• Nenhum resultado encontrado

Origem e história do termo “questões políticas”

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 58-72)

A denominada doutrina das questões políticas113, nascida na jurisprudência e que, portanto, nada tem de doutrina114, começa, por isso mesmo, sua história embaralhando antigas e consolidadas idéias a respeito das fontes do direito, nas quais a clássica divisão entre doutrina e jurisprudência é de notório conhecimento115.

Citado por Bernard SCHWARTZ como sendo um dos primeiros casos no qual se manifestou a noção é um de 1460, na Inglaterra, onde o Duque de York moveu processo reivindicando a declaração de legítimo herdeiro do trono - The Duke of York’s Claim to the Crown -, ao que os juízes decidiram que “não ousavam entrar no trato de tal questão, pois competia ao senhor de sangue real e dono dessas terras tomar conhecimento e intrometer-se em tais assuntos”116.

113 Um primeiro espasmo de seu significado pode ser encontrado, na teoria, em MAQUIAVEL: “Nenhum

conselho ou magistrado deve poder obstruir os assuntos do Estado” (Capítulo Qüinquagésimo,

Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, op. cit., p. 159).

114 Nem de doutrina e nem de norma que a impunha, conforme escreve Amaro CAVALCANTI: “A constituição

americana, bem como a brasileira, não cogitou, por dispositivo expresso, dessa medida de incontestável prudência para boa harmonia dos poderes; e sendo para notar, que a observância desses preceitos, em vez de imposta pelas leis, tem sido a obra dos próprios tribunais de justiça, como condição necessária ao fiel desempenho de suas importantes funções” (Regime federativo e a república brasileira, Brasília: Universidade de Brasília, 1983, p. 202).

115 TOCQUEVILLE mesmo manifestava, já na época de 1835-1840, seu entendimento de que as questões

políticas que os juízes deveriam resolver se prendiam ao interesse dos queixosos (A democracia na

América, op. cit., p. 85). Portanto e conforme se verá, concepção diferente daquela aqui mencionada.

116 Direito constitucional americano. RJ: Forense, 1966, p. 194. Embora tenha sido esse o primeiro caso no

qual se assentou a doutrina das questões políticas, aquele tomado como paradigma e precursor foi o Nabob

of the Carnatic v. East India Company (1793), no qual a companhia foi processada por quebra de contrato por Nabob, tendo a Corte inglesa decidido que a companhia, quando celebra contrato com potentado, o faz

58

Sob o enfoque dogmático do direito constitucional norte-americano, a doutrina das questões políticas faz parte, ao lado do standing, ripeness, mootness e collusive suits, da doutrina da justiciabilidade - justiciability doctrine117 -, pela qual o Tribunal exerce controle preliminar sobre o conhecimento de toda ação judicial, ou seja, há a necessidade de superação da análise dessas condições para que o mérito do caso jurídico seja apreciado. Uma vez reconhecido que o caso apresentado trata de questão política, não há a análise do respectivo mérito.

Na jurisprudência norte-americana118, o tema veio exposto no caso Ware v. Hylton, de 1796, onde a doutrina foi tomada na conta de garantia de respeito ao princípio da separação de poderes119. O caso jurídico consistiu em que uma lei do Estado da Virginia, de 1777, decretou o confisco de todos os débitos devidos aos cidadãos britânicos. Sem embargo, foi impetrada uma ação de cobrança de débito devido antes da Revolução por um americano a um cidadão britânico. O fundamento era o de que o Tratado de Paz com a Inglaterra continha a cláusula “creditors, on either side, shall meet with no lawful impediment to the recovery of the full

por delegação soberana da Inglaterra e, portanto, esse assunto não poderia ser objeto de análise judicial, conforme Maurice FINKELSTEIN, Judicial Self-Limitation, Harvard Law Review, v. 37, 1923-1924, pp. 339-340. No mesmo artigo, ver outros casos que também envolveram a doutrina das questões políticas:

Penn v. Lord Baltimore, 170; Buron v. Denman, 1848; Rustomje v. The Queen, 1876 e West Rand Central

Gold Mining Company, Ltd. v. The King, 1905, pp. 338-341.

117 Conforme Laurence H. TRIBE. American Constitutional Law. 2. ed.. New York: The Foundation Press,

1988, pp. 77-110. “Standing: the legal right of a person or group to challenge in a judicial forum the

conduct of another, especially with respect to governmental conduct; Ripeness: doctrine in constitutional law under which the Supreme Court, in accordance with its policy of self-restraint, will not decide cases in advance of the necessity of deciding them; Mootness: a case seeking to determine an abstract question which does not rest upon existing facts or rights, or which seeks a judgment in controversy when in reality there is none; Collusive suits: an impermissible action maintained by non-adversary parties to determine a hypothetical point of law, or to produce a desired legal precedent”. Steven H. GIFIS. Law Dictionary. 3. ed.. New York: Barron´s Educational Series 1991, respectivamente, pp. 460-461, 425-426, 307 e 80, grifou- se.

118 A produção acadêmico-teórica a respeito do tema é enorme e contínua, de modo que seria praticamente

impossível esgotar a sua citação neste trabalho. Na medida do possível serão citados aqueles artigos reputados mais relevantes e concernentes à matéria.

119 Ver, nesse sentido, Jorge Reinaldo A. VANOSSI, Teoría Constitucional. Buenos Aires: Depalma, 2000, v.

II, p. 401; Oliver P. FIELD, The doctrine of political questions in the federal courts, Minnesota Law

Review, v. 8, n. 6, Maio, 1924, pp. 485-513 e Robert E. GILES. Federal Jurisdiction-Political Question-

59

value of all bona fide debts, heretofore contracted”120. Ironia do destino, o advogado da Virginia foi MARSHALL, que argumentou que “that judicial authority can have no right to question the validity of a law; unless such a jurisdiction is expressly given by the constitution”121. A Suprema Corte julgou favoravelmente ao autor da ação sob o fundamento de que o Tratado de Paz dos Estados Unidos da América com a Inglaterra não concernia a conflito de lei estadual com débitos devidos por americanos a cidadãos britânicos, isto é, valia, para o caso, o texto do tratado e não o da lei estadual. Pode ser observado que, nesse caso jurídico, manifestou-se pela primeira vez o embrião daquilo que viria a ser denominado de judicial review122, além de demonstrar a necessidade do controle jurídico do poder.

Contudo, ficou ela, a doutrina das questões políticas, conhecida no famoso caso Marbury v. Madison, 1803, de onde se extraem, então, pelo menos duas grandes lições do Direito Constitucional: a) a primeira delas, já de conhecimento dos estudiosos, se refere à “criação” do controle difuso de constitucionalidade; b) a segunda, que aqui interessa e que, parece, menos célebre, traduz-se no lançamento e admissão, ainda que de forma passageira, do tema da questão política123. Por certo que esse julgado, que praticamente criou o controle

120 Bernard SCHWARTZ. History of the Supreme Court. New York: Oxford University Press, 1993, p. 22.

121 Escreve Bernard SCHWARTZ sobre o argumento de Marshall: “Had Marshall’s Ware v. Hylton assertion

prevailed, the American system of constitutional law would have developed along lines altogether different from the course taken” (idem, p. 22).

122 Conforme, ainda, Bernard SCHWARTZ: “Even more important, the Supreme Court began to lay the

foundation for judicial review soon after it went into operation. Of particular significance in this respect were three cases decided during the 1790s. The first was Ware v. Hylton” (ibidem).

123 Para entender a questão: Em 1801, por ato do Governo Federal, William Marbury foi nomeado juiz de paz do

distrito de Colúmbia por cinco anos. Depois da comunicação ao Senado em 2 de março do mesmo ano, foi aprovada a indicação no dia subseqüente. Jefferson, assumindo a presidência dos Estados Unidos e tendo na figura de Marbury um adversário político, cassou o ato de nomeação. Contra esse ato impetrou Marbury,

junto à Suprema Corte, um writ of mandamus. A Suprema Corte denegou a ordem baseada no

entendimento de que, embora a Lei Orgânica dos tribunais americanos conferisse a competência a ela para processar e julgar originariamente o pedido, a Constituição americana o fazia apenas para indicar a competência, em caso que tal, em grau de recurso. Desse confronto entre a lei e a Constituição deliberou-se prestigiar a última, nascendo assim o controle de constitucionalidade difuso. Esse é o fundamento da denegação, embora na ementa do acórdão tivesse ficado assentado que o Judiciário não poderia conhecer de questão que dissesse respeito apenas à discricionariedade do ato de governo, quando não confrontasse direito individual; se houvesse esse tipo de violação, aí manifestar-se-ia a possibilidade de judicialização da questão (Ver Decisões Constitucionais de John Marshall, Brasília: Ministério da Justiça, 1997, pp. 1-29).

60

difuso de constitucionalidade da lei, acabou por eclipsar o outro lado da forma, representado pela introdução da doutrina das questões políticas nos Estados Unidos da América. Tautologicamente, a mesma criação do judicial review é que confere força de significado à doutrina das questões políticas tal como ela é hoje conhecida; por isso mesmo é que ninguém se refere aos casos jurídicos julgados na Inglaterra como paradigma de discussão: cita-se, sempre e sempre, Marbury v. Madison. Nesse julgamento ficou assentado que a nomeação de funcionários pelo Presidente da República é ato discricionário seu, é assunto político que diz respeito à Nação e que não tem a ver com direitos individuais; quando, porém, a lei lhe determina a prática de certos atos e quando direitos individuais dependem da execução desses atos, ele se torna oficial da lei, e aí não pode descumpri-la: não se trata mais, portanto, de arbítrio constitucional e legal, mas sim de que a pessoa que se julgar ofendida em seu direito individual possa se socorrer das leis de seu país visando à reparação do dano124.

Como se observa nesse julgado, a doutrina em si mesma não foi utilizada, pois o caso se resolveu pela análise de um outro aspecto ligado à inconstitucionalidade de ato normativo, apesar de, ao que parece, ter ficado claro, pela redação exarada por MARSHALL, que mesmo que se tratasse de um ato político e este ferisse direito individual, aí a questão não continuaria a ser política.

124 Decisões constitucionais de John MARSHALL, op. cit., pp. 14-15, verbis: “Pela Constituição dos Estados

Unidos o presidente é investido de certos e importantes poderes políticos em cujo exercício elle só recorre á sua discrição e só responde perante as leis de seu paiz, em seu caracter político, e perante a sua propria consciência. Para auxilial-o no desempenho desses deveres, elle é autorizado a nomear certos funccionarios que obram sob a sua autoridade e em conformidade das usas ordens. Em taes casos são delle os actos desses funccionarios; e qualquer que seja a opinião que se possa formar quanto ao modo como se exerceu a discrição executiva, é certo que não existe, nem póde existir algum outro poder com capacidade para feitorizar essa discrição. Os assumptos são políticos. Dizem respeito á nação, não entendem com direitos individuaes, e, sendo confiados ao executivo, a decisão do executivo é definitiva. (...omissis). Quando, porém, a legislatura prescreve outros deveres a esse funccionario; quando lhe manda peremptoriamente praticar certos actos; quando direitos individuaes dependem do cumprimento desses actos; elle se torna, de facto e de direito, official da lei; é obrigado a dar á lei contas de seu procedimento, e não póde,a seu bel prazer, ludibriar direitos adquiridos por terceiros” (sic).

61

O nome, por si só, já produz o significado de que se trata de questão diversa da jurídica125, pois, não fosse assim, chamar-se-ia de questão jurídica e não política. Se é diversa uma da outra, uma estaria, necessariamente, imune à conversão em outra, vale dizer, a questão política não poderia se tornar questão jurídica, estando rechaçada qualquer possibilidade de sua análise pelo Poder Judiciário126, raciocínio esse que, como se verá, tem que ser tomado com reservas. A reserva, na qualidade de exceção, fica por conta da possibilidade de ameaça ou lesão a direito individual, quando então a conversão da questão política em questão jurídica afigura-se admissível: MARSHALL, em seu voto, introduziu, na jurisprudência norte-americana, porém sem aplicá-la, a doutrina das questões políticas, que foi criada na Inglaterra.

A matéria seguiu sendo analisada pela Suprema Corte americana e teve vários altos e baixos, entendendo-se daí que em algumas decisões era ela prestigiada e, em outras, não. Em Luther v. Borden, 1849, que é tomado como o caso paradigmático de aplicação da doutrina, a Suprema Corte entendeu tratar o caso jurídico de uma questão política, onde, então, não poderia exercer jurisdição. Esse caso versou sobre a rebelião ocorrida em Rhode Island, a única das treze ex-colônias que ainda não tinha mudado a sua Constituição após a declaração de independência, daí ser chamado Charter Government. Em 1841-1842 rebeldes escreveram

125 No que parece concordar-se com Adam SMITH: “Com o avanço do poderio romano, o cônsul se encontrava

demais com as questões políticas do Estado para acompanhar a administração da justiça. Por isso foi designado um pretor para a administrar em seu lugar”; “Quando o poder judiciário se encontra unido ao poder executivo, é quase impossível evitar que a justiça muitas vezes seja sacrificada ao que vulgarmente se chama política” (A riqueza das nações. SP: Martins Fontes, 2003, v. II, Livro V, p. 915, grifou-se).

126 Thomas M. COOLEY, em 1880, escreveu: “Questões politicas: Acerca de questões politicas, os tribunaes

nenhuma competencia têm, e devem aceitar como terminantes as decisões proferidas pelos departamentos politicos do governo. Taes são as questões sobre a existencia da guerra, o restabelecimento da paz, sobre o governo de outro país, quer seja o de facto quer seja o legal, a autoridade dos embaixadores estrangeiros de outro país, a admissão de um Estado á União, o restabelecimento das relações constitucionaes de um Estado que se tenha rebellado, a existência jurisdiccional de uma nacionalidade estrangeira, a jurisdicção dos Estados Unidos sobre uma ilha do alto mar, o direito dos índios de serem reconhecidos livres, e assim por diante (sic)” (Princípios gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. 2. ed.. SP: RT, 1982, p. 138.

62

uma nova Constituição para o Estado e elegeram Thomas W. Dorr o “novo governante paralelo”, que quis fazer valer sua autoridade pela força. O então governo constituído declarou o Estado sob lei marcial e, na execução desse ato, o cidadão Martin Luther - a Dorrite -, foi preso em sua residência por Luther Borden - a charter militiaman -. Por esse ato, Luther processou judicialmente Borden por invasão, pois que ele teria agido sem autoridade legal como representante de um governo que Luther considerava ilegítimo. Justice Taney votou no sentido de que a cláusula de garantia, expressa no artigo n. 4, seção n. 4, pela qual a Constituição dos Estados Unidos deve garantir a cada Estado da União a forma republicana de governo e a proteção contra invasão externa ou doméstica, é endereçada ao Congresso, não podendo ser questionada perante um tribunal judicial127.

Um outro exemplo em que a doutrina das questões políticas foi aplicada é ilustrado pelo caso State of Mississippi v. Johnson, 1866, pelo qual se questionava a execução, pelo Presidente da República, das leis denominadas de Reconstruction Acts, aprovadas pelo Congresso, depois de derrubar o veto presidencial, e referentes a um governo mais eficiente nos Estados rebeldes. Pela Corte, Chief Justice Chase afirmou: “It is true that in the instance before us the interposition of the court is not sought to enforce action by the Executive under constitutional legislation, but to restrain such action under legislation alleged to be unconstitutional. But we are unable to perceive that this circumstance takes the case out of the general principles which forbid judicial interference with the exercise of Executive discretion”.

127 A não-justiciabilidade da cláusula de garantia é preconizada mesmo por quem é contrário à existência da

doutrina das questões políticas, conforme Louis HENKIN, Is There a “Political Question” Doctrine?, Yale

Law Journal, v. 85, 1975-1976, p. 608. No caso Pacific States Tel. & Tel. Co. v. Oregon, a mesma questão

foi enfrentada e a mesma decisão foi proferida, qual seja, a não-justiciabilidade da cláusula de garantia. Para uma crítica à decisão da Suprema Corte no caso Luther v. Borden, ver Notes, Political Rights as Political Questions: The Paradox of Luther v. Borden, Harvard Law Review, v. 100, n. 5, 1987, p. 1125-1145; para uma crítica à existência da própria doutrina, Wayne Mccormack, The Political Question Doctrine – Jurisprudentially. University of Detroit Mercy Law Review, v. 70, 1992-1993, pp. 793-822.

63

Os casos envolvendo os poderes políticos da República, ao menos nas primeiras décadas do século XX receberam tratamento da Suprema Corte no qual se aplicava a doutrina das questões políticas. Essa foi a situação do caso Coleman v. Miller, 1939, quando a decisão judicial foi pelo reconhecimento da questão política representada pela impossibilidade de controle, pelo Poder Judiciário, do processo legislativo de emenda à Constituição, emenda que havia sido rejeitada e depois ratificada pelo Estado. Também no caso Goldwater v. Carter, 1979, a Suprema Corte aplicou a doutrina da questão política porque se tratava de denúncia de tratado, pelo Presidente da República, sem a aprovação do Senado Federal, tendo interpretado ser essa questão uma questão política.

O caso mais atual - e rumoroso - e que definiu o entendimento que ainda vigora naquele tribunal foi Baker v. Carr, 1962. Trata-se de ação proposta pelos cidadãos Charles W. Baker e outros contra Joe Carr, Secretário de Estado do Tennessee. O caso consistiu em que a Constituição daquele Estado estabelecia que a cada dez anos se faria um novo rateio dos deputados e senadores da Assembléia Geral do Estado, após o censo da população, tudo visando a uma distribuição igualitária dos legisladores segundo o número de eleitores. O problema residia em que o último rateio no Estado tinha ocorrido em 1901, e o ano em curso era o de 1962. A Assembléia Legislativa do Estado se recusou a proceder à redistribuição dos distritos - o condado de Moore, com 2.340 eleitores, elegia um deputado, enquanto o de Shelby, com 312.345, elegia apenas sete128. Após vários insucessos nas instâncias estaduais e na instância federal, os autores recorreram para a Suprema Corte. Esta, que havia mudado sua composição e baseada na diversidade dos argumentos utilizados em casos anteriores, onde recusou a análise pela aplicação da doutrina das questões políticas - especialmente: Colegrove

128 O caso jurídico dizia respeito a um conflito entre campo e cidade, tanto que o Prefeito de Nashville chegou a

declarar, à época, que: “The state is being ruled by the hog lot and the cow pasture”, May It Please the

Court, editado por Peter Irons e Stephanie Guitton, New York: The New Press, 1993, p. 8; demonstra, no

64

v. Green, 1946129 - admitiu o recurso e, por maioria, decidiu a favor dos recorrentes com arrimo na consideração de que se tratava de igualdade ante a lei - valor do voto- 130, ainda que fosse direito político e de que, nos casos anteriores, quando se deu primazia à doutrina das questões políticas, estava em análise comparativa o Poder Judiciário federal e os demais poderes federais e, neste caso, a questão se prendia ao Poder Judiciário federal com um Estado. Em Baker v. Carr, como é bem de ver, foi permitida a análise da questão porque se entendeu que a omissão do Estado do Tennessee estava a violar direito individual, em específico, o direito de voto manifestado em seu desigual valor, portanto, direito político, o que ia de encontro à própria Constituição americana naquilo em que dizia com a cláusula da igual proteção da lei expressa na décima quarta emenda131. Esse entendimento vige até hoje na jurisprudência norte-americana132.

129 Este caso envolveu a mesma matéria de Baker v. Carr, só que no Estado de Illinois e, no entendimento do

Justice Frankfurter: “To sustain this action would cut very deep into very being of Congress. Courts ought not to enter this political thicket”, 328 U. S. 549 (1946). O próprio Estado de Illinois alterou seu sistema de representação política sob a preocupação de que a Suprema Corte, em nova ação, poderia julgar nesse sentido, conforme Christopher A. JOHNSON e Thomas B. MCAFFEE. A dialogue on the political question doctrine. Utah Law Review, n. 3, 1978, pp. 523-546.

130 Em 1964, no caso Reynolds v. Sims, onde também estava em apreciação o padrão “one man, one vote”, Chief

Justice WARREN escreveu: “Legislators represent people not trees or acres. A citizen, a qualified voter, is no more nor less so because he lives in the city or on the farm” (op.cit. p. 15).

131 Desde o caso Baker v. Carr a Suprema Corte americana aplicou a doutrina das questões políticas em dois

casos mais significativos. No caso Gilligan v. Morgan, 1973, onde se pediu à Corte para avaliar a

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 58-72)