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Estado em Luhmann

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 139-142)

4.2 Teorias sobre o Estado

4.2.2 Estado em Luhmann

4.2.2.1 O Estado do sistema político

O Estado na teoria luhmanniana pode ser analisado sob dois enfoques: a) como conceito produzido pela diferenciação interna - Ausdifferenzierung - do sistema político; b) como conceito do sistema político mundial diferenciado do sistema da sociedade mundial e dos outros sistemas parciais da sociedade, como por exemplo, o sistema jurídico mundial298. No que interessa a este trabalho, aqui será analisado o primeiro enfoque.

LUHMANN argumenta que a diferenciação interna do sistema político é caracterizada por uma diferenciação de sistemas organizacionais, onde o Estado ocupa o centro e a periferia é ocupada por organizações políticas, tais como partidos políticos e organizações de interesses: o Estado, portanto, é uma organização política299. Esse modelo de diferenciação interna centro/periferia tem a função de proporcionar, ao mesmo tempo, a unidade e a complexidade do sistema. Com LUHMANN: “trata-se da unidade da complexidade do sistema”300. A função do sistema político, que é a de produzir decisões coletivas vinculantes, não pode ser desempenhada pela ação de cada uma das organizações políticas: a responsabilidade dela é da organização central do Estado, pois que ela deve ocorrer no interior do sistema político301.

Na periferia não são tomadas as decisões coletivas vinculantes. Ela serve de campo de jogo para as representações dos desejos e dramatização das orientações dos clientes. Por isso o sistema político tem que trabalhar com a possibilidade de não decidir: a bifurcação decisão/não-decisão é, portanto, a transformação e dissolução do paradoxo da unidade da

298 Die Politik der Gesellschaft. Op. cit., p. 116. LUHMANN analisa, também, uma outra distinção, importante

para a orientação das interações no sistema político, mas que não se organiza como diferenciação do sistema: Politik, Verwaltung und Publikum (pp. 253-265), que será descrita no Capítulo 5 deste trabalho.

299 Ibidem, p. 243.

300 Idem, p. 245.

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complexidade. Vale dizer, o sistema político, ao contrário do jurídico, pode dar-se ao luxo de não decidir, e por isso mesmo, se no sistema jurídico se impõe a dupla negativa da proibição do não-decidir, no sistema político se manifesta a tripla negativa representada pela não- proibição do não-decidir, o que, paradoxalmente, produz uma margem maior de liberdade àqueles que tomam decisões políticas302.

O efeito principal dessa forma de diferenciação é que o centro é coberto de uma abundância de exigências inconsistentes de decisão. Isso faz que a politização dos temas não seja mais ligada à perspectiva de uma solução racional do problema, v.g., o oferecimento de postos de trabalho303. Essa diferenciação centro/periferia, que pode ser condensada em dois diferentes modos, a saber, o histórico e o comparado304 - onde, neste último, sobressai a comparação com os Tribunais do sistema jurídico, mais adiante descritos - diferencia, abstratamente, formas de diferenciação, isto é, no centro é construída hierarquia, enquanto que na periferia dos sistemas parciais da sociedade permanecem, para a defesa de uma mais alta complexidade e diferenciações segmentárias não-coordenadas, mais partidos políticos e mais organizações de interesses305.

A periferia não é menos importante que o centro e isso pode ser comprovado se se pensar que a vantagem dessa forma de diferenciação centro/periferia reside em que ela, no centro, proporciona outra forma de diferenciação, assim como na periferia ela pode renunciar a ter que ligar, conjuntamente, essa outra forma de diferenciação a uma inequívoca relação de posição hierárquica - neste modelo de compreensão o centro era mais importante que a periferia -306, vale dizer, não há hierarquia entre centro e periferia do sistema.

302 LUHMANN. Die Politik der Gesellschaft. Op. cit., pp. 246-247.

303 Ibidem, p. 247.

304 Idem, pp. 247-250.

305 Idem, p. 251.

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Algumas comparações, então, já podem ser efetuadas entre a teoria luhmanniana e a kelseniana.

KELSEN não se preocupou em elaborar uma teoria da sociedade, daí seu foco principal centrado no Direito; LUHMANN, de sua vez, sempre teve como objetivo a construção de uma teoria da sociedade, e apenas nesse pano de fundo pode-se compreender de forma satisfatória sua teoria. Ambos trabalharam com a idéia de Estado ocupando uma posição central: em KELSEN, no sistema jurídico, em LUHMANN, no político.

Essa indicação da posição do Estado no sistema jurídico, embora KELSEN já tivesse em conta a separação, entre si, do jurídico e do político, não significava a autonomia dos sistemas respectivos. Havia, ainda, a idéia de que a divisão horizontal dos poderes se manifestava no sistema jurídico. Em LUHMANN, como já visto, o fato de o Estado, como organização, ocupar o centro do sistema político, faz que coloquialmente se compreenda os Poderes Executivo e Legislativo como integrantes do político, enquanto os Tribunais como integrantes do jurídico.

KELSEN, reduzindo mesmo o Estado ao normativo, não chega a teorizar a respeito desse objeto como organização, o que permite a constatação de uma inadequação da descrição do sistema político da sociedade moderna, representada pelo insuficiente aparato conceitual referente ao elemento desse sistema que é a decisão política. É no instrumental de conceitos da teoria luhmanniana que se pode encontrar, por exemplo, a descrição da função do sistema político, que é a produção de decisões coletivas vinculantes, e a do sistema jurídico, que é a de estabilizar expectativas normativas, descrição conceitual inexistente na teoria kelseniana – para KELSEN a função do sistema jurídico era a de produzir normas jurídicas. Esses, então, os pontos principais de comparação entre os dois aportes relativos ao Estado.

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4.3 COMO O SISTEMA POLÍTICO OBSERVA A QUESTÃO POLÍTICA

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 139-142)