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Justificativa da escolha da abordagem a ser aqui empreendida

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 132-136)

Foi escrito no capítulo anterior, por duas vezes, que neste trabalho há o abandono da maneira pela qual a tradição constitucional aborda a doutrina das questões políticas e que é representada pelas inúmeras e infrutíferas tentativas de conceituação do termo. Aqui há uma deliberada escolha pela forma de abordagem traduzida no abandono da tentativa de busca de um conceito para o termo: qualquer que seja o escolhido não será suficiente a descrever a complexidade e o sentido do que se possa compreender por questão política. É que a questão política pode ser compreendida como um halo conceitual, pois, conforme se pode perceber ao longo de toda a descrição empreendida neste trabalho, não permite, ela, a manifestação de um único conceito unívoco e dela não se tem uma noção clara de seu conteúdo nem de sua extensão. Daí a necessidade, mesmo para guardar-se coerência com o método escolhido, da utilização de conceitos e esquemas da teoria luhmanniana: os dois lados da forma da distinção direito/política, representados pela questão política como questão não-jurídica e pela questão política como questão jurídica, significam apenas o ponto inicial da discussão.

Ela pode ser incrementada com a adição de conceitos-chave para o entendimento do tema aqui proposto, quais sejam, a complexidade e o sentido. É que uma teoria que se proponha a descrever da forma a mais adequada possível o tema das questões políticas tem que considerá-lo como aquele que ocorre na sociedade moderna, pois é ela complexa e é nela que o sentido dá forma à distinção sistema/ambiente e, portanto, à distinção direito/política.

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A distinção da qual aqui se trata é entre direito/política e que pode se desdobrar em várias outras: naquilo que interessa, um dos desdobramentos possíveis é manifestado na distinção questão política/questão jurídica. Isto põe de manifesto a distinção que existe entre o sistema jurídico e seu ambiente - no qual se inclui o sistema político - e o sistema político e seu ambiente - no qual se inclui o sistema jurídico. Essa distinção é fundamental à descrição aqui proposta, pois é ela que vai permitir afirmar que o processo de tomada de decisão política conflui para a complexidade da complexidade, enquanto que a jurisprudência conflui para o sentido do sentido280.

Para LUHMANN, complexidade tem que ser pensada com a ajuda de dois conceitos: a) a distinção entre elementos e relações; b) um problema de observação281.

Se há um sistema no qual o número de relações é crescente, torna-se difícil a inter- relação de cada elemento com todos os outros. Disso advém a necessidade de seleção, pois que toda operação que estabelece uma relação tem que escolher uma entre várias: a seleção é, por isso, forçada, é imposta pela complexidade. A complexidade, então, refere-se às operações, que são realizadas, nos sistemas autopoiéticos, de forma fechada282. Como não é possível predizer quais seleções serão realizadas, pois que o conhecimento de um elemento não leva ao conhecimento de todo o sistema, é a observação de outros elementos que fornecerá informação adicional sobre o mesmo sistema283.

Por operação, LUHMANN entende o processo atual de reprodução do sistema, enquanto que, por observação, o ato de distinguir para a criação de informação284. Tanto a

284 Ibidem, p. 27.

280 LUHMANN, Complejidad y sentido, in Complejidad y Modernidad –de la unidad a la diferencia. Madrid:

Josetxo Beriain y José Maria García Blanco (ed.), Editorial Trotta, 1998, p. 26.

281 Ibidem.

282 Ibidem.

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noção de complexidade baseada na operação, quanto a baseada na observação apontam, respectivamente, para uma seletividade forçada que, de sua vez, é a condição de possibilidade da operação e da observação285.

LUHMANN constrói sua teoria sobre o sentido utilizando-se do método fenomenológico, pelo qual a realidade - o mundo - é descrita tal como aparece286.

O sentido implica em sempre focar a atenção sobre uma possibilidade entre várias outras - ele está rodeado de possibilidades: o sentido é a conexão entre o atual e o possível; não é nem um nem outro. Ele está baseado na instabilidade dos elementos - é privativo dos sistemas dinâmicos autopoiéticos287.

A atualidade é certa, porém instável; a potencialidade é incerta, mas estável. A função do sentido organiza a atenção de maneira alternante sobre esses dois horizontes e é essa função que permite a evolução do sentido e que vai dar numa complexidade crescente288.

E se a complexidade é uma seletividade forçada, o sentido é uma representação da complexidade e que se constitui numa forma de fazer face à complexidade sob essa mesma seletividade forçada289. A seletividade forçada, além de ser, ao lado da variação e da reestabilização, componentes do processo evolutivo, é realizada pelos sistemas parciais da sociedade sempre tendo em vista reduzir a complexidade dessa mesma sociedade moderna. O sistema político cumpre esse papel por meio da execução de sua função, que é a de produzir decisões vinculantes; o jurídico, pela sua função, que é a de estabilizar expectativas normativas: ambos, por meio de decisões.

285 LUHMANN, Complejidad y sentido, in Complejidad y Modernidad –de la unidad a la diferencia – op. cit.

286 Ibidem, p. 28.

287 Ibidem.

288 Ibidem, p. 29.

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Tanto o sentido como representação da complexidade quanto a mesma complexidade se manifestam na jurisprudência constitucional sobre o tema das questões políticas. Grosso modo, poder-se-ia argumentar que as decisões políticas, que têm o condão de engendrar o nascimento de uma questão política, sempre levam em conta a complexidade da sociedade moderna, e por isso são tomadas sob a forma de uma seleção forçada.

Essa complexidade pode ser percebida, na forma de repartição horizontal de poder, pelas várias atribuições/competências deferidas ao Poder Executivo, sujeitas, de sua vez, aos controles político - auto-controle e controle do Poder Legislativo - e jurídico e deferidas também ao Poder Legislativo: e assuntos políticos podem ser sempre condensados como possibilidades de decisão.

Pode-se acrescentar a isso, ao menos na experiência constitucional brasileira, o incremento cada vez maior do exercício de funções atípicas dos poderes, o que aumenta, por necessária conseqüência, o aparecimento de questões que tanto podem ser políticas e jurídicas e políticas e não-jurídicas290.

Aliada à alta contingência da sociedade moderna, a complexidade, que norteia os processos de tomada de decisões, faz que se tenha que obrigatoriamente abandonar qualquer tentativa de conceituar o tema das questões políticas, pois elas, conforme já escrito, são concebidas pelo poder político, que de sua parte, como que ratificando a compulsória circularidade existente na mesma sociedade moderna, tem que levar em conta a mesma complexidade existente.

Há, contudo, uma diferença a ser estabelecida: a complexidade orienta os processos de tomada de decisão, enquanto que o sentido, que é a representação da complexidade, norteia a jurisprudência, que é a decisão jurídica. Pelo fato de que é o sentido que dá forma à distinção

290 O caso do Brasil é emblemático, pois o Executivo legisla por meio de medida provisória, o Judiciário vive a

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direito/política e de que é ele mesmo que orienta a jurisprudência é que haverá a necessidade de uma decisão jurídica, afirmando tratar-se de questão política como não-jurídica ou como jurídica.

Distinções, então, dão o tom à canção na sociedade moderna: direito/política, questão política/questão jurídica, Estado/Tribunais. Esta última distinção dará o norte a este Capítulo.

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 132-136)