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3. REPRESENTAÇÃO E ECONOMIA GLOBALIZADA: UM

3.1. Considerações sobre o processo evolutivo democrático

Enquanto a filosofia considera os valores substantivos da democracia (dignidade, liberdades, etc.), a política descreve-a como um regime apto à realização de valores consensuais segundo a vontade geral da população de cada país, fundada, por isso, na soberania popular. Nos últimos tempos, é principalmente como procedimento que a democracia vem se impondo.

A democracia é um método político, quer dizer, certo tipo de arranjo institucional para chegar a decisões políticas – legislativas e administrativas – e, por isso, não pode ser um fim em si, independentemente das decisões que produza em determinadas condições históricas. E esse deve ser o ponto de partida de toda tentativa de defini-la (SCHUMPETER, 2017:328- 329)

No campo procedimental, como descrito por Hanna Pitkin, democracia é um conjunto de normas institucionalizado necessário a que o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, bem como destinado ao bem geral da população. A democracia, portanto, pode ser analisada por seu conteúdo jurídico-institucional ou pelo ético.

Para o liberalismo clássico, o fim principal da democracia é o mais livre exercício de direitos individuais. Já para os igualitários, deve buscar o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera das liberdades singulares. A confluência destes dois valores significa que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros, podendo fazer tudo que não ofenda a igual liberdade dos outros. A igualdade democrática deve residir em igual oportunidade para todos. Uma vez que a democracia no Estado moderno nasce como uma democracia liberal, merece recordar que por liberalismo entende-se uma concepção segundo a qual o Estado tem poderes e funções limitadas. Tal democracia tem como base social a primazia do indivíduo e, como fonte do direito, a vontade geral (PAUPÉRIO, 1997:26).

A forma política liberal desenhada para a construção do Estado democrático foi o sistema representativo, prevalecente na maioria dos países ocidentais desde o século XVIII. Este formato depositou no exercício do mandato o centro da construção republicana, instrumento de sua viabilização e legitimidade alcançada por meio do sufrágio aferido pela regra majoritária.

Sobre a formação da maioria, escreveu Gramsci que a numeração dos votos nada mais “é a manifestação terminal de um longo processo, no qual a influência máxima pertence justamente àqueles que dedicam ao Estado e à Nação seus melhores esforços” (CANFORA, 2007:21).

Como critério de decisão, a regra majoritária mostrou-se incapaz de representar a vontade coletiva plural diante de sociedades cada vez mais complexas. Nesses contextos, a regra simples de maioria de votos tende a conduzir à eleição do grupo de maior expressão ou capacidade de mobilização, excluir os demais e produzir uma lacuna representativa o que, a longo prazo, criava novas dinastias, novas formas de dominação. Por essas razões o sistema representativo proporcional foi adotado como método de formação de governo preponderante. O assento de diferentes correntes intenta dar voz à

representação da vontade do representado, não à vontade individual, mas aquela integrada a interesses mais gerais.

Sociedades modernas são complexas. Se no passado as divisões resumiam-se a senhores e servos, capitalistas e socialistas, religiosos e ateus, novas temáticas têm assumido importância e cruzado as divisões de classe. Sociedades com esse desenho tendem a definir-se conforme temas específicos, não apenas por classes. Um cidadão de uma classe pode simultaneamente aderir a distintos movimentos sociais e reivindicar uma gama variada de assuntos. O advento dessa característica tem tornado cada vez mais rara a defesa do modelo liberal de representação descrito por Pitkin: não é o cidadão isolado que deve ser representado, mas são os interesses coletivos voltados ao bem geral que devem tomar assento no governo.

Tratando da complexidade das sociedades e das formas com as quais os indivíduos orientam suas relações, as pesquisas de Serge Moscovici levaram-no a publicar uma teoria na qual busca considerar as representações sociais como um fenômeno.

Representar significa a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presente as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e de uma integridade normativa do grupo. É, portanto, muito importante que isso se dê de forma comunicativa e difusiva, pois não há outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que eles contêm, pelos quais as pessoas e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar as tais coisas (MOSCOVICI, 2013:216).

As representações sociais teriam como característica peculiar o senso comum coletivo, uma vez que buscam analisar os modos de pensamento pelos quais as coletividades são orientadas a reconstruir as relações de sentido aplicado à realidade e a si mesma (SILVA; CARMO; CUSTÓDIO DA SILVA, 2015:64). A democracia, ao permitir a representação plural, além de vocalizar diversas expressões e interesses, permite o conflito e a crítica e, com isso, a fiscalização, métodos de confronto pelos quais o sistema pode ser aperfeiçoado.

A representação ainda traz como benefício o estímulo à participação e maior interesse do cidadão no governo. Um dos remédios para a tirania da maioria está exatamente no fato de que, para formação da maioria, todos

participem das eleições e sejam representados no governo: “a liberdade republicana é mais ampla ou estreita conforme seus grupos sociais estão ou não colocados em pé de igualdade no governo” (ARAÚJO, 2013:98).

Como descrito por Maria Paula Dallari BUCCI (2013:40), a primeira providência a ser implantada nas democracias jovens é fincar condições essenciais de igualdade eleitoral, para que a disputa de eleições justas seja capaz de superar a dominação de oligarquias. Trata-se de uma medida essencial para conter a força autoritária de pequenos grupos e dividir o exercício do poder com o conjunto da sociedade.

Muito embora no século XX a democracia representativa tenha sido consagrada como forma predominante de governo, sua formulação restringiu- se hegemonicamente à participação em procedimentos eleitorais (SANTOS; AVRITZER, 2003:40), insistindo-se numa fórmula que reduz a relevância dos elos da representação. O debate democrático ficou concentrado em valorizar o papel das instituições, criando-se uma democracia a partir do modelo processual-representativo.

Desse modo, embora tenha sido promovida uma forte expansão da democracia, talvez em função de não ser possível identificar nas decisões políticas e governamentais os anseios/interesses das sociedades às quais estão vinculados, tem-se constatado uma diminuição da participação popular nos sufrágios e no fato de os cidadãos se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram (SANTOS; AVRITZER, 2003:44). Por isso, o procedimento democrático não pode ser um mero método de autorização de governos. Precisa ser uma forma de exercício coletivo do poder político cuja base seja um processo de livre de apresentação de ideias, no qual haja possibilidade de participação ampliada nos processos de tomada de decisão e aumento da participação, especialmente no nível local.