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Funções da questão política;

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 169-174)

Na análise empreendida por Fritz W. SCHARPF, no artigo intitulado Judicial Review

and the Political Question: a functional analysis, após descrever os diversos casos jurídicos

nos quais a Suprema Corte norte-americana decidiu aplicando a doutrina das questões

364 “2. Os objectivos políticos visados pelo legislador não são controláveis pelos tribunais constitucionais no que

toca à sua correcção e oportunidade. Àqueles não compete nomeadamente decidir se a regulamentação efectivamente adoptada é a que melhor preenche o fim em vista e a mais razoável. Eis um limite da competência de controlo que nem sempre é compreendido por aqueles que recorrem ao tribunal constitucional. Estes últimos pensam por vezes que o tribunal constitucional é como que um areópago, um ‘conselho de sábios’, que poderia corrigir os erros políticos (reais ou supostos) do Parlamento. Os tribunais constitucionais defenderam-se sempre com energia desta abusiva pretensão” (Estado de Direito e Poder Político: Os Tribunais Constitucionais entre o Direito e a Política, in Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1980, v. LVI, p. 13).

365 Apenas para um início de conversa, ver: Raoul BERGER. Government by judiciary. Indianapolis: Liberty

Fund, 1997; Matthew J. FRANCK. Against the imperial judiciary. Kansas: University Press of Kansas, 1996; Richard H. FALLON, JR.. Implementing the Constitution. Cambridge: Harvard University Press, 2001. Sobre a última eleição norte-americana para Presidente ter sido decidida pela Suprema Corte e a identificação dessa decisão com um Judiciário ativo, ver Ronald DWORKIN. A badly flawed election, in

The New York Review of Books, January 11, 2001.

366 Neste item utilizar-se-á duas concepções de função. Para as quatro primeiras funções, descritas nos itens

5.4.1. a 5.4.4., empregar-se-á o conceito de função de Fritz W. SCHARPF: “21. The term ‘functional’ as used throughout this article refers to the interrelationship between the nature of the task which the Court is performing and the means which it can employ for the performance of this task. If its ordinary means prove inadequate for a particular task, the Court may react either by enlarging its arsenal of means or by limiting the tasks which it will perform. Both reactions will be characterized as functional” (Judicial review and the political question: a functional analysis, Yale Law Journal, march 1966, v. 75, n. 4, p. 523); para o item 5.4.5. será utilizado o conceito de função da teoria luhmanniana, pois ali a análise já ocorre à luz dessa teoria: ambos os conceitos, conceitos de relação.

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políticas, propõe ele uma análise funcional do tema, pela qual a Corte poderia definir padrões para a aplicação da doutrina respectiva.

O primeiro desses padrões seria aquele referente à dificuldade de acesso à informação367. Este caso enquadra-se nas situações em que estão em análise as relações internacionais, pois é na apreciação dessas matérias que o Judiciário muita vez encontra dificuldade em acessar as informações necessárias e pertinentes: os arcana imperii são apenas um exemplo disso.

Quando em jogo esse tipo de matéria, a Corte, que na maioria das vezes não se encontra familiarizada com ela, não pode fixar padrões absolutos ou abstratos para decidir o caso, tendo em vista, exatamente, o desconhecimento dele: e é nesse problema de informação que a aplicação da questão política é admitida. Essa a primeira função.

5.4.2 a necessidade de uniformidade da decisão

A aplicação da doutrina das questões políticas não pode ser realizada sem a utilização de qualquer parâmetro uniforme à sua admissão368. Essa uniformidade exigida na decisão do sistema jurídico tem a ver com a variedade e a redundância que o sistema deve gerar para conseguir operar. A variedade e a redundância369 de casos e das decisões - de sua vez, condições da própria autopoiese do sistema - permitem, dessa maneira, ao sistema jurídico seguir operando de forma fechada.

Esta função, então, serve à manutenção da própria autopoiese do sistema jurídico, pois é por meio dela que ele condensa o sentido referente à aplicação das questões políticas.

367 Fritz W. SCHARPF. Idem, op. cit, p. 567.

368 Ibidem, p. 573.

369 Com LUHMANN: “La redundancia resulta (circularmente) de que la información precedente se debe tomar

en cuenta en la operación de los sistemas autopoiéticos” (...) “Con esto (variedad) nos referimos a la cantidad y a la diversidad de operaciones que un sistema reconoce como propias y que puede realizar” (El

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5.4.3 o respeito a uma mais ampla responsabilidade dos poderes políticos

Em alguns casos jurídicos envolvendo questão política que se caracterizem pela complexidade impõe-se a fixação de critério que justifique e limite as decisões do Poder Executivo e do Poder Legislativo370. Não há como o Judiciário simplesmente aplicar a doutrina das questões políticas afirmando que uma suposta análise de mérito do caso jurídico possa atrapalhar a ação dos outros poderes.

O respeito do Judiciário ao exercício da função política pelos outros poderes deve existir, conforme vem sendo descrito neste trabalho; contudo, isso não implica em utilização dessa mesma deferência para não analisar o mérito dos casos jurídicos. A decisão jurídica tomada nesses termos pode ser fruto de uma desdiferenciação funcional, desde que seja ela determinada pelo ambiente do sistema jurídico, mais especificamente, pelo sistema político. 5.4.4 limitações normativas da questão política371

A jurisprudência constitucional, tanto a brasileira quanto a norte-americana372, confere tratamento particular à aplicação da questão política quando em jogo direito fundamental.

No Brasil, conforme já exposto neste trabalho, basta a configuração da ameaça ou da lesão a direito fundamental para que a questão política se converta em questão jurídica, o que equivale a dizer que a doutrina que a informa não é aplicada. Na Suprema Corte norte- americana o mesmo acontece, com a única diferença de que, lá, a não-aplicação ocorre quando em causa direito individual e não fundamental.

Uma outra situação em que a doutrina das questões políticas não é aplicada, na jurisprudência norte-americana, é aquela na qual esteja em conflito a competência dos

370 Fritz W. SCHARPF. Judicial review and the political question: a functional analysis. Op. cit., p. 578.

371 Ibidem, p. 583.

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próprios departamentos do governo federal - The Steel Seizure Case, 1952, e The Pocket Veto Case, 1929 - ou entre o governo federal e os estados373, argumento este último, de acordo com o já descrito no Capítulo 2, empregado no paradigmático caso Baker v. Carr. Essa forma de não-aplicação da questão política em caso de conflito entre os poderes políticos não encontra similar na jurisprudência brasileira, apesar de ter significado relevante para os sistemas da sociedade. É que quando em conflito os departamentos do governo federal - Executivo e Legislativo - o Judiciário, numa observação do sistema político e pelo respeito ao princípio da maioria, não seria o poder legítimo a indicar quem está no direito e quem não está. Em geral, no Brasil, esses conflitos são decididos na arena política, onde se manifesta o controle político do poder, que também pode ser denominado de auto-controle do sistema político - os casos da medida provisória e da questão interna corporis, já descritos nesta sede, são exemplos dessa função das questões políticas.

Este caso é um típico exemplo não de não-aplicação da doutrina das questões políticas, mas, mais do que isso, de impossibilidade teórica e prática de manifestação, daí a alocação do problema no sistema político, que vai decidir, na execução do controle político do poder, se aprova ou não o ato emitido por um dos poderes políticos. Reforça, de igual efeito, a idéia da relevância da existência do controle político do poder, ao lado do controle jurídico: a doutrina das questões políticas permite essa descrição, nos moldes em que aqui traçada. Por outro lado, esse argumento impede a consideração, só por si, do exercício das técnicas de controle de constitucionalidade das leis como questão política - de vez que, se reconhecido e não-aplicado, converte a questão em jurídica -, isto é, não basta para a configuração de uma questão política que uma lei aprovada pelo Legislativo seja objeto de ação judicial respectiva de autoria do Chefe do Executivo.

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Em relação a eventual conflito entre o governo federal e os estados, se for o caso de manifestação de qualquer tipo de inconstitucionalidade - v.g., o modelo federal de processo legislativo -, o conflito poderá ser decidido no exercício das técnicas de controle correspondentes; se não for o caso de inconstitucionalidade e a questão residir apenas em ilegalidade, poderá ser decidida no exercício da competência respectiva.

Esta função limitadora da aplicação da própria doutrina das questões políticas permite uma descrição bastante ampla do tema, pois que demonstra que a sua não-aplicação não se restringe aos casos jurídicos em que haja ameaça ou lesão efetiva a direito fundamental. Como causa de conversão, então, da questão política em questão jurídica, tem-se, além da ameaça ou lesão real a direito fundamental, a possibilidade de conflito entre o governo federal e os estados.

5.4.5 a manutenção da diferenciação funcional dos sistemas jurídico e político

A manutenção da diferenciação funcional dos sistemas jurídico e político, que é decidida pelo sistema jurídico, quando se pronuncia a respeito de um caso jurídico que trate de questão política, para considerá-la como não-jurídica, representa o exercício da função do próprio sistema jurídico, função como conceito de relação, e não teleológico: relação, aqui, com o sistema da sociedade. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à decisão jurídica que considera a questão política como jurídica, ou seja, àquela que converte uma em outra: a diferenciação funcional aqui é mantida porque há uma retificação de uma decisão política que ultrapassa as possibilidades - os limites - da política.

Tendo em vista a função de cada sistema diferenciado funcionalmente ser um conceito de relação, não há hierarquia entre os sistemas jurídico e político: essa parece ser uma produtiva descrição do funcionamento dos sistemas na sociedade moderna referente às questões políticas. Se assim parece ser mais adequado descrever o problema, então a distinção

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judicialização da política/politização da justiça significa qualquer outra coisa, menos o sentido literal de judicialização da política/politização da justiça. Assumir essa distinção como a mais produtiva à descrição da compreensão das questões políticas pelos sistemas jurídico e político é colocar em jogo a própria democracia, o que não parece acontecer, mesmo quando são manifestos os casos jurídicos envolvendo questões políticas e que a teoria insiste em tratar sob o pálio dessa mesma distinção representada pelo par judicialização da política/politização da justiça: dessa maneira, essa distinção pode ser conceituada por aquilo que ela não é, assim como a própria democracia.

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 169-174)