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A indisciplina da responsabilidade do aluno

CAPÍTULO I A INDISCIPLINA

2- Explicação causal

2.2. A indisciplina da responsabilidade do aluno

A escola, por intermédio dos seus professores, procura transmitir aos alunos um conjunto de conhecimentos curriculares, atitudes e competências - formar os alunos com vista à sua futura integração na sociedade. Este propósito nem sempre é conseguido de forma satisfatória porque os alunos oferecem resistência e enveredam por comportamentos indisciplinados.

Maria Teresa Estrela, uma das principais investigadoras dos problemas disciplinares em contexto de aula, em estudos realizados em escolas portuguesas entre 1977 e 1983, debruçou-se sobre as questões da indisciplina na sala de aula e abordou, numa perspectiva pedagógica, os fins e as funções dos comportamentos de indisciplina dos alunos. A autora (1992: 92), “tendo como referentes as alterações provocadas no processo pedagógico em curso na aula” detectou as seguintes funções pedagógicas dos comportamentos de indisciplina:

“- a função de proposição - é desempenhada por aqueles comportamentos que têm como fim mudar, suavizar, facilitar a tarefa ou resistir a ela. Visam transformar a situação num sentido favorável ao aluno: essa transformação pode traduzir-se por uma mudança de tarefa ou pela suspensão temporária das regras que a orientam (ou aceitação temporária do desvio). (…) Exemplo: 4.a classe. A professora faz perguntas sobre o texto e diz que só responde o aluno que ela solicitar. Os alunos começam a responder em coro e a professora aceita;

- a função de evitamento permite que o aluno se furte temporariamente ou durante toda a aula à tarefa ordenada pelo professor. Exemplo: o aluno não faz nada ou lê um livro doutra disciplina ou uma banda desenhada;

- a função de obstrução traz uma ruptura parcial ou total do funcionamento afectando toda a turma, na medida em que põe em causa as possibilidades de realização da função principal de produção. São exemplo as interrupções constantes e despropositadas que impedem o professor de dar a matéria prevista;

“Os alunos reconhecem que os problemas da indisciplina têm origens múltiplas e que as responsabilidades do seu aparecimento têm de ser divididas entre professores, alunos, instituição e família, não sendo ignorados, também, os factores de ordem sociopolítica”

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- a função de contestação põe directamente em causa a autoridade do professor. Ao contrário das outras funções que a põem em causa apenas de modo indirecto, a função de imposição exige do professor uma atitude de força ou uma atitude de recuo que porá em causa a sua imagem. Exemplo: o professor pede ao aluno o exercício e este deita-o ao chão;

- a função de imposição visa não somente a contestação da organização estabelecida mas também a imposição de uma contra-organização. Exemplo: em turmas do 5.° e 6.° de escolaridade, cinco minutos antes do termo, os alunos fecham os livros e cadernos, começam a falar e alguns cercam o professor. Põem assim termo à aula antes do toque.”

A origem dos actos indisciplinados na sala de aula tem, portanto, origens diversas. Podemos encontrar razões de ordem relacional e, neste caso, a indisciplina pode ser uma resposta à autoridade do professor; o aluno contesta porque não está de acordo com as exigências do professor, com os valores que ele pretende impor, com os seus critérios de avaliação, a sua parcialidade; o aluno não aceita o professor ou a sua disciplina; o professor não consegue motivar o aluno, despertá-lo ou cativá-lo. Amado (2001:108), refere que Rosser e Harré, utilizando uma perspectiva psicossociológica, consideram que

“as funções principais da indisciplina serão, por um lado, uma forma de retribuir agravos (o aluno paga, com um insulto, um insulto do professor); por outro, o restabelecimento do equilíbrio da sua imagem perante os colegas, no caso de a sua dignidade ter sido afectada”.

No dizer de Lourenço é irrelevante a percentagem de alunos que manifestam atitudes de oposição em relação ao professor e à escola, na forma de contrapoder. O mesmo autor (2004: 24), baseando-se em Amado e Freire refere que para estes autores

“estas atitudes são uma demonstração de contrapoder dos alunos, sendo o seu objectivo coagir o professor a proporcionar situações mais favoráveis, tais como: aulas onde se aprenda de uma forma alegre e descontraída; serem tomados em consideração os ritmos biológicos e psicológicos dos alunos durante a aprendizagem; onde se instituam e regulem normas claras que na realidade orientem a actividade curricular e as relações interpessoais”.

Outras causas resultam de desajustamentos entre os alunos e a escola, a desmotivação dos alunos e o desinteresse explícito por aquilo que se pretende ensinar ou qualquer outro comportamento inadequado, por vezes não são mais do que chamadas de atenção ao professor sobre os seus métodos de ensino ou sobre as estratégias de relação na aula; injustiças cometidas e alteração das regras, sem negociação, podem também provocar

37 indisciplina. Continuando a seguir o pensamento de Amado (2001: 108), que se apoia no pensamento de Woods, podemos confirmar este aspecto uma vez que para ele

“a indisciplina pode ser uma "resposta" aos constrangimentos gerais da situação de aula. Neste caso, a função da indisciplina, pelo menos para alguns alunos, pode ser simplesmente a de procurar

subverter a situação geradora de algum aborrecimento, tornando-a mais suportável, como uma

estratégia de sobrevivência na aula”.

Perrenoud (1995: 150), vai também ao encontro desta ideia de sobrevivência na aula ao afirmar que

"Para sobreviver, o aluno tem, fundamentalmente, de penetrar nos interstícios. Se os professores não os concedem voluntariamente, os alunos encontrarão, de uma maneira ou de outra, o tempo para dizerem entre si o que lhes interessa".

Também Magalhães (1992: 15), põe a tónica dos comportamentos indisciplinados na questão da chamada de atenção do aluno sobre si ao dizer que

"por vezes os comportamentos inadequados mais não são do que tentativas, bem ou mal sucedidas, de chamar a atenção. A criança ou o jovem, sentindo-se ignorado, pode tentar adoptar um comportamento que atraia sobre si a atenção do professor, dos pais ou dos colegas".

Ainda segundo Magalhães (1992), as interacções na sala de aula poderão ser também afectadas pelo funcionamento da turma enquanto grupo. Com efeito, sabemos que as nossas turmas são grupos extremamente heterogéneos sob vários aspectos: sexo, idade, proveniência, nível socio-económico, etc. Num grupo com estas características facilmente encontramos elementos com fraca predisposição para os estudos, com dificuldades de integração no espírito do grupo/turma e que podem tornar-se potenciais elementos desestabilizadores dentro da sala de aula. Esta situação poderá agravar-se quando numa mesma turma se juntam um ou vários elementos que foram obrigados pela família a frequentar a escola e que se tornam autênticos líderes de contestação ao trabalho do professor e dos outros colegas. Na medida em que a maioria das regras e normas são exteriores ao grupo/turma e impostas do exterior, pode significar, por si só, uma recusa da sua aceitação, pelo menos por parte dos alunos não integrados, levando-os a comportamentos indisciplinados.

38 Nizet e Hiernaux (s/d), numa outra perspectiva, vêem na indisciplina dos alunos formas de reacção à continuidade ou à ruptura cultural que os alunos encontram na escola e que as estratégias "brandas ou duras" dos professores acentuam.

Podemos, finalmente, referir que o sucesso escolar obtido pelos alunos também poderá ter influência directa no seu desempenho comportamental. Magalhães (1992: 15- 16), baseando-se no pensamento de autores, como Alves Pinto & Formosinho, Argyle, Carvalho, Fontaine e Veiga, diz-nos que

"quanto menor for o sucesso obtido pelo jovem na sua prática escolar, menor será o seu investimento nessas tarefas. O desinvestimento e a relação negativa com o saber e a escola podem desencadear emoções negativas que se tornem visíveis em comportamentos inadequados. O insucesso repetido e o consequente desinvestimento na escola são frequentemente geradores de quebras graves na auto- estima6 do jovem que, para além de poderem provocar problemas comportamentais, podem contribuir para que este tenha problemas de inserção e ajustamento, sentindo-se assim confuso e angustiado".

Os motivos da indisciplina anteriormente apresentados envolvem professores e alunos e relacionam-se directamente com a escola ou com a sala de aula. Contudo, há outros motivos que são extrínsecos à aula, mas podem reflectir-se dentro dela, tais como problemas familiares, dificuldades de inserção social ou escolar, excessiva protecção dos pais, carências sociais, forte influência de ídolos violentos, etc.

As manifestações de indisciplina na sala de aula parecem variar com o ciclo de estudos dos alunos e, consequentemente, com a idade. Esta ideia é-nos apresentada por Maria Teresa Estrela (1992) que, ao estudar as relações entre as regras e a produção da aula, detectou desequilíbrios frequentes entre os planos “formal-normativo” e “funcional- produtivo” que variam com a idade dos alunos. Verificou que alunos da 1ª classe e no início do ano são submetidos a um processo normativo-disciplinar cujo objectivo é a “inculcação directa de regras”. Começa aqui a resistência dos alunos a essa acção normativa do docente que se deve apenas à espontaneidade infantil a regras que lhe são estranhas. Na 4ª classe verificou alterações que passam pela desvalorização do “aspecto formal” da regra. Verifica-se da parte do professor alguma tolerância sobretudo no que diz respeito a pequenos desvios que não põem em causa a realização das tarefas do aluno.

6 “a auto-estima poderia definir-se como o resultado das experiências de êxito ou de fracasso, comparadas

39 Ainda segundo a mesma autora (1992: 84) nas turmas do ex-ciclo preparatório a desvalorização do aspecto formal da regra acentua-se, valorizando-se a produção. As regras são cada vez menos invocadas e “o elevado índice de tolerância ao desvio retira-lhe o seu valor formal, tornando-a num referente de ordem funcional”. Verifica-se que o professor reduz o formalismo normativo, submetendo-o a critérios de produção mínima.

“O professor começa por desvalorizar os pequenos desvios que limitam mas não impedem totalmente a produção e só considera como indisciplina os actos que a comprometem abertamente ou aqueles que visam directamente a sua autoridade ou a sua pessoa”. (1992: 84)

Magalhães (1992) corrobora esta opinião, dizendo que alguns comportamentos indisciplinados poderão resultar apenas de desconhecimento das regras do jogo escolar e não de estratégias desestabilizadoras. Isto poderá ocorrer sobretudo em crianças ou jovens de pouca idade, que ainda não sabem escolher o comportamento mais adequado para determinadas situações e ocorre normalmente nas escolas do 1º, 2º e 3º ciclos. Já noensino secundário a adopção de atitudes críticas e de indisciplina é frequentemente a resposta a necessidades de afirmação pessoal perante os colegas e o professor. Nestes casos, os alunos pretendem, muitas vezes, atingir o professor na sua autoridade e, finalmente, na sua pessoa. Nesta situação, é a idade dos alunos que condiciona a existência de comportamentos disruptivos ou desviantes.

Amado (2001: 112-113), em trabalho realizado em 1989, chegou a conclusões que se aproximam destas posições. Diz-nos ele que

“A análise da natureza dos comportamentos desviantes destes alunos mais velhos mostrou que eles traduziam problemas de relação com a autoridade, em especial com o professor. A meu ver, eles exerciam, de facto, uma função de contestação do professor e do sistema escolar: contesta-se porque

não se está de acordo com as exigências do professor, com os valores que ele pretende impor, com os seus critérios de avaliação, com os seus métodos de ensino e até com a sua parcialidade, enfim, contesta-se tudo aquilo que, do ponto de vista do aluno, é, por certo, a razão de ser do seu insucesso e que, por isso mesmo, se deseja ver alterado7.”

Um pouco adiante, o mesmo autor, referindo-se agora aos alunos mais novos explica que

7 O itálico é do autor

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“a natureza dos comportamentos dos alunos mais novos (12 e 13 anos) é, maioritariamente, constituída por infracções à regras do "processo-aula", isto é, infracções que, no dizer do professor, "impedem" ou "perturbam o bom funcionamento da aula", ou põem em causa a organização e gestão da classe e o "rendimento da turma". Conclui que, até certo ponto, estes comportamentos dos alunos mais novos tinham uma função de obstrução das situações habituais da aula, através de processos menos violentos do que a contestação clara e directa. Enfim, o alvo da acção destes alunos mais novos não é a autoridade do professor, mas os constrangimentos que impelem à passividade: exige- se que o aluno "não execute tarefas estranhas à aula", "se mantenha com postura e gestos adequados", "não se desloque sem autorização", "não brinque", "não converse nem faça ruídos ", "entre ordeira e pontualmente", para só dar alguns exemplos.”

Assim, podemos concluir que parece haver uma evolução gradual por parte dos alunos indisciplinados. Começam por perturbar as aulas não se empenhando nas tarefas, recusam fazer o que lhes é pedido, põem em causa a autoridade do professor e, finalmente, tentam atingir a sua pessoa. A idade dos alunos parece favorecer esta escalada, bem como os desequilíbrios de ordem pedagógica e social, que eventualmente levam a manifestações de carácter psicológico.

Lourenço (2004: 24) diz-nos, no entanto, “que a principal origem dos problemas de comportamento em sala de aula, quando considerados por si só, residem na sua frequência e não na sua gravidade”.