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2. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, LIBERALISMO E

2.1. A influência das estruturas econômicas na concepção

Como também acusaria Karl Marx – embora com outra finalidade -, a respeito da sociedade burguesa Max Weber descreveu a relação entre religião e capitalismo como um elo de validação primordial para a busca pelo desenvolvimento financeiro, vínculo que forneceu elementos para que a burguesia, em números exponenciais, alavancasse seus negócios e alcançasse, em definitivo, papel de destaque no exercício do poder.

Weber valeu-se da leitura protestante para estabelecer conexão entre a cultura capitalista e traços puramente religiosos. “Montesquieu diz dos ingleses (Esprit des lois, livro XX, cap. 7) que “foi o povo do mundo que melhor soube se prevalecer dessas três grandes coisas: a religião, o comércio e a liberdade” (WEBER, 2004:39).

Seu principal argumento consistiu em afastar o ódio ao lucro e justificar a perseguição da recompensa financeira como resultado e expressão da habilidade na profissão. Para tanto se valeu da concepção da profissão como dever, pouco importando se decorria da valorização de força de trabalho ou de propriedade de bens. Com isso, de uma só vez, justificou a exploração do trabalho assalariado e autorizou a perseguição do lucro. Aliou, com isso, à ética da cultura capitalista um significado construtivo.

Atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro da qual tem que viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo, preso nas redes do mercado, as normas de ação econômica (WEBER, 2004:47-48).

Ao considerar a relação das normas econômicas como fato inexorável à sociedade, suplantou a teoria de John Locke que, embora autorizasse ao homem, no estado de natureza, apropriar-se livremente do que estivesse à disposição na natureza, o impedia de fazê-lo quanto aos demais homens. Para tanto, Weber considerou a remuneração do trabalho não como uma sujeição de um homem a outro, não como usurpação de autoridade divina que fazia com que tão-somente Deus pudesse ordenar ao homem. Tratou-a como exercício de talentos e disposições naturais que não poderiam ser negligenciados, sob pena de afronta, justamente, àquele que os concedeu.

A todos, sem distinção, a Providência divina pôs à disposição uma vocação (calling) que cada qual deverá reconhecer e na qual deverá trabalhar, e essa vocação não é, como no luteranismo, um destino no qual ele deve se encaixar e com o qual vai ter que se resignar, mas uma ordem dada por Deus ao indivíduo a fim de que seja operante a sua glória. Essa nuance aparentemente sutil teve consequências [psicológicas] de largo alcance, engatando-se aí, a seguir, uma reelaboração daquela interpretação providencialista do cosmos econômico que já era corrente na escolástica (WEBER, 2004:145).

A utilidade de uma profissão se orienta por critérios morais e pela importância que tinha para a coletividade, os bens por ela produzidos e, o mais importante: a capacidade de dar lucro. Para isso baseia-se na “Parábola dos talentos”16, segundo a qual o servo, ao receber um talento de seu senhor, não

deveria enterrá-lo, mas utiliza-lo do modo a restituir mais do que entregou. Logo, o cristão deveria aproveitar essa oportunidade. Um dos elementos do espírito capitalista consiste na condução fundada na ideia de profissão como vocação. “A tarefa seria muito mais a de mostrar a significação que o racionalismo ascético teve para o conteúdo da ética político-social, ou seja, para o modo de organização e de funcionamento das comunidades sociais, desde o conventículo até o Estado” (WEBER, 2004:166).

O exercício do trabalho é agradável a Deus, ainda que mal remunerado – ou, em outras palavras, conforme a excelência das faculdades recebidas. O protestantismo aprofundou esse ponto de vista e validou a exploração dessa disposição específica para o trabalho, dando à atividade lucrativa do empresário, igualmente, o caráter de “vocação profissional”: vocação para o

lucro. A riqueza somente seria reprovável precisamente como tentação de abandonar-se ao ócio. “Quando, porém, ela advém enquanto desempenho do dever vocacional, ela é não só moralmente lícita, mas até mesmo um mandamento” (WEBER, 2004:148).

Com o desmoronamento da tradição e a irrupção mais ou menos enérgica do livre lucro no seio mesmo dos grupamentos sociais, o que se seguiu não foi uma afirmação do cunho ético dessa novidade, tendo sido simplesmente tolerada como um dado factual, considerado eticamente indiferente ou mesmo lamentável, se bem que infelizmente inevitável. Essa foi não apenas a tomada de posição normal de todas as doutrinas éticas, mas também – e isto é o que substancialmente mais importa – do comportamento prático do homem médio da era pré-capitalista: “pré-capitalista” no sentido de que a valorização racional do capital no quadro da empresa e a organização racional do trabalho ainda não haviam se tornado as potências dominantes na orientação da ação econômica. Foi precisamente essa atitude um dos mais fortes obstáculos espirituais com que se defrontou a adaptação dos seres humanos aos pressupostos de uma ordem econômica de cunho capitalista-burguês (WEBER, 2004:51).

Weber dispôs que a “infraestrutura social-cristã”, a aliança entre Estado, economia e Igreja, obviamente, obteve a mais alta aderência de comerciantes e mercadores coloniais, estabeleceu um capitalismo sustentado pelo Estado e foi decisiva na criação das novas indústrias, cujo desenvolvimento se fazia sem o apoio das autoridades constituídas. Mais: a resistência intelectual da reforma protestante logo achou lugar na inconformidade burguesa quanto ao poder central católico que rejeitava o lucro.

Se a doutrina religiosa predominantemente católica falava do lucro como usura, o cidadão comum não tinha motivos para almejar acumulação de capital e não enxergava possibilidade de mudança de vida. A exclusão do poder levava as pessoas, por não haver outra opção, ao exercício econômico. Considerando que aquele cotidiano era restrito à garantia territorial, de domínio e preservação da vida, a doutrina protestante ganhou espaço nesse contexto - de fortalecimento da burguesia e do capitalismo - por oferecer a seus adeptos um novo horizonte.