, assim, mais uma transformação de cúpula; foi o resultado de uma composição da burguesia com uma parte da plutocracia rural – foi, em suma, a ascensão de um governo burguês oligárquico. ‘A

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