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Legislativo e Executivo: o controle político do poder

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 174-178)

A descrição empreendida neste trabalho, levada a cabo mediante esquemas da teoria luhmanniana, permite apreciar a forma da distinção direito/política em mais um desdobramento, qual seja, aquele referente a um dos lados da forma, representado pela distinção questão política como questão não-jurídica. Em abordagem diferente da realizada para descrever esse lado da distinção, que se baseou na possibilidade de análise e não- conversão de uma questão política em jurídica, pelo sistema jurídico, aqui será descrito esse lado da distinção em análise feita pelo próprio sistema político: e isso implica a descrição das possíveis relações existentes entre o Legislativo e o Executivo. Essa descrição tem de, necessariamente, ser realizada no interior do sistema político, mais especificamente na organização do Estado ocupante do centro desse sistema, pois é apenas nele, e não mais em outras organizações políticas, que são produzidas as decisões coletivas vinculantes: admitir o contrário seria dar margem à possibilidade de anulação da própria função374.

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De antemão ressalta-se que nem toda questão política necessita ser analisada no interior do sistema político: só o é aquela objeto do controle político. No exercício desse controle político sobressaem as formas de controle exercidas pelo próprio poder que decidiu - auto-controle - como aquelas executadas pelo poder distinto daquele que decidiu. Ambas as técnicas de controle são levadas a cabo no interior da organização do Estado. São exemplos de forte controle do Executivo, pelo Legislativo, no ordenamento constitucional brasileiro, além daquelas formas já citadas referentes à medida provisória e à lei delegada, as competências exclusivas do Congresso Nacional positivadas nas normas do artigo 49, incisos I-XVII, da Constituição atual375.

A teoria tradicional, geralmente, enfoca o problema das relações entre o Legislativo e o Executivo sob o pálio estrito da hipertrofia, ora de um ora de outro poder376. Essa postura investigativa não parece ser a mais adequada à descrição do problema manifestado na sociedade moderna. Ela mantém-se ainda muito ligada a uma mera descrição crítica, centrada, de sua vez, ora na predominância do Executivo sobre o Legislativo ora o vice-versa. Uma mera descrição crítica não dá conta de explicar conceitos como o de complexidade e contingência, pois fica a patinar exatamente e apenas na crítica ao modelo instaurado, vale dizer, não consegue transpor o campo de superficialidade da própria análise. É a contingência da sociedade moderna, por exemplo, que faz a hipertrofia ora de um ora de outro poder se manifestar, sempre na consecução de responder à pergunta: como é possível a ordem social? Mais produtivo seria, então, tentar teorizar a respeito do tema sobre outras bases.

375 Dentre os quais se destaca a sustação dos atos normativos do Executivo que exorbitarem do poder

regulamentar, artigo 49, inciso V, da Constituição Federal.

376 Nesse sentido, ver Argelina Cheibub FIGUEIREDO e Fernando LIMONGI. Mudança constitucional,

desempenho do Legislativo e consolidação institucional, in Revista Brasileira de Ciências Sociais, ANPOCS, SP, outubro 1995, ano 10, n. 29.

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Uma possibilidade de descrição desse problema pode ser aquela que o considere do ponto de vista da dimensão temporal e isso porque há um grau de complexidade tal na sociedade moderna que a decisão política, produto de uma seleção, é imposta por essa mesma complexidade: daí não haver mais espaço para o emprego de expressões do tipo “vontade política” e “escolha racional”377. Nesse quadro de complexidade, onde a seleção é forçada - há uma pressão seletiva -, o sistema político tem que decidir. O problema está em que a complexidade como que diminui o tempo para a decisão: há cada vez mais possibilidades a serem selecionadas - e daí a impossibilidade de inter-relação, entre si, de todos os elementos do sistema - e por isso mesmo menos tempo para tomar a decisão, de vez que, a análise de cada possibilidade para seleção toma, cada qual, também margem de tempo considerável para ser realizada. Isso demonstra que a decisão política não é apenas tomada no tempo, mas também com a ajuda dele378.

Decorre, pois, que nas organizações, especificamente, no Estado do sistema político, os procedimentos tenham que ser construídos, cada vez mais, atendo-se a esse aspecto temporal, do que faz prova a preocupação do próprio sistema traduzida em normas constitucionais e infraconstitucionais. Parece residir aí a raison d’être de normas constitucionais que tratam do processo legislativo - o coração da relação Legislativo/Executivo - e que se revestem do caráter de impressão de celeridade aos procedimentos respectivos. O processo legislativo é o meio por excelência empregado para a formulação de programas jurídicos e é nele que a questão política tem sua origem, é nele que ela nasce, seja mediante programa condicional específico - medida provisória - seja mediante

377 Sobre as diferenças entre as ações e as decisões, ver LUHMANN. Organización y decisión. Op. cit., pp. 9-

10.

378 Conforme LUHMANN: “Die Entscheidung findet also nicht nur in der Zeit statt. Sie erzeugt sich selbst mit

Hilfe der Zeit, nämlich durch jenes re-entry der Zeitdifferenz in die Zeitdifferenz” (Die Politik der

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a manifestação do critério auto-imunizador do próprio sistema político - questão interna corporis.

As normas referentes ao processo legislativo tanto podem estar positivadas na Constituição quanto no ordenamento infraconstitucional, em especial, nos regimentos internos das Casas Legislativas. O sistema brasileiro atual traz vários exemplos de normas que têm por objetivo a celeridade do processo legislativo, portanto, são normas procedimentais que regulam os respectivos procedimentos inseridos na organização do Estado. A preocupação é manifestada por meio de normas que conferem poder terminativo, relativo aos projetos de lei, às próprias comissões existentes no Parlamento, evitando-se as etapas de discussão e votação no plenário379.

No mesmo caminho, há normas regimentais que outorgam poder ao Colégio de Líderes para o alinhavo de projetos de lei, o que também exclui a discussão e votação no plenário. Igual argumento pode ser lançado com relação aos pedidos de urgência e de urgência urgentíssima feitos pelo Executivo, nos quais os requisitos autorizadores dos pedidos nem sempre se manifestam e não são, por isso, objeto de análise judicial, justo porque são questões interna corporis. Todos esses fatores, antes mesmo de ser considerados como representantes de uma crise sem fim da representação política, apresentam um único significado: ganhar tempo. Por isso a afirmação de LUHMANN de que a legislação é uma compensação de tempo: mais que isso, o próprio procedimento que orienta a produção da lei é exemplo dessa compensação380. Isso produz como conseqüência a afirmação de que não mais se apresenta como adequada uma descrição desses fatores como problema de hipertrofia do

379 Conforme artigo 58, § 2º, I, da Constituição Federal brasileira.

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Executivo: o sistema está configurado e, de forma não-planificada, serve à redução de complexidade da sociedade moderna.

No documento PAULO THADEU GOMES DA SILVA (páginas 174-178)