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1. A TEORIA DE REPRESENTAÇÃO DE HANNA F PITKIN

1.3. Modelos de representação democrática

1.3.5 Representação como processo

No modelo processual, o papel dos representantes e representados, ou a ênfase de cada um deles, não é o ponto principal: é a relação, o processo. Pitkin sustentou que a máxima da representação deve ser o procedimento. Percorrendo esse caminho os envolvidos não dependeriam dos interesses envolvidos ou estariam sujeitos ao arbítrio. A democracia representativa se aperfeiçoaria na institucionalização, do que decorreria o estabelecimento de

mecanismos de responsabilização dos políticos.

Nessa leitura a representação deixaria de ser moral, volitiva, pressupondo-a racional.

Parece-me que mostramos que um governo é representativo, não demonstrando que controla os seus súditos, mas o contrário, demonstrando o seu controle sobre o que faz. As ações de cada governo são atribuídas a seus assuntos formalmente e legalmente. Mas em um governo representativo essa atribuição tem conteúdo substantivo: as pessoas realmente agem por meio de seu governo e não são meramente receptores passivos de suas ações. Um governo representativo deve não apenas estar no controle, não apenas promover o interesse público, mas também deve ser sensível às pessoas. A noção está intimamente relacionada com a visão de representar como atividade substantiva (PITKIN, 1972:232)14.

A ênfase defendida por Pitkin reside na legitimidade do processo democrático e supera os questionamentos indicados nos modelos anteriores. Tomando as problematizações anteriores como secundárias, Pitkin sustenta que na medida em que a representação é institucionalizada, o governo fica de tal modo impregnado de controles sociais que os representados sempre terão controle da atividade governamental, não como uma simples fiscalização ou mediante prestação de contas, mas na constante ativação da participação. A instrumentalidade seria capaz de, com suas características, garantir a estabilidade do sistema político. Estes requisitos foram apresentados por Robert DAHL (2001:49-50), como indispensáveis para que uma sociedade seja considerada democrática:

(i) Participação efetiva dos seus membros com oportunidades iguais de fazerem conhecidas suas opiniões;

(ii) Igualdade de voto nas deliberações;

(iii) Entendimento esclarecido acerca das consequências das políticas escolhidas;

14 “It seems to me that we show a government to be representative not by demonstrating that its have control over its subjects but just the reverse, by demonstrating that its control over what it does. Every government’s actions are attributed to its subjects formally, legally. But in a representative government this attribution has substantive content: the people really do act through their government, and are not merely passive recipientes of its actions. A representative government must do not merely be in control, not merely promote the public interest, but must also be responsive to the people. The notion is closely related to the view of representating as substantive activity.”

(iv) Controle do programa de planejamento: deve existir oportunidade de controlar o planejamento e haver abertura para sua mudança, por seus membros;

(v) Inclusão dos adultos: todos os adultos residentes permanentes deveriam ter direito de cidadãos.

A fixação destes critérios parte da lógica de que, ausente algum dos requisitos acima descritos, os membros não seriam politicamente iguais. Presentes, garantiriam a igualdade política, desde que sejam dadas iguais oportunidades a cada um de seus membros de aprender sobre as questões da associação (DAHL, 2001:50-51).

Para que a igualdade seja realizada como princípio político, todos os cidadãos devem desfrutar da mesma oportunidade de votar sem diferença decorrente da condição econômica, social ou de gênero, como já ocorrido na história. Do mesmo modo não se pode prescindir de eleições livres e justas: livres, sem repressão; justas, com todos os votos contados igualmente (DAHL, 2001:109).

Porque a democracia exige, as eleições consistem num processo no qual o cidadão expressa sua vontade, que somente será respeitada se e quando manifestada livremente. Portanto, qualquer processo que interfira na plena liberdade para tomada e expressão da vontade no processo eleitoral, deverá ser tido por antidemocrática (influência de corporações nas eleições, patrocínio de partidos e candidaturas, no lobby para aprovação de leis) (DAHL, 2001:111).

A compreensão da realidade política e do modo de funcionamento das instituições que organizam uma democracia contribui para sua consolidação e aperfeiçoamento, permite que se desenvolvam e sejam reforçadas pela participação (DAHL, 2001:112). Para tomar as decisões é preciso adesão, é necessário que a população habilitada se manifeste. Porém, mesmo que obrigatório em alguns países, tem sido possível identificar baixa adesão às convocatórias. Havendo baixa adesão ao chamado, poucos escolherão em nome de muitos. A baixa densidade produz legitimidade?

Em outro exemplo, nas instâncias participativas mais próximas à população (conselhos tutelares, conselhos populares, representantes de bairros etc.), cujo exercício é facultativo, a predominância de um grupo pode

conduzir à elaboração de políticas públicas influenciadas unicamente por aqueles que dispõem de tempo e interesse para se dedicarem ao debate. A escolha será feita ou orientada por quem se engajar.

Quando um governante manipula uma massa inerte de seguidores para concordar com a sua vontade, hesitamos em dizer que os representa. Da mesma forma, se um grupo de interesse se envolve em uma vasta campanha de propaganda para persuadir o público em favor de alguma medida, não consideramos essa atividade como representação do público (PITKIN, 1972, 232)15.

Ao permitir que a democracia seja praticada por quem se propuser, está- se respeitando uma premissa de liberdade que não pode ser descartada. Por outro lado, o direito de não participar implica, como dito, na ocupação dos espaços políticos por uma pequena casta que utiliza a política em todos os níveis – desde o associativo ao partidário – para consolidar o poder de seus grupos e difundir seus interesses individuais (ou de coletividade restrita) à totalidade da população.

Não se deve esquecer que a existência de grupos pressupõe pertencerem eles a uma comunidade maior sob a qual se organizam e à qual se submetem. Em determinado momento do exercício político é preciso que os grupos minoritários cedam ao regramento dominante, à autoridade. A manutenção da luta por interesses individuais, incessante, acaba por destruir os interesses gerais. Na medida em que a autoridade geral deve intervir para regulamentar os interesses particulares, exerce soberania. E não pode haver mais de uma soberania.

A maior garantia de que os direitos de liberdade sejam protegidos contra a tendência dos governantes de limitá-los e suprimi-los está na possibilidade que os cidadãos comuns tenham de defendê-los contra os eventuais abusos. O melhor remédio para conter o abuso de poder é a participação direta ou indireta dos cidadãos, do maior número possível de cidadãos, na formação das leis. Sob esse aspecto os direitos políticos são um complemento natural dos direitos de liberdade.

15When a ruler manipulates an innert mass of followers to accord with his will, we hesitate to say that represents them. In the same way, if an interest group engages in a vast propaganda campaign to persuade the public in favor of some measure, we do not regard this activity as representation of the public.”

Deve-se observar que a participação no voto apenas pode ser considerada um correto e eficaz exercício de um poder político, poder de influenciar a formação das decisões coletivas, se o indivíduo que se dirige à urna gozar de liberdade de opinião, de associação, de todas as liberdades que constituem um Estado liberal, a fim de que sua participação seja real e não fictícia (BOBBIO, 2013:43-44).

Retornando a Robert Dahl, este autor sustenta que justamente por não haver igualdade, por sempre existirem grupos que se sobrepõem a outros e desequilibram a representação, o processo é essencial. Os procedimentos permitem estabelecer controle e orientar a modelagem das instituições políticas (DAHL, 2001:54).

Se o governo não deve ser dado à tutela de nenhum grupo, cabe, então, à própria sociedade o seu governo, respeitando-se direitos fundamentais, fazendo com que todos participem das decisões sobre as leis sob as quais viverão, todos dotados de autonomia, em plena inclusão. A única forma de tornar possível o exercício da soberania popular é a atribuição ao maior número de cidadãos o direito de participar direta e indiretamente na tomada de decisões coletivas.

Também como elemento necessário ao equilíbrio da democracia, sustenta-se que devem ser dados aos grupos minoritários meios de exercerem seus direitos democráticos a fim de evitar a tirania da maioria. Para caracterizar um regime democrático, não basta cumprir exigências formais ou aparências externas, mas principalmente garantir o cumprimento de direitos a ela inerentes. Um regime democrático deve vir acompanhado de uma cultura democrática organizada, institucionalizada, processualizada.

Por liberdade também deve ser considerada a livre expressão, método pelo qual tanto os cidadãos participam da vida política quanto os representantes exercem seus mandatos, sem o que não se podem tornar conhecidos os pontos de vista, pleitos e reivindicações de modo a persuadir os políticos a adotá-los na construção de políticas públicas (DAHL, 2001:110). Para desenvolver consciência cívica coletiva, os cidadãos devem ter oportunidade de expressar seus pontos de vista e submetê-los ao crivo do confronto.

independentes de informação. Sem uma imprensa livre do controle estatal – ou de monopólios econômicos -, a circulação de informações, cuja publicação e edição variam de acordo com a preferência filosófica e ideológica dos editores, a complexidade de visões que permite o desenvolvimento de visões antagônicas da realidade estaria comprometida.

Como os cidadãos poderiam participar da vida pública se a informação que tivessem proviesse de uma única fonte: o governo, partido, organização social de interesse? Por isso a democracia exige associações independentes (DAHL, 2001:111).

Por fim, apesar de o mandato na democracia representativa consistir em outorga, de acordo com o preconizado por Hanna Pitkin, porque o representante não deve limitar-se a colher a vontade de seu eleitorado (modelo liberal), a buscar a constante correspondência entre a sua vontade e a do representado (modelo por identidade), o representante deve expressar-se ao máximo no exercício do mandato conforme a vontade geral (modelo crítico). Isso, contudo, apenas é eficiente quando conjugado na institucionalização de regras que permitam a essa mesma vontade geral estar contida nas diversas instâncias da administração, acessíveis ao povo de modo a construir um efetivo e duradouro senso cívico ativo em prol do bem comum.